Acórdão nº 5829/16.5T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Junho de 2017
Magistrado Responsável | ALBERTO RU |
Data da Resolução | 26 de Junho de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Tribunal da Relação do Porto – 5.ª Secção.
Recurso de Apelação.
Processo n.º 5829/16.5T8PRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Instância Central – 1.ª Secção Família e Menores – J2.
*Juiz relator………….Alberto Augusto Vicente Ruço 1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto 2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim* Sumário:I – Sendo omissa no registo civil a paternidade da avó materna do Autor e tendo já caducado o direito desta e dos seus descendentes instaurarem acção de investigação de paternidade – artigo 1818.º do Código Civil –, a ordem jurídica não impede que o Autor, seu neto, peça em tribunal declaração judicial de que ele (neto) é bisneto da pessoa que identifica como pai da sua avó materna.
II – Neste caso o bisneto exerce um direito próprio.
III – O regime jurídico aplicável é o previsto para o estabelecimento da filiação nos artigos 1796.º a 1873.º do Código Civil, aplicável por analogia, com as devidas adaptações – artigo 10.º do Código Civil.
IV – O reconhecimento da existência do direito de um neto ou bisneto obter a declaração de que certa pessoa é seu avô ou bisavô, não implica o renascimento de direitos patrimoniais que os seus ascendentes tenham perdido, por ter decorrido o prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, dentro do qual podiam ter instaurado acção de investigação de maternidade/paternidade.
*Recorrente/Autor…………………B…, residente na Rua …, …, …, …. - … ….
Recorrida/Ré……………………….
C…, residente em Rua …, …., …. - … Porto* I. Relatório
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Através da instauração da presente acção declarativa constitutiva, o autor B… pretende que o tribunal declare, no confronto com C…, herdeira e filha única de D…, que este último, já falecido, é seu bisavô.
O tribunal indeferiu liminarmente esta pretensão, com os seguintes fundamentos: «Nos termos do artigo 26º, n.º 1 da CRP, “a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal (…)”, Sobre este princípio escreveram os Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, em “Curso de Direito de Família”, Vol. II, pág. 50 e 51 que o mesmo consiste “(…) num direito ao conhecimento da identidade dos progenitores que, por sua vez, garante um direito à «localização familiar» , de tal modo que cada indivíduo possa identificar os seus parentes, a sua origem geográfica e social.” Na mesma obra referem fazem aqueles Mestres referência ao princípio da taxatividade dos meios para o estabelecimento da filiação, no sentido que “(…) os vínculos só podem ser constituídos através dos meios rigorosamente previstos na lei, e não por outros.” – obra citada, pág. 55.
Mais se refere ali que “o acto de iniciar uma investigação de paternidade também releva de uma vontade privada do pretenso filho, que pode abster-se da acção e, neste sentido, dispõe livremente do estabelecimento do vínculo” – obra citada, pág. 55.
Conforme se retira do disposto no artigo 1847º do C. Civil “o reconhecimento do filho nascido ou concebido fora do matrimónio efectua-se por perfilhação ou decisão judicial em acção de investigação.” Dos preceitos e das considerações supra descritas podemos concluir que, salvo melhor opinião, não tem o autor qualquer direito a ver reconhecida a identidade de um qualquer ascendente que não o pai (pai a mãe, claro).
Com efeito o que o princípio constitucionalmente garantido da identidade pessoal garante é o direito de cada um em conhecer a identidade dos pais e, indirectamente, dos demais ascendentes.
Por outro lado o Código Civil apenas prevê a possibilidade de reconhecimento do filho, sendo de recordar a existência do princípio da taxatividade dos meios para o estabelecimento da filiação. Por outro lado importa reter ainda que está na disponibilidade do filho em abster-se de intentar a respectiva acção.
Nos termos do artigo 2.º, n.º 2 do CPC “ a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.” Não tendo o autor direito ao reconhecimento de como seu bisavô importa indeferir liminarmente a petição inicial. Com efeito, os presentes autos foram conclusos, apesar e não existir disposição legal que o determinasse.
Contudo, em face da evidente falta de fundamento do pedido, por inexistência do direito invocado, importa proferir decisão desde já.
Por todo o exposto, julgo a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido.
Custas pelo autor.
Registe e notifique».
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É desta decisão que recorre o autor, tendo formulado estas conclusões: «A Apelante está convicta que V.as Ex.as reapreciando a matéria de direito e subsumindo-a nas normas legais, doutrina e jurisprudência aplicáveis, não deixarão de revogar a sentença proferida pelo tribunal “a quo”.
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O A. peticionou o reconhecimento da paternidade da sua avó materna.
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Embora a lei não preveja qualquer meio de estabelecimento da filiação entre avô e neto, ou bisavô e bisneto, o facto é que o direito à identidade pessoal, constitucionalmente salvaguardado fica irremediavelmente coarctado se nos cingirmos à taxatividade dos meios para o estabelecimento dafiliação de que se vale a sentença recorrida.
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Ora, determina a Douta sentença do tribunal “a quo”: “Com efeito o que o princípio constitucionalmente garantido da identidade pessoal garante é o direito de cada um em conhecer a identidade dos pais e, indirectamente, dos demais ascendentes”. E simultaneamente refere que “importa reter ainda que está na disponibilidade do filho em abster-se de intentar a respectiva acção”.
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Deste modo, o A. ficaria irremediavelmente cerceado nas suas acções. Na medida em que, não tendo a sua avó tomado a iniciativa de intentar a presente acção, nada mais lhe restaria que se conformar com a impossibilidade de repor a verdade biológica ou de dispor de uma génese reconhecida e legalmente atestada.
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Este entendimento, salvo melhor opinião, preclude o prescrito no artigo 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, que comporta em si um direito à historicidade pessoal, sendo certo que o desconhecimento da identidade do seu bisavô importa para o A. o desconhecimento de parte da sua história pessoal e um sentimento de desenraizamento que perturba o seu desenvolvimento pessoal.
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O que move o A. é um interesse legítimo e atendível de repor a verdade biológica da filiação e garantir o respeito pelo direito à identidade pessoal de que ele e os seus descentes deveriam gozar.
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Se se admite e compreende que o respeito pelos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, ínsitos no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, tenham levado ao estabelecimento de prazos para a investigação da paternidade, pior se compreende a limitação da legitimidade para interpor a presente acção ao filho não reconhecido, uma vez que a sua omissão pretere direitos constitucionalmente salvaguardados das gerações seguintes.
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Ora, a manutenção da segurança jurídica e da protecção da confiança do progenitor, e, bem assim, da sua família, não apresenta, no caso em apreço, especiais cautelas, na medida em que não haverá qualquer alteração na estrutura familiar; Em consequência do reconhecimento peticionado, uma vez que o bisavô...
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