Acórdão nº 1/15.4GAOAZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução11 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 1/15.4GAOAZ.P1 Data do acórdão: 11 de Outubro de 2017 Relator: Jorge M. Langweg Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa Origem: Comarca de Aveiro Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira Sumário: 1. O cancelamento do registo de condenações penais imposto pelo decurso do tempo (artigo 15º, nº 1, al. a), da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio) equivale à reabilitação irrevogável antigamente referida no artigo 20º do Decreto-Lei nº 39/83, de 25 de Janeiro, implicando que as sentenças canceladas se considerem extintas no plano jurídico, não podendo resultar das mesmas quaisquer efeitos, designadamente quanto à medida da pena.

  1. Uma decisão que considere provados determinados antecedentes criminais com base em prova documental, quando o certificado de registo criminal vigente evidencia a ausência de averbamento de qualquer condenação penal – por os registos anteriores já se mostrarem definitivamente cancelados – evidencia um erro notório na apreciação da prova.

  2. Uma situação de tráfico de estupefaciente não preenche o tipo legal de crime de traficante-consumidor, apenas, por se provarem meros hábitos de consumo de droga associados a uma situação de carência económica, uma vez que o tipo legal de crime previsto no artigo 26º, 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro exige, para a sua verificação, que o agente do crime, através do tráfico em questão, tenha por finalidade exclusiva conseguir droga para o seu próprio consumo.

    Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos acima identificados, em que figuram como recorrentes os arguidos B... e C...; I - RELATÓRIO 1. Em 5 de Abril de 2017 foi proferida nos presentes autos o acórdão proferido na primeira instância que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido: "Nos termos do exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal coletivo em: (…) Condenar o arguido B..., pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art° 25°, al. a), do DL n° 15/93, de 22.01, com referência ao art° 21°, n° 1, e à tabela I-C anexa àquele diploma legal, na pena de 3 (três) anos de prisão efetiva; Condenar o arguido C..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art° 25°, al. a), do DL n° 15/93, de 22.01, com referência ao art° 21°, n° 1, e à tabela I-C anexa àquele diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão efetiva; (…)" 2. Inconformado com a medida da pena a que foi condenado, o arguido B... interpôs recurso do acórdão, terminando a motivação de recurso com a formulação das conclusões seguidamente reproduzidas, no essencial: "(…) O Tribunal «a quo» considerou provado que o recorrente tem os antecedentes criminais elencados no ponto 1.1.30 dos factos dados como provados e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos.

    No ponto 13 do douto acordão recorrido, onde é explanada a convicção do tribunal, vem mencionado nos últimos parágrafos que: «Quanto ao percurso de vida dos arguidos, o tribunal estribou a sua convicção, essencialmente, no teor dos relatórios sociais juntos aos autos.

    Conforme emerge da informação de fls. 546 e ficha biográfica de fls 548 a 551, o arguido B... já sofreu os períodos de reclusão (assinalados naquela informação) É que não obstante nada constar no seu CRC (cfr. fls. 511. 854 e 1128). foi já condenado em três penas de prisão efectiva pela prática do crime de tráfico de estupefacientes (cfr. certidões de fls. 856 e ss: 961 e ss. e 986 e ss)» (sublinhado e negrito nossos).

    A circunstância de nada constar no CRC do arguido não foi levada aos factos provados.

    Entendeu o Tribunal «o quo», em nota (5), aquando da determinação concreta da pena do arguido, ora Recorrente, que «o facto de determinada condenação cessar para efeitos de registo criminal não implica que o tribunal dela não possa tomar conhecimento e consideração por outra via (aliás, mais fidedigna e completa, como é o caso dos certidões das sentenças condenatórias) sobretudo quando a carreira criminoso do arguido se dispersa ao longo do tempo (basta pensar nos crimes de tendência). Assim, é do nosso entendimento que o cancelamento do registo de determinado facto apenas tem como consequência dificultar o acesso a essa informação, que deixa de estar acessível através da publicitação por meio de registo. Tão só».

    (…) Analisando o teor do artigo 11º da Lei nº 37/2015, de 05 de Maio, facilmente se depreende que há uma correspondência directa entre o cancelamento definitivo de uma condenação no registo criminal e o decurso do tempo, correspondência, essa, simultaneamente associada à gravidade das penas. Quanto mais graves forem as penas, mais tempo terá que decorrer para que o cancelamento definitivo opere.

    Corroborando este entendimento temos, por exemplo, o acordão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 11 de Julho de 2013, proferido no processo nº 510/11.4GGSTB.E1, in www.dgsi.pt. assim como o recente acordão da Relação do Porto, datado de 08 de Março de 2017, proferido no âmbito do processo nº 141/16.2GAVLC.P1- citado, aliás, no douto acórdão recorrido-, onde se pode ler que: «Após o cancelamento definito de uma condenação no registo criminal, não pode tal condenação ser considerada em processo crime para nenhum efeito, ou seja, não pode ser considerada mesmo no que se refere à determinação da medida concreta da pena, apesar do disposto no art. 71º, nº 2, al. c) do C. Penal (onde se estabelece que para a determinação da medida concreta da pena, deve atender-se à conduta do agente, anterior ou posterior ao facto).

    Entendimento contrário, como é defendido na decisão recorrida, implicaria retirar qualquer sentido útil ao cancelamento definitivo das decisões condenatórias no registo criminal.» Havendo, assim, erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, al. c) do C.P.P.) e constando dos autos todos os elementos necessários para que tal vício seja corrigido, devem os pontos 1.1.29 e 1.1.30 do acórdão recorrido, por se mostrarem incorrectamente julgados nos termos do que se vem expendendo, ser eliminados e substituídos por um ponto onde conste que: «no certificado de registo criminal do arguido junto aos autos (e actualizado) não se encontra averbada a prática de qualquer ilícito».

    Com a eliminação do elenco dos factos provados, como se impõe, das condenações criminais anteriores do arguido - indevidamente tidas em conta pelo Tribunal «a quo» - e nada constando do CRC daquele, a medida concreta da pena aplicada ao arguido B... deve ser reduzida e suspensa na sua execução.

    (…) Ao arguido B... foi aplicada a pena de 3 (três) anos de prisão efectiva, e ao arguido D... foi aplicada a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo e subordinada a regime de prova, quando, nos termos do douto acórdão recorrido, ambos actuavam em coautoria.

    Analisada a fundamentação dada pelo Tribunal «a quo» para a diferenciação das penas aplicadas aos dois arguidos, constata-se que a mesma se prende, tão só e apenas, com a ponderação das necessidades de prevenção especial, pois para ambos: o juízo de censurabilidade ético-jurídica e, portanto, de culpabilidade, é mediano e são altas as necessidades de prevenção geral positiva.

    Já no que concerne, então, às necessidades de prevenção especial, entende o Tribunal «a quo» que as mesmas assumem maior relevância relativamente ao arguido B..., considerando que: o arguido revela um percurso de vida estruturado; é consumidor de haxixe; tem uma condição socioeconómica modesta; tem relevantes problemas de saúde; não revelou arrependimento; tem antecedentes criminais relevantes (mormente pela prática de crimes de tráfico, tendo estado por isso preso três vezes, mas tal não o demoveu de voltar a traficar!).

    (…) Acresce que o arguido B..., ao contrário do arguido D..., está familiarmente inserido, vivendo com o cônjuge, uma filha e um neto (pontos 1.1.25 e 1.1.26 dos factos dados como provados) e tem relevantes problemas de saúde, ou seja, uma perna amputada e problemas respiratórios, (ponto 1.1.24 dos factos dados como provados), sendo, por isso, importante a sua inserção em contexto familiar.

    Acresce que o arguido B... vai fazer 56 anos, pelo que nesta fase da sua vida, a ameaça da execução da pena de prisão e a censura dos actos cometidos conseguirão satisfazer de forma suficiente e adequada as finalidades da punição.

    (…) Ao decidir como decidiu, o douto acordão recorrido violou o disposto no artigo 410º, nº 2 do C.P.P.; no artigo 11º, nº 1, al. a) da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio e nos artigos 40º,71º, 50º e 53º do Código Penal.

    Termos em que o douto Acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que considere o arguido B... primário para efeitos da determinação da medida concreta da pena, a qual deverá ser reduzida e suspensa na sua execução.

  3. Inconformado com a qualificação jurídica dos factos e a efetividade da pena de prisão aplicada, o arguido C... também interpôs recurso do acórdão, terminando a motivação do recurso com a formulação das seguintes conclusões principais, cujo excerto a seguir se reproduz: "(…) O Tribunal a quo errou na qualificação jurídica dos factos.

    O arguido C... (atualmente com vinte e nove anos) é consumidor de haxixe desde os dezanove anos.

    Pelo menos uma parte do haxixe que lhe foi apreendido seria para consumo próprio.

    Constata-se a existência de um consumo de longa data, o qual, de acordo com as regras da experiência, está necessariamente associado ao tráfico.

    Os atos de traficância do arguido C... não passaram de um ato compulsivo motivado pela necessidade desesperada de consumir haxixe.

    O período temporal em que terá praticado atos de traficância foi muito curto (Dezembro de 2015 a 02 de Fevereiro de 2016).

    Em sede de inquérito, foram realizadas vigilâncias, no período...

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