Acórdão nº 481/14.5JABRG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelCRAVO ROXO
Data da Resolução07 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 481/14.5JABRG.

*Acordam na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:*No processo comum nº 481/14.5JABRG, do 1º Juiz da Secção Criminal, Instância Local de Felgueiras, Comarca do Porto Este, foi o arguido B… acusado pelo Ministério Público da prática, como autor material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de coacção agravada, p. e p. pelos arts. 154°, nº 1 e 155°, nº 1, alínea b), um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176°, nº 1, al. c) e 177º, nº 6 e ainda de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo art. 171°, n° 1, todos do Código Penal.

Realizada a audiência, foi o arguido absolvido de todos estes crimes.

*Desta decisão, recorre o arguido, formulando as seguintes conclusões (sic), que balizam e limitam o âmbito do recurso (Ac. do STJ, de 15.04.2010, in www.dgsi.pt: “Como decorre do Art. 412º do Código de Processo Penal, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”):*O arguido B… foi absolvido do crime de que vinha acusado, de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.°, n. ° 1, al. c), e 177.°. nº 6, do Código Penal.

O presente recurso visa impugnar a matéria de facto, por se entender que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento permitiria ao Tribunal a quo, com a suficiência devida, dar como provados os factos descritos no ponto 5dos factos não provados da sentença em crise, tendo o Tribunal a quo, ao considera-los não provados, apreciado erradamente a prova produzida.

Visa ainda apreciar a errónea subsunção dos factos ao Direito, por violação do disposto no art." 176.°, ai. c), do c.P. - matéria de direito, sendo o presente recurso interposto com os fundamentos previstos no artigo 410.0, n. o 2, alínea b) e c), do Código de Processo Penal.

Entende o Ministério Público que o julgador a quo não andou bem ao apreciar a prova produzida em sede de audiência de julgamento, encontrando-se errada e incorrectamente julgada a matéria de facto dada como não provada no ponto 5 da sentença ora posta em crise, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, factos que deveriam antes ter sido dados como provados.

Atendendo à prova produzida, e aos factos dados como provados nos pontos 4 e 5 da sentença posta em crise, poderia e deveria o Tribunal a quo ter condenado o arguido nos factos elencados no art.o 13.º da acusação.

Na verdade, o Tribunal fundamenta a sua convicção nas declarações prestadas pelo arguido e gravadas na sessão do dia13/05116, faixa 20160513110006_2854313 _2871687, do minuto 00h00 ao minuto 21h28.

Das mesmas resulta inequivocamente que o arguido não podia deixar de saber que ao enviar as fotografias que detinha no seu computador à prima da menor estava deste modo a partilhá-las com terceiro, sem autorização ou conhecimento da menor.

Acresce que resulta uma notória contradição entre os factos dados como provados nos pontos 4 e 5 e os factos dados como não provados no ponto 5: ao guardar e enviar as fotografias a terceiro, bem sabia o arguido que tal constituía uma partilha com terceiros, uma divulgação de tais fotografias.

Tal conclusão lógica só seria afastada se estivéssemos perante um inimputável, ou um agente que sofresse de qualquer limitação cognitiva que o impedisse de perceber que o envio corresponde a uma partilha, o que não resulta de todo dos autos, nem de prova documental, nem das declarações prestadas em julgamento pelo arguido.

E nem se diga que o arguido não sabia que estava a divulgar as fotografias desconhecendo que tal divulgação carecia de autorização da menor, pois que das declarações do mesmo também resulta inequivocamente que a menor desconhecia tal envio.

Assim, o Tribunal a quo ao dar como provados os factos constantes dos pontos 4 e 5 e simultaneamente dar como não provado os factos constantes do ponto 5 -que ao deter tais fotografias e ao divulgá-las, o arguido "bem sabia que estava a tornar públicas e a partilhar com terceiros fotografias de zonas do corpo da menor C… sem qualquer vestuário, fotografias essas de cariz sexual e que o fazia, como efectivamente fez, sem autorização e contra a vontade da menor C…".

Incorre em notória contradição entre os factos dados como provados nos pontos 4 e 5 e os factos dados como não provados no ponto 5.

Da conjugação de toda esta prova, por recurso às regras da experiência comum, e considerando os factos dados como provados nos pontos 4 e 5 da douta sentença, podia e deveria o Tribunal a quo ter dado como provados os factos elencados no ponto 5 dos factos dados como não provados, de modo a não incorrer em contradição, como incorreu, o que implicaria, e bem, a condenação do arguido.

Pelo exposto, tal despacho violou o art.° 176.°, al. c), do c.P. e o artº 412.°, nº 2, al.c), do c.P.P., aplicável por força do disposto no art.º 4.°, do c.P.P.

A considerar-se conforme supra exposto - ao dar-se como provado os factos elencados no ponto 5 dos factos não provados -, importaria retirar conclusão diferente da que efectuou o Tribunal a quo, no que concerne à subsunção dos factos ao Direito.

Atento o teor do normativo legal- art. 176.°, al. c) e 177.°, n.º 6, do C.P., que aqui se dá por integralmente reproduzido, antes de mais, impõe-se preencher o conceito de pornografia.

Da mera leitura do normativo legal resulta tratar-se de uma norma penal em branco, cujo conteúdo terá de ser preenchido com recurso à jurisprudência e à doutrina.

Como muito bem refere o Tribunal a quo, as Nações Unidas definiram pornografia infantil como sendo "qualquer representação por qualquer meio de uma criança em actividades sexuais explícitas, reais ou simuladas ou qualquer representação das partes sexuais", cfr. o art.º 2.°, alínea c), do Protocolo Adicional à Convenção dos Direitos da Criança sobre o Tráfico de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia, de 2002.

Quanto à acção, o referido ilícito penal preenche-se com qualquer uma de várias actividades - adquirir, deter, divulgar, exibir, ceder, entre outras.

Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 488 "A divulgação "incluí a publicitação a uma ou mais pessoas (. . .)", a exibição " a mostra a uma ou mais pessoas" e a cedência que incluem a venda, o aluguer, a doacção, o empréstimo gratuito ou qualquer outra forma de transferência da detenção a terceiros".

Quanto à forma de consumação, segundo Paulo Pinto de Albuquerque, trata-se de um crime de mera actividade, como aliás pugna a própria sentença ora posta em causa, o que desde logo implica que o mesmo se consuma independentemente do resultado.

No que respeita ao tipo subjectivo, trata-se de um tipo doloso, que admite qualquer uma das suas modalidades.

Todavia, não se trata de um crime que exija um dolo específico, prevendo-se apenas um dolo genérico.

Ora, no caso dos autos trata-se da aquisição, detenção e divulgação das fotografias da menor nua, com exibição dos seus órgãos genitais.

O Tribunal a quo dá como provado que se tratam de fotografias de cariz sexual; que o arguido sabia que a C… era menor de idade - tinha 13 anos, se bem que foi dado como provado que o arguido pensava que a mesma tinha 14 anos de idade -; que o mesmo guardou tais fotografias no seu computador, tendo-as posteriormente enviado à prima da menor, D….

Do exposto resulta que estão preenchidos todos os elementos do tipo objectivo: detenção e cedência de fotografias de menor pornográficas a terceiros.

Quanto ao elemento subjectivo, também considerando os factos a dar como provados, como supra se pugna, ter-se-á de concluir pelo seu preenchimento: dando-se como provado que o arguido sabia que a C… era menor de 14 anos de idade, sabia que guardou as fotografias de natureza pornográfica no seu computador, como bem sabia que ao enviá-las a terceiro ¬no caso, a prima da menor -, as partilhava com terceiro sem o consentimento da menor, mostra-se integralmente provado o dolo genérico exigido pelo crime imputado.

Pelo exposto, não podemos de todo subscrever a posição adoptada pelo Tribunal a quo, na parte que supra se transcreve e que ora se dá por integralmente reproduzida.

Afigura-se-nos que a intenção com que o arguido actuou é absolutamente irrelevante, assim como o contexto dos factos - é que parece o Tribunal a quo olvidar que estamos perante um crime de mera actividade - que se consuma pela mera verificação dos elementos do tipo, não dependendo da ocorrência de qualquer resultado - e com um dolo genérico, que não exige qualquer intenção específica.

Deste modo, para que o crime esteja perfeito basta que o agente detenha e partilhe fotografias de carácter pornográfico de menor, sendo agravado pelo nº 6 do artº 177.°, do c.P. se for menor de 16 anos, como inequivocamente é o caso em apreço.

Assim, as circunstâncias que rodeiam tal detenção e tal partilha são absolutamente irrelevantes para o preenchimento do tipo, quer ao nível objectivo, quer ao nível subjectivo - podendo apenas relevar na aplicação da concreta medida da pena, tivesse o arguido sido condenado - como deveria.

E nem se diga que o arguido não actuou com o dolo de ofender a autodeterminação sexual da menor - bem jurídico protegido, de forma remota, pela norma - já que quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido, trata-se de um crime de perigo abstracto.

Perante um crime de mera actividade, de perigo abstracto e de dolo genérico, como é o caso da pornografia infantil, todas as considerações expendidas pelo Tribunal a quo são inócuas e não permitem afastar o preenchimento dos elementos do tipo.

A única consideração relevante para o preenchimento dos elementos do tipo que o Tribunal a quo faz, é em relação ao...

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