Acórdão nº 29382/15.8T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Outubro de 2017
Magistrado Responsável | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA |
Data da Resolução | 12 de Outubro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso de Apelação Processo n.º 29382/15.8T8PRT.P1 [Comarca do Porto / Juízo Central Cível do Porto] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:I. Relatório:O Instituto Português de Oncologia B…, E.P.E.
, pessoa colectiva nº ……… com sede …, instaurou acção judicial contra C…, contribuinte nº ………, residente em …, Vila Nova de Gaia, terminando a petição inicial com a dedução do seguinte pedido: ser a ré condenada a pagar à autora a quantia de €147.637,93, acrescida de juros legais contados da citação até integral ressarcimento dos danos.
Para o efeito, alegou que dispõe de um serviço de ressonância magnética constituído, além do mais, por uma ‘sala de ressonância magnética’ com um campo magnético moderno e potente, capaz de atrair qualquer objecto ou corpo férreo, sala essa dotada de completa sinalética de segurança e informação; a ré é médica especialista em anestesiologia e trabalhou por conta e sob as ordens da autora de Março de 2009 até 7 de Setembro de 2015; no dia 20 de Janeiro de 2015, a ré apresentou-se para realizar o seu trabalho como anestesiologista na sala de ressonância magnética trazendo colocados nos tornozelos, por dentro das calças da sua roupa hospitalar, umas caneleiras de fitness, o que apenas servia o interesse particular da mesma e não foi detectado pelos seus colegas; a ré conhecia a natureza dos equipamentos e as regras de segurança a observar e conhecia as caneleiras que usava, tendo com o seu uso contribuído para criar uma situação de perigo; quando entrou na sala a acompanhar um doente, por efeito da composição ferromagnética das caneleiras, a ré foi violentamente atraída pelo equipamento de ressonância magnética, ficando presa pelo tornozelo do pé direito e em risco de ser sugada pelo equipamento, o que obrigou a activar o encerramento de emergência do equipamento para evitar outras consequências; esta situação obrigou a autora a proceder à reparação e nova activação dos equipamentos, no que despendeu €81.860,93, e determinou que perdesse a receita dos exames médicos que não pôde realizar, no montante de €65.757,00.
A ré apresentou contestação, defendendo a improcedência total do pedido, mediante a alegação de que o técnico responsável pelo exame, a quem cabe autorizar a entrada de pessoas na sala e avisar das regras de segurança, não a avisou das condições de acesso à sala nem que não podia entrar com as caneleiras colocadas muito embora estas fossem visíveis, não exista na área sinalização adequada ou detector de objectos ferromagnéticos, a autora não ministrou à ré formação sobre a área de ressonância e os equipamentos, não informou dos requisitos de segurança aplicáveis no local, não elaborou procedimentos de segurança e não determinou que os profissionais usassem fato e calçado próprios, permitindo-lhes o uso de vestuário do dia-a-dia; acrescenta que desconhecia a composição das caneleiras, cujo uso lhe tinha sido prescrito pelo médico e era conhecido dos colegas; por fim, impugna os factos alegados concernentes aos danos.
Foi admitida a intervenção acessória, provocada pela ré, da D… – Companhia de Seguros, S.A.
, a qual apresentou articulado próprio sustentando a improcedência da acção.
Após julgamento foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo a ré do pedido.
Do assim decidido, o autor interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1ª- O comportamento profissional da ré e a factualidade que constitui o objecto dos autos inscreve-se plena e exclusivamente no âmbito da relação laboral, não tendo autonomia conceptual o facto de o dano (pressuposto essencial da obrigação de indemnizar, comum à responsabilidade contratual e delitual ou extracontratual) consistir na lesão de um equipamento, de valores de natureza de um direito de propriedade.
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- Porque tais danos e lesões se inscrevem ainda no âmbito do objecto da relação de trabalho, estamos no domínio da responsabilidade contratual.
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- Não obstante estarmos perante este tipo de responsabilidade (contratual), o regime legal estabelece diferenças quanto ao pressuposto “culpa” (para além do tratamento deste pressuposto no plano disciplinar e para a operatividade da resolução do contrato de trabalho, cf. artigo 351º do Código do Trabalho) que o aproximam do regime da responsabilidade delitual.
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- No domínio da relação de trabalho, e em desvio à regra geral do artigo 799º do Código Civil, é ao empregador que incumbe provar a culpa do trabalhador, seja no plano disciplinar seja, maximamente, no plano do exercício do direito de resolução contratual, com as particularidades que as matérias de segurança e saúde no trabalho apresentam.
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- O alegado desconhecimento pela ré da natureza ferromagnética das caneleiras só à ela pode ser imputado: era exigível à ré procurar saber da natureza das caneleiras dado que iria utilizá-las no Serviço de Radiologia e na área da ressonância magnética, o que dela era conhecido.
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- E assim porque tal se situava no seu círculo de deveres (conhecimento e consciência) tal como quanto a bens de uso pessoal, incontrolável por parte da autora e, decisivamente, que essa era a diligência mínima exigível a um trabalhador que tinha na sua actividade laboral operar na área da ressonância magnética.
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- E como se vê dos documentos juntos aos autos, uma simples consulta na internet permite perceber qual a natureza ferromagnética das caneleiras e a ré tinha ao seu alcance fácil o acesso à informação.
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- E ao assim não ter procedido violou esse dever mínimo de diligência porque era à ré a quem cabia procurar essa informação e não à autora.
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- No podia o Tribunal a quo considerar que com as «caneleiras» estarmos perante um bem pessoal e algo que escapava à acção atenta dos demais membros da equipa da ré, só a esta cabia o dever de, na origem, reflectir sobre e procurar a informação acerca da natureza das caneleiras e só com a confirmação da sua inocuidade passar a poder usá-las na área da ressonância magnética.
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- E ao ter inconsiderado esse dever mínimo de cuidado, actuou com culpa, ainda que com uma culpa meramente negligente.
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- Ainda assim, a norma do artigo 17º nºs 1 e 4 da Lei nº 102/2009, de 10-09, institui um regime de responsabilidade contratual, onde a culpa aparece ‘implícita’ a partir da génese da acção ou seja, da “contribuição para originar uma situação de perigo” de natureza material, fáctica, como fonte de responsabilidade civil do trabalhador.
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- Sendo inquestionável, no plano dos factos, da materialidade, abstraindo do pressuposto “culpa” que foi a ré quem contribuiu exclusivamente para a causação do perigo e do dano sofrido pela autora; com efeito, trata-se do risco que incumbia à ré antecipar e diligentemente evitar - procurando a informação acerca do “neoprene” e das características das caneleiras, afinal tão acessível ao seus utilizadores - e do qual a ré foi a única protagonista.
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- O teor do artigo 1.º n.º 1 alínea b) da Condição Especial 21 Responsabilidade Civil junta pela C.ª de Seguros E… S.A. ao estabelecer que «o Segurador garante a responsabilidade do Segurado inerente ao exercício da profissão especificada … b) por danos causados a clientes ou a terceiros em consequência de actos ou omissões negligentes cometidos pelo Segurado no exercício da sua profissão» mostra que a acção objectiva da ré se inscreve no seu círculo de responsabilidade.
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- Estão assim verificados, com a factualidade apurada nos autos, todos os pressupostos de que depende a condenação da ré a reparar os danos causados, a título de culpa, ainda que meramente negligente ou, subsidiariamente, a título de contribuição exclusiva e de causação objectiva dos danos 15ª- Com a solução adoptada, não obstante o seu mérito intrínseco, violou a douta sentença recorrida, entre outras, aquelas normas do artigo 17º da Lei nº 102/2009 de 10-09, tanto na inconsideração da culpa negligente da ré, devidamente densificada, quanto no contributo material que deu à criação do perigo e à causação do dano à recorrente.
Termos em que… deverá o presente recursos ser julgado provado e procedente e, em consequência, ser proferido acórdão que condene a ré, admitindo-se que com relevância da graduação da culpa, e com repercussão sobre o contrato de seguro estabelecido nos autos.
A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado, formulando as seguintes conclusões: 1. O recurso deverá ser julgado improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.
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Sem conceder, as conclusões de recurso números 5 a 10 constituem matéria nova, não podendo o tribunal ad quem pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida.
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Sem conceder ainda, se assim não se entender, para o conhecimento das mesmas deverá ser reapreciada a prova produzida e, tendo presente o alegado pela recorrida no artigo 28º da contestação, a matéria de facto ampliada, aditando-se aos factos provados o seguinte: «O neoprene é, actualmente, usado na confecção de vestuário do dia-a-dia e à venda nas grandes cadeias comerciais como a F…, G… ou H….» 4. Os concretos meios probatórios que impõem decisão no sentido do acabado de assinalar são os sítios da internet mencionados no artigo 28º da contestação e o documento junto com a contestação com o nº 1.
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Ainda sem conceder, competia à recorrente e não à recorrida, de acordo com a Lei 102/2009, assegurar e zelar pela segurança, evitar os riscos, planificar a prevenção, identificar os riscos previsíveis em todas as actividades da empresa, adoptar de medidas adequadas de protecção e elaborar e divulgar as instruções compreensíveis e adequadas à actividade desenvolvida pelo trabalhador.
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A recorrente não transmitiu qualquer instrução à recorrida, não assegurou, nem zelou pela segurança, não evitou os riscos, não planificou a prevenção, não identificou os riscos previsíveis, não adoptou as mediadas adequadas de...
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