Acórdão nº 4940/15.4T8VNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Junho de 2017
Magistrado Responsável | MANUEL DOMINGOS FERNANDES |
Data da Resolução | 19 de Junho de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo nº 4940/15.4T8VNG.P1-Apelação Origem: Comarca do Porto-V. N. Gaia-Inst. Local-Secção Cível-J1 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Miguel Baldaia 2º Adjunto Des. Jorge Seabra* Sumário:I - A obrigação de restituir, fundada no enriquecimento sem causa, pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: a) que haja um enriquecimento de alguém; b) que ele tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição; c) que o enriquecimento careça de causa justificativa e, para além disso que constitua acção subsidiária ou que apresente carácter residual, no sentido de que a pretensão por enriquecimento sem causa só poderá ser exercitada quando se estiver perante uma situação de facto não regulada por qualquer norma específica (crf. artigos 473.º e 474.º do CCivil).
II - O depósito é o contrato pelo qual uma pessoa entrega uma determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante.
III - É do conhecimento geral que os bancos podem obter o pagamento de cheques emitidos sobre o estrangeiro, quer seja em regime à cobrança ou regime de cobrança simples.
IV - No regime de cobrança simples (Cash Letter), o cheque é enviado para o banco correspondente no país sobre o qual é sacado, para que este coloque o cheque no sistema de compensação, sem qualquer verificação das assinaturas pelo menos não de imediato, procedimento que implica que mais tarde, (em alguns países até 1 ano mais tarde) o sacado pode reclamar com o seu Banco, informando que a assinatura que consta no cheque não é sua e exigir ser reembolsado.
V - No regime à cobrança a conta do sacador só é creditada pelo valor líquido do cheque quando este for efectivamente cobrado, tendo sido verificados não apenas o saldo da conta como também a assinatura do sacado.
VI - Tendo o Réu recorrente procedido ao depósito, na conta domiciliada na agência da Autora, de um cheque sacado sobre o estrangeiro em regime “SBC-Salvo Boa Cobrança” a respectiva conta só seria creditada pelo valor inscrito no cheque quando este fosse, efectivamente, cobrado.
VII - Se a entidade bancária foi notificada pela sua correspondente no estrangeiro de que o dito cheque iria ser devolvido por “cheque alteration”, o depósito do seu valor nunca chegou a ocorrer.
VIII - Todavia, se por erro operacional da Autora e sem qualquer causa justificativa, inexistência de qualquer depósito por falta de correcto pagamento do cheque em causa, fez deslocar para a esfera patrimonial do Réu recorrente a quantia de €15.000,00 que ficou disponível na sua conta e que este gastou em seu proveito, a única via que aquela tinha para obter o reembolso do valor de que, por erro dos seus serviços, se viu desapossada era a acção de enriquecimento sem causa por se verificar, no caso concreto, o seu carácter subsidiário.
* I - RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto:B…, SA, pessoa colectiva … … …, com sede na Avenida …, .., Lisboa, instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra C…, residente na Praceta …, nº … em Vila Nova de Gaia, pedindo a sua condenação do pagamento da quantia de €15.000,00 acrescida dos respectivos juros legais vencidos desde a data do recebimento da carta de interpelação em 16.05.2014 e os vincendos até integral e efectivo.
Alega para o efeito, em resumo, que o Réu, em 2/1/2014, depositou um cheque sacado sobre o estrangeiro, no valor de €15.000, na agência da Autora sita na rua …, Vila Nova de Gaia.
Nessa ocasião o Réu foi informado do regime associado, ou seja, caso o cheque viesse a ser cobrado, a Autora procederia à sua devolução.
Já no dia 15/1/2014 o correspondente da Autora em França informou-a que o cheque iria ser devolvido por se tratar de um cheque alterado.
Todavia, por lapso dos seus serviços, acabou por disponibilizar a quantia em causa na conta de depósitos à ordem do Réu, tendo este, entre 16/04 e 22/04/2014 procedido a diversos levantamentos.
A sua conta ficou, em resultado desses levantamentos, com saldo indisponível e apesar das diversas interpelações para restituir a quantia indevidamente recebida, o Réu nada fez e apropriou-se, sem causa justificativa, da quantia de €15.000.
*O Réu, citado, contestou impugnando a factualidade invocada pela Autora e deduziu pedido reconvencional, no valor de € 1.000, a título de danos não patrimoniais, porquanto em virtude do sucedido, cuja culpa atribui em exclusivo à Autora, o seu nome consta da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, pretendendo ser ressarcido dos danos por essa via causados.
*A Autora replicou pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
*Findos os articulados, foi agendada uma audiência prévia.
*Foi proferido despacho saneador e admitiu-se o pedido reconvencional deduzido.
*Fixou-se o valor da acção e definiram-se os temas de prova, quer sob a forma de factos já provados quer quanto aos factos a provar.
*Por último, tomou-se decisão acerca dos meios de prova apresentados pelas partes e agendou-se a audiência de julgamento.
*Teve lugar a audiência de julgamento que decorreu com observância do legal formalismo.
*A final foi proferida decisão que julgou a acção procedente por provado e consequentemente condenou o Réu a pagar à Autora a quantia €15.000 [quinze mil euros], acrescida de juros legais à taxa de 4%, contados desde 16/5/2014 até efectivo e integral pagamento e julgou a reconvenção deduzida pelo Réu improcedente, por não provada e absolveu a Autora reconvinda do pedido contra ela formulado.
*Não se conformando com o assim decidido veio o Réu interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: 1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 23/11/2016, a fls. dos presentes autos, com a referência citius n.° 374086985, que julgou: A)- a presente acção procedente e condenou o Réu/Recorrente a pagar a Autora/Recorrida, a Quantia de €15.000 [quinze mil euros], acrescida de juros legais à taxa de 4%, contados desde 16/5/2014 e até efectivo e integral pagamento.
B)-a reconvenção deduzida pelo Réu/Recorrente improcedente, por não provada, absolvendo-se a B…, S.A./Recorrida do pedido contra ela formulado: 2. A Autora/Recorrida fundou a sua pretensão no instituto previsto no artigo 473° do Código Civil; 3. A sentença sub judice considerou que neste caso concreto se mostram preenchidos os pressupostos do enriquecimento sem causa no que concerne ao Réu/Recorrente, verificando-se as seguintes circunstâncias: a)- o enriquecimento do Réu, uma vez que aumentou o seu património com a referida importância de €15.000; b)- o empobrecimento da Autora, que viu o seu património diminuído no mesmo montante; c)-nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento, pois o enriquecimento do Réu verificou-se à custa do empobrecimento da Autora, nos termos já apurados; d)-a ausência de causa justificativa, porque a deslocação patrimonial ocorrida baseou-se num erro dos serviços administrativos da Autora; e)-a ausência de outra acção apropriada, pois a lei não faculta à empobrecida outros meios de reacção.
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Quanto ao pedido reconvencional, o Exmo, Sr. Juiz a quo entendeu que nessa parte não restava ao Tribunal outra hipótese que não fosse emitir uma sentença absolutória.
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Por duas ordens de razões: Dispõe o artigo 484° que "Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados".
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Por outro lado, a título de danos não patrimoniais, parece ser pacífica a tese de que os mesmos são indemnizáveis, desde que sejam graves e mereçam a tutela do direito, de harmonia com o normativo inserto no artigo 496°, n° 1.
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Ora, se é difundida uma informação que não corresponde à verdade e se por via dessa informação a imagem comercial do sujeito é afectada, com a sua inclusão na lista de pessoas com responsabilidades vencidas, em princípio haverá fundamento para condenação do autor da difusão da informação.
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Mas, no caso dos autos, a informação que a Autora/Recorrida enviou ao Banco de Portugal, do nosso modo de ver, mais não foi que o cumprimento de uma obrigação legal decorrente do Decreto-Lei n° 204/2008, de 14 de Outubro.
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E se assim não fosse, sempre a pretensão do Réu seria julgada improcedente em face da factualidade que alegou e que resultou provada, muito escassa para se poder considerar verificada a ocorrência de danos não patrimoniais relevantes, designadamente a afectação do bom nome, crédito e reputação.
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Sucede que o Meritíssimo Juiz a quo não esteve bem ao aplicar o instituto do enriquecimento sem causa-artigo 473° do C.P.C.-ao caso sub judice.
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Ao contrário do defendido na sentença recorrida, não se encontra preenchido o requisito previsto no artigo 474.° do C.P.C, (ausência de outra acção apropriada, pois a lei não faculta à empobrecida outros meios de reacção).
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Partindo da factualidade dada como provada na sentença, mais concretamente dos artigos 13.°, 20.°, 24.° e 25.° da petição inicial, dúvidas não podem existir de que estamos perante um “erro da própria instituição bancária”, realizado pelos serviços administrativos da Recorrida.
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E à luz dessa factualidade que a presente acção judicial deveria ter sido estruturada, e não fazendo apelo à aplicação de um instituto jurídico de carácter subsidiário, como o enriquecimento sem causa.
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Entre a Recorrida e o Recorrente foi celebrado um contrato de depósito bancário à ordem.
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“O depósito bancário pode caracterizar-se como o contrato pelo qual uma pessoa entrega uma determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante. O banco adquire a propriedade e a disponibilidade do dinheiro, e o depositante um direito de crédito sobre o banco”, -vide Ac. STJ de 08.05.2012, in www.dgsi.pt.
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Por outra via, “A convenção de cheque é um contrato de prestação de...
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