Acórdão nº 2055/16.7T8MTS-C.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelMADEIRA PINTO
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Procº nº 2055/16.7T8MTS-C.P1 Relator: Madeira Pinto Adjuntos: Carlos Portela Filipe Caroço*SUMÁRIO: 1-Como é entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artº 615º do NCPC. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

2-O despacho recorrido foi proferido nos termos processuais previstos no artº 38º do RGPTC, que dispõe: “se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos…”.

Trata-se de norma especial do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e resolução de questões conexas, com uma redacção diferente da regra geral sobre decisões provisórias e cautelares prevista no artº 28º, nº 1, RGPTC que prescreve “Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final…”.

O legislador pretende impor naqueles processos, como é o presente, um dever do juiz em fixar uma decisão provisória e não um poder discricionário.

3-O Direito não existe para tutelar situações de facto consumado de mudança drástica da residência habitual e rotinas de vida de duas crianças de tenra idade, nascidas e integradas numa família conjugal que entrou em ruptura, em virtude da unilateral vontade da progenitora das menores, à revelia das condutas exigíveis pela boa fé e confiança entre os progenitores, ainda jovens. Ambos os progenitores têm a obrigação de separar e não misturar a resolução da eventual ruptura da sua situação conjugal e questões conexas, nomeadamente relações patrimoniais entre ambos ou entre ambos e terceiros, com a regulação do regime das responsabilidades parentais das suas filhas, salvaguardando essencialmente o melhor interesse destas, na tradução feliz da versão brasileira da Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova York, em 26.01.1990, aprovada e ratificada em Portugal e a vigorar no direito interno, desde 26.11.1990, por força do disposto no artº 8º, nº 2, da CRP de 1976 e artº 4º, alínea a) da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo, aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro e alterada pela Lei nº 31/2003, de 22.08 e pela Lei nº 142/2015, de 8 de Setembro, que procedeu à sua republicação, por força do artº 4º, nº 1, do RGPTC.

4-Tal “superior interesse do menor” é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor. O fim do casamento ou outra relação afectiva não significa o fim dos laços da filiação e ambos os progenitores devem aceitar esta realidade e cooperar para a melhor regulação do exercício das responsabilidades parentais possível, como obrigação essencial da sua parentalidade.

5- A conduta da ora apelante, mãe das menores, de “retirada” destas da casa morada de família, em …, para Lisboa, é altamente censurável e não pode, depois, “o facto consumado”, com a subsequente falta de acordo na conferência de pais no respectivo processo de RRP e subsequente decurso temporal deste, devido à necessidade de cumprir os termos processuais e diligências de prova diversas, requeridas ou determinadas oficiosamente, ser tutelado pelo Direito.

*I - RELATÓRIO: Em 13.04.2016, pelas 00.01.26, B…, residente na Rua …, nº …, …, …, Lisboa, instaurou na Comarca de Lisboa, acção de regulação das responsabilidades parentais das suas filhas menores, C… e D…, nascidas, respectivamente, a 13.10.2010 e 19.02.2013, contra o progenitor das menores, marido da requerente, E…, residente na Rua …, nº …, …, …, alegando, no essencial, que entre o casal não há vida em comum desde Janeiro de 2016 e que não pretende manter o vínculo conjugal e irá propor a respectiva acção de divórcio; com vista a resolverem de comum acordo o divórcio e as responsabilidades parentais e demais questões conexas, requerente e requerido, partilhavam de facto a guarda das menores, alternadamente, em períodos de duas semanas cada um em cada mês, vindo a requerente à casa morada de família, que é a residência supra indicada do requerido, de Lisboa para o efeito e regressando à sua nova morada em Lisboa, com grande sacrifício familiar, profissional e pessoal, mas que essa partilha acabou porque a requerente pegou nas suas duas filhas e levou-as consigo para a sua residência em Lisboa, onde tem a sua família, casa própria e procura emprego na sua área de actuação, indo a menor C… frequentar o 1º ano do ensino básico e a menor D… frequentar o infantário em Setembro de 2016.

Conclui, pedindo que seja provisoriamente determinada a guarda das filhas menores à requerente e que, a final, seja determinada a guarda partilhada das menores em Lisboa, somente com a mudança de residência do requerido para aquela cidade e mediante a comprovada organização da sua vida pessoal e profissional em Lisboa.

Tal processo foi distribuído sob o nº 9537/16.9.T8LSB, na Instância Central, 1ª Secção de Família e Menores de Lisboa.

Em 19.04.2016, pelas 17.53.14, o supra identificado progenitor das menores deu entrada no Tribunal de Família e Menores de Matosinhos, Comarca do Porto, acção de regulação de responsabilidades parentais das referidas menores suas filhas contra a progenitora alegando, em resumo, que descobriu em Dezembro de 2015, que a requerida, com quem contraiu casamento católico em 19.09.2009, lhe é infiel “há bastante tempo”, que viviam na actual residência do requerente com as filhas menores, estando a D… em casa ao cuidado de uma empregada doméstica interna e a C… a frequentar o Colégio F…, no Porto, desde os três anos de idade, encontrando-se as duas menores já inscritas para frequentarem o referido Colégio no ano lectivo 2016/2017; que os progenitores estabeleceram entre si um acordo extrajudicial que vigorava desde 5 de Janeiro de 2016, mediante o qual a mãe ficava com as filhas entre sexta-feira e a sexta-feira seguinte, alternadamente com o pai, na casa que morada de família, em …, suportando a mãe das menores as despesas de alimentação destas nos períodos em que estavam à sua guarda; a requerida, sem que nada o fizesse prever e sem avisar o requerente, no dia 12 de Abril de 2016, na semana em que tinha a guarda das filhas como acordado extrajudicialmente, levou as menores para Lisboa, não mais tendo regressado à casa morada de família, salvo em 14.04.2016 quando, acompanhada pelo irmão, ali compareceu com um viatura e respectivo condutor de uma empresa de transportes e levou dali diversos bens móveis, não tendo entregue as menores ao pai na sexta-feira seguinte, dia 15.04.2016, nem lhe deu qualquer satisfação, não mais tendo o requerente estado com as filhas, ignorando onde e como vivem e apenas tendo contactos esporádicos por telefone, após inúmeras insistências do requerente para a requerida.

Conclui pedindo que seja, a final, regulado o regime de responsabilidades parentais das suas filhas menores pela forma como antes estava acordada entre os progenitores extrajudicialmente; que seja fixado um regime provisório, com carácter urgente, de modo que as menores voltem a residir na casa morada de família, seja fixado um regime de responsabilidades parentais de guarda alternada entre os progenitores na referida residência, um regime de visitas adequado ao pai/mãe na semana em que não tenha a guarda das filhas e que cada progenitor contribua para as despesas das menores na percentagem de 50%.

O requerimento do progenitor das menores foi autuado e distribuído como Procº 2037/16.9TBMTS, da 3ª Secção Família e Menores-J2, Matosinhos, Comarca do Porto e este processo foi apenso à acção de divórcio entre os progenitores das menores pendente na 3ª Secção e mesmo juiz, nº 2055/16.7T8MTS, pelo despacho de 21.04.2016 (fls 72).

Em 12.05.206, em acta de tentativa de conciliação nos autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge (Procº 2055/16.7T8MTS) foi proferido despacho que determinou a apensação a estes autos da acção de regulação de responsabilidades parentais nº 9537/16.9.T8LSB, na Instância Central, 1ª Secção de Família e Menores de Lisboa, mais tendo designado como data para a conferência de pais, a que se refere o artº 35º, nº1 do RGPTC, o dia 23.05.2016, pelas 09h15, ordenando a citação da progenitora através de solicitadora indicada pelo progenitor das menores.

Em 13.05.2016, a requerida mãe das menores, veio juntar aos autos de regulação das responsabilidades parentais Procº 2037/16.9TBMTS, da 3ª Secção Família e Menores-J2, Matosinhos, Comarca do Porto (que já vimos corre por apenso ao processo de divórcio pendente na 3ª Secção e mesmo juiz, nº 2055/16.7T8MTS), o requerimento e documentos com ele juntos de fls 90 a 157.

De fls 162 a167 constam os documentos de citação pessoal da progenitora das menores, através de agente de execução, para a conferência de pais designada nestes autos.

Em 21.05.2016, o progenitor das menores respondeu ao anterior requerimento da progenitora e documentos e juntou outros documentos.

Em 23.05.2016 foi proferido despacho que conheceu da excepção dilatória de litispendência das acções de regulação de responsabilidades parentais acima referidas e absolveu o progenitor das menores da instância no processo em que era requerente a mãe das menores (nº 9537/16.9.T8LSB, na Instância Central, 1ª Secção de Família e Menores de Lisboa).

Tal despacho não foi impugnado em recurso (que se saiba neste translado), pelo que transitou em julgado.

Realizou-se a...

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