Acórdão nº 1920/14.0TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelCORREIA PINTO
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1920/14.0TBSTS.P1 5.ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): I- A impossibilidade de confessar a ação, por parte de mandatário constituído com a atribuição de poderes forenses gerais não se confunde com a assunção/confissão de concretos factos alegados pela parte contrária, sob pena de estar vedado ao mandatário do réu assim constituído a possibilidade de assumir como verdadeiros, em contestação, concretos e específicos factos alegados pelo autor na petição inicial – o que, manifestamente, não se verifica.

II- No âmbito da acessão industrial imobiliária, relativamente a obras feitas de boa-fé em terreno alheio, a que se reporta o artigo 1340.º, n.º 4, do Código Civil, não deixa de se verificar a boa-fé quando a autorização dada é determinada pela relação que então existia entre os intervenientes mas não foi condicionada a essa mesma relação e à sua subsistência.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I) Relatório 1.

B...

intentou a presente ação declarativa de condenação contra C...

, ambos melhor identificados nos autos.

1.1 O autor alega que manteve com a ré uma relação afetiva que se iniciou em 1999 e terminou em 2009, tendo mantido neste período uma relação como se marido e mulher fossem. Ao longo dos referidos anos estabeleceu uma profunda relação com os pais da ré; o pai sempre o tratou como se fosse seu verdadeiro genro e sempre o incentivou a construir uma casa em terreno contíguo à sua habitação e para aí passar a viver com a ré; perante esta insistência e a relação estável que então tinha com a ré, aceitou. Em consequência apresentou na Câmara – e foi deferido – pedido de licenciamento de moradia unifamiliar a construir em terreno dos pais da ré; por isso, todos os pedidos de licenciamento foram feitos em nome do pai da ré, mas este sempre afirmava ao autor que podia construir, sem risco, pois a obra a realizar era dele, autor.

Assim, ao longo dos anos e desde 2002, comprando materiais e executando ele próprio alguns dos trabalhos, que menciona, tem uma habitação quase construída, faltando alguns acabamentos que igualmente descreve. Em novembro de 2006, os pais da ré doaram a esta a parcela de terreno onde a casa foi construída. Entretanto, em 2009 findou a relação afetiva entre autor e ré e em 2011 faleceu o pai da ré. Esta não aceita ou pagar a obra construída no seu terreno ou receber o preço do terreno ficando o prédio para o autor. Este construiu a referida obra em terreno alheio; mas fê-lo em absoluta boa-fé, com conhecimento dos donos, a pedido destes e na sua presença, sem qualquer oposição.

De avaliação que foi entretanto efetuada resulta que o valor da construção é superior ao do terreno e que este, em 2002, quando se efetuaram as obras, tinha um valor inferior ao atual.

O autor afirma que tem o direito de adquirir o terreno contra o pagamento do valor do mesmo à data da feitura das obras.

Conclui formulando pedido (tem-se aqui em conta a redução do pedido entretanto formulada pelo autor no requerimento de fls. 98); afirma que a ação deve ser julgada provada e procedente e, por via dela, ser:

  1. Declarado que a construção realizada na parcela de terreno sita na Rua ..., descrito na Conservatória sob o n.º 3045 e inscrito no artigo 4486 foi realizada e paga pelo autor e em total boa-fé.

  2. Declarado que o valor da construção é de € 43.200,00 e que o valor do terreno antes da mesma construção era de € 15.000,00.

  3. Declarado que o autor tem direito a fazer seu o terreno supra identificado, ou seja reconhecida a propriedade do mesmo contra o pagamento à ré de quinze mil euros.

  4. Ainda que se na perícia a realizar resultar que o terreno tem valor superior ao da construção, condenada a ré a pagar ao autor o valor que for fixado para esta.

1.2 A ré, regularmente citada, apresentou contestação e constituiu mandatário, nos termos da procuração de fls. 32 (concedendo ao mandatário “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos”), comprovando ainda nos autos a formulação de pedido de proteção jurídica junto da Segurança Social, na modalidade de apoio judiciário.

Na contestação impugna parte dos factos alegados. Confirma a relação que teve com o autor e a edificação feita no terreno de seus pais; impugna as afirmações atribuídas a seu pai e a intervenção do autor nos termos que por este são afirmados.

A construção a que se alude nos autos, foi toda ela erguida por autor e ré, com a ajuda de amigos e familiares da ré; os materiais de construção foram adquiridos pelos pais da ré e a expensas destes. Ao contrário do que alega o autor, a obra está apenas na fase de pedreiro, e o seu valor está muito longe dos que são peticionados.

Conclui afirmando que a ação deverá ser julgada não provada e improcedente, com as legais consequências.

1.3 Ambas as partes, nos respetivos articulados, pedem a realização de prova pericial, tendo em vista a determinação dos valores da construção e do terreno, sendo este antes e depois da edificação.

O tribunal julgou adequado como primeiro ato, ainda antes da tentativa de conciliação, a realização de perícia colegial, a qual foi determinada nos termos documentados a fls. 42.

A perícia realizou-se, constando o resultado da mesma das respostas que fazem fls. 67 a 72.

Entretanto, em 1 de setembro de 2015, nos termos documentados a fls. 80, a Segurança Social veio informar que o pedido de proteção jurídica que havia disso formulado pela ré foi considerado indeferido, reportando-se para o efeito a comunicação à ré, de fevereiro desse ano, à qual ela não respondeu.

Esta informação foi notificada nessa mesma data ao autor e à ré, por cartas remetidas aos respetivos mandatários.

Decorrido um mês, foram emitidas em nome do mandatário da ré guias para “pagamento antecipado de encargos” e para pagamento de multa com referência ao artigo 570.º do Código de Processo Civil e, em 2 de outubro de 2015, foi remetida notificação ao mandatário da ré, com o seguinte teor (transcrição parcial): «Assunto: Pagamento de taxa de justiça e multa – art.º 570.º, n.º 3 CPC e encargos Com referência ao processo acima identificado, fica notificado, na qualidade de Mandatário do Réu C..., para, no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento da taxa de justiça devida acrescida de uma multa de igual montante e juntar aos autos o respetivo documento comprovativo.

» Segue-se a indicação de procedimentos.

Em 1 de dezembro de 2015 foi proferido despacho nos seguintes termos: «Uma vez que o apoio judiciário requerido pela Ré foi indeferido e a não pagou a taxa de justiça devida, nos termos do disposto no art.º 570.º, n.º 3 do C.P.C., determina-se a notificação da mesma nos termos do disposto no art.º 570.º, n.º 5, do referido Código fixando-se a multa no mínimo legal.» No dia 3 de dezembro foi remetida notificação ao mandatário da ré, com o seguinte teor (transcrição parcial): «Assunto: Pagamento da taxa de justiça inicial e multas – art.º 570.º, n.º s 5 e 6 CPC Com referência ao processo acima identificado e em cumprimento do despacho reproduzido na cópia anexa, fica por este meio notificado, na qualidade de Mandatário do Réu C..., para, no prazo de 10 dias, comprovar nos autos o pagamento da taxa de justiça devida e da multa de igual valor, acrescidas de uma segunda multa de valor igual ao da taxa de justiça devida.

» Segue-se a indicação de procedimentos e a seguinte advertência: «Cominação A falta de pagamento da taxa de justiça e das multas no prazo assinalado implica o desentranhamento, da contestação.

» Não tendo sido efetuado qualquer pagamento, em 11 de janeiro de 2016 foi proferido o seguinte despacho: «Nos termos do disposto no art.º 570.º, n.º 6 do C.P.C. determina-se o desentranhamento da contestação e a sua devolução deixando cópia em seu lugar.

» Esta determinação foi cumprida, conforme termo de fls. 92, e foi notificada aos mandatários de autor e ré.

Foi depois proferido despacho nos seguintes termos: «Uma vez que não ocorre quaisquer dos casos previstos no art.º 568.º do Código de Processo Civil, estamos perante uma revelia absoluta operante, nos termos do disposto no art.º 567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil – (art.º 5.º, nº. 1 da Lei 41/2013, de 26 de Junho).

Pelo que, encontram-se confessados por parte do Réu, os factos articulados pelo Autor na petição inicial.

Destarte, cumpra-se o disposto no art.º 567.º, n.º 2 do C.P.C.

(…).» Esta decisão foi notificada aos mandatários de autor e ré.

O autor apresentou alegações, nos termos enunciados no artigo 576.º do Código de Processo Civil.

Pelo mandatário da ré foi apresentado nos autos substabelecimento sem reserva, cuja junção foi admitida.

Foi então proferida sentença (fls. 114 e seguintes), culminando na seguinte decisão: «Destarte, julga-se totalmente procedente a presente ação, e em consequência, -Declara-se que a construção realizada na parcela de terreno sita na Rua ..., descrito na Conservatória sob o n.º três mil e quarenta e cinco e inscrito no art.º 4486 foi realizada e paga pelo A. e em total boa-fé.

-Declara-se que o valor da construção é de € 43.200,00 (quarenta e três mil e duzentos euros) e que o valor do terreno antes da mesma construção era de quinze mil euros.

-Declara-se que o A. tem direito a fazer seu o terreno supra identificado, ou seja reconhecida a propriedade do mesmo contra o pagamento à R. de quinze mil euros.» 2.1 A ré, não se conformando com a decisão proferida, veio interpor recurso para este Tribunal da Relação; conclui nos seguintes termos a respetiva motivação de recurso: «1- A sentença em crise, salvo o devido respeito, não reparou que a Alegante/Ré nos presentes autos depois de citada em 04/07/2014, para no prazo de 30 dias, contestar, querendo, a ação com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo autor, constituiu mandatário mediante procuração, datada de 25/07/2014, a quem concedeu, apenas, os mais amplos poderes forenses em direito permitidos (fls...

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