Acórdão nº 246/14.4T9VFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução12 de Julho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec nº 246/14.4T9VFR.P1 TRP 1ª Secção Criminal Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto No Proc. C.S. nº 246/14.4T9VFR do Tribunal da Comarca de Aveiro - Santa Maria da Feira - Juízo Local Criminal – J2 foram julgados os arguidos B…, e C…, Ld.ª pessoa coletiva n.º ………..

D… deduziu pedido de indemnização civil, pedindo a condenação do arguido B…, em representação da sociedade arguida, no pagamento da quantia global de €1.842 (mil oitocentos e quarenta e dois euros), sendo a quantia de €567 (quinhentos e sessenta e sete euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora contados desde a data do vencimento do cheque até efetivo e integral pagamento, e a quantia de €1.250 (mil duzentos e cinquenta euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros legais desde a notificação até efetivo e integral pagamento.

Por decisão de fls. 208, foi declarado extinto o procedimento criminal e a instância cível relativamente à sociedade arguida, prosseguindo os autos para apreciação da responsabilidade do arguido B….

Após julgamento por sentença de 13/2/2017 foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, julga-se a acusação e pedido de indemnização civil totalmente improcedentes e, em consequência, decide-se: ❖ Parte Criminal a) Absolver o arguido B… da prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1, al. a), do DL n.° 454/91, de 28/12, que lhe vinha imputado; b) Absolver o arguido B… da prática de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217.°, n.° 1 do CP, que lhe vinha imputado; c) Declarar que não são devidas custas criminais;*❖ Parte Civil d) Absolver o demandado B… do pedido de indemnização civil deduzido; e) Declarar que não são devidas custas cíveis.

Recorre o MºPº o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões 1. Nos autos foi o arguido B… absolvido da prática, em autoria material de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217.º, n.º 1 do Código Penal.

  1. A decisão recorrida enferma de erro na aplicação do direito, violando o disposto no artigo 217º, n.º1 do Código Penal, ao considerar não integrar como elemento típico do crime, o prejuízo patrimonial sofrido por D... com a entrega ao arguido, através de E…, do cheque n.º ………, que aquele preencheu e lhe entregou para pagamento da quantia de €567,80 da qual era devedor.

  2. Como defendido pelo Tribunal recorrido, o crime de burla mostra-se preenchido com o acto de disposição que implique a diminuição do activo patrimonial da vítima.

  3. Ora, o cheque titulava um crédito da ofendida, assumindo-se, por isso, como um activo na esfera patrimonial desta, pelo que, a sua devolução acarretou-lhe uma diminuição desse activo, decorrendo de tal acto que o conjunto de valores patrimoniais da mesma foi diminuído mercê da renúncia à cobrança de tal valor através daquele título.

  4. Tal é suficiente para se afirmar pela efectiva verificação do prejuízo patrimonial nesse momento e, em consequência, da verificação de todos os elementos típicos do crime de burla, pois que quanto aos demais elementos típicos os mesmos mostram-se verificados, tal como assim também concluiu o Tribunal recorrido.

  5. Verificados que se mostram todos os elementos do tipo objectivo do crime, deverá dar-se como demonstrado todos os seus elementos subjectivos, nomeadamente que o arguido actuou perfeitamente ciente que a aludida conduta era proibida e punida por lei.

  6. Pelo que, deve por isso, ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que condene o arguido pela prática do crime de burla, previsto e punido pelo artigo 217º, n.º1 do Código Penal.

    O arguido não respondeu Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso Foi cumprido o artº 417º2 CPP Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.

    Cumpre apreciar.

    Consta da sentença recorrida (transcrição): “II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A) Factos provados Com relevância para a decisão da causa, resultou provada a seguinte factualidade: 1. A sociedade «C…, Ld.a» era uma sociedade por quotas, com sede na Praça …, …, em São João da Madeira, matriculada sob o n.° ………, com início de atividade em 05/02/2013.

  7. Desde a sua constituição e até ao dia 10/11/2014 que o arguido B… foi sócio e gerente, de direito e de facto, da sociedade arguida, assumindo as funções de direção e organização da empresa, dando ordens e instruções e controlando toda a atividade, chamando a si a iniciativa e a responsabilidade por todas as decisões a que dava execução, permanecendo com tais funções desde esse dia e até ao encerramento da atividade da sociedade.

  8. D… trabalhou nas instalações da sociedade arguida durante o mês de julho de 2014 e até dia não apurado do mês de agosto de 2014, mas anterior ao dia 13 de agosto, por conta e sob a direção e instruções do arguido B…, data em, que rescindiu o contrato de trabalho.

  9. No dia 13 de agosto de 2014, como meio de pagamento da retribuição que era devida a D…, o arguido B… preencheu e assinou pelo seu punho o cheque n.° ………, datado de 15 de agosto de 2014, sacado da sua conta número ……….., sedeada na F…, em numerário e por extenso com o valor de €567,80 (quinhentos e sessenta e sete euros e oitenta cêntimos) e à ordem de D…, entregando-o de seguida.

  10. Na posse do cheque, D… entregou-o a E…, seu marido, para depósito na conta do casal, o que este fez no dia 20 de agosto de 2014, na agência da F…, em …, Santa Mara da Feira, tendo o cheque sido devolvido, na mesma data, por falta de provisão.

  11. Em face da devolução do cheque, D… e o seu marido E… encetaram contactos com o arguido a fim lhe pagar aquela quantia.

  12. Na sequência desses contactos, no dia 08 de setembro de 2014, E… deslocou-se às instalações da sociedade em causa, local onde o arguido exigiu a devolução do original do cheque que entregou a D…, comprometendo-se a efetuar uma transferência bancária de igual valor, assim decidindo pôr em execução um novo plano de modo a fazer crer que iria pagar aquela quantia, apoderando-se do original do cheque que entregara.

  13. Assim determinado, na presença de E…, nesse dia, através da Internet, o arguido entrou no site do G… e acedeu à conta da sociedade «C…, Ld.a», com o n.° …. …. …., e simulou a realização de uma transferência bancária a favor de D…, com os seguintes dados: Conta G… - C… LDA Conta origem: …. …. ….

    NIB destino: …. …. ………. ..

    Nome titular da conta destino: D… Referência: Pagamento por Conta Montante: 567,80EUR; Data da operação: 2014-09-08 9. Após a inserção de tais dados e sem que validasse a transferência bancária, por saber que a conta não dispunha de saldo para a concretizar, o arguido imprimiu em documento os dados que introduziu no sistema bancário.

  14. De seguida, entregou esse documento a E…, fazendo-o crer que a operação havia sido concretizada, conseguindo, por essa via, fazê-lo entregar o original do cheque que detinha.

  15. Ao não receber o montante titulado pelo cheque, D… teve um prejuízo patrimonial no valor correspondente ao ali inscrito, por ter prestado trabalho por conta da sociedade «C…, Ld.a» sem receber o respetivo pagamento, acrescidos dos encargos na sua devolução.

  16. Ao preencher e assinar o supra mencionado cheque e ao entregá-lo para pagamento a D…, o arguido sabia que o seu pagamento iria ser recusado pelos serviços da compensação e que seria devolvido com a menção de falta de provisão, por não dispor em conta dos fundos suficientes para pagamento do referido cheque.

  17. Ao entregar aquele cheque como meio de pagamento a D… nas condições descritas, quis e conseguiu o arguido causar-lhe um prejuízo patrimonial, pelo menos no montante ali titulado.

  18. E, ao simular a realização daquela transferência bancária, sabia o arguido que a conta da sociedade «C…, Ld.a» não dispunha de saldo que permitisse concluir aquela transferência com sucesso, o que não o demoveu de realizar a operação com o claro e único propósito de entregar um documento a E… que o fizesse acreditar que a transferência havia sido feita, assim logrando criar naquele o convencimento da regularidade da operação, levando-o a entregar o cheque que detinha consigo.

  19. O arguido quis e conseguiu obter um benefício que sabia não ter direito, furtando-se ao pagamento a D… do tempo de trabalho que a mesma exerceu naquela sociedade, apoderando-se desse valor, que assim usou em proveito próprio e no da sociedade «C…, Ld.a».

  20. O arguido agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, por si e em nome, representação e no interesse da sociedade «C…, Ld.a».

  21. Até à presente data, D… não recebeu a quantia de €567,80 (quinhentos e sessenta e sete euros e oitenta cêntimos).

  22. Tendo suportado a quantia de €25 (vinte e cinco euros), a título de encargos com a devolução do cheque.

    *19. O arguido é divorciado.

  23. Tem uma filha com 16 anos de idade, que reside com a progenitora.

  24. O arguido reside com a mãe e a avó, em casa daquela.

  25. Era empresário.

  26. Entretanto, foi motorista numa empresa, durante três meses, auferindo a quantia mensal de €636 (seiscentos e trinta e seis euros), acrescida de subsídio de alimentação.

  27. Encontra-se desempregado há sete meses, não auferindo qualquer subsídio.

  28. Beneficia da ajuda da mãe e da avó.

  29. Encontra-se obrigado ao pagamento da quantia de €236 (duzentos e trinta e seis euros), a título de pensão de alimentos devida à sua filha menor, que não tem pago.

  30. Não suporta encargos com empréstimos.

  31. Não tem passado criminal.

    *B) Factos não provados Com relevância para a decisão da causa, não resultaram provados outros factos, em contradição com aqueles ou para além deles, designadamente, os seguintes: a) Que D… tenha trabalhado para a referida sociedade até ao dia 13 de agosto de 2014, data em que rescindiu o contrato de trabalho; b) Que o cheque tenha sido preenchido e entregue no dia 15 de agosto de 2014; c) Na posse do cheque, D… apresentou-o a pagamento na agência da F…, em …, Santa Mara da Feira, o que fez no dia 20 de...

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