Acórdão nº 454/14.8TABRG.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelL
Data da Resolução08 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)
  1. secção criminal Proc. nº nº 454/14.8TABRG.P2 Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO: No processo comum (tribunal singular) n.º 454/14.8TABRG, da Instância Local da Comarca do Porto o arguido B… foi submetido a julgamento e a final foi proferida sentença de cuja parte decisória consta o seguinte: (…) Absolvo o arguido do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva de que vinha acusado- Sem custas (…)*Inconformada, a Magistrada do Ministério Público interpôs recurso, no qual formula as seguintes conclusões: (…) 1.º Nestes autos o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido B… imputando-lhe a factualidade descrita no ponto II da precedente motivação, a qual constitui o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva previsto no artigo 187.º, do C.Penal, por preencher todos os respectivos requisitos, objectivos e subjectivos, típicos - e autoria do referido crime.

  1. Remetidos os autos para julgamento, a Exmª Juiz da secção criminal J3 da Instância local de Vila do Conde, absolveu o arguido fundamentando tal decisão em três ordens de razões.

  2. Prima faeie entende que a factualidade descrita na acusação é insusceptível de consubstanciar aquele crime, já que a ofensa cometida por escrito não está penalmente protegida sendo ainda que os factos afirmados pelo arguido não podem ser vistos como dirigidas ao Ministério Público, mas apenas a algumas pessoas singulares que o integram ("alguns agentes").

  3. Entendemos, no entanto, cientes da existência de jurisprudência discordante que, atendendo ao modo como o artigo 187.º se encontra redigido não faz falta, nem faria qualquer sentido a remissão para o artigo 182.º do Código Penal, que se compreende face à redacção do artigo 180.º "Quem dirigindo-se a terceiro (00')" e 181.º "Quem injuriar outra pessoa (00')'" formulação que tem subjacente a oralidade e que por ela se teria de ficar não fosse a equiparação que o artigo 182.ºdo C.Penal vem estabelecer. Isto não se pode dizer da redacção do artigo 187.º Aí se estabelece que comete esse crime quem afirmar ou quem propalar factos inverídicos.

  4. Neste sentido Ac. da R.Porto de 20.11.2013 que assenta na doutrina do Professor Faria Costa "Comentário Conimbricense do Código Penal", Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 679), para quem as palavras têm um valor de uso e a expressão "propalar factos", no seu sentido corrente, tem um âmbito bem mais amplo do que a mera expressão verbal, significando divulgar, espalhar, difundir e, por conseguinte, «comporta(m) necessariamente outras formas de comunicação, diferentes da "palavra dita", como seja, desde logo, a "palavra escrita"» , pelo que não havia necessidade de qualquer remissão a alargar as margens de punibilidade do tipo a comportamentos exteriorizados de modo diverso da expressão verbal.

  5. Ademais, a imputação em abstracto de factos inverídicos, tal como se encontra descrita na acusação não pode deixar de ser entendida como idónea para ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança que são devidos ao Ministério Público, in casu, do Círculo Judicial de Barcelos. Dito de outro modo, a abstracção da imputação que o arguido faz, escudando-se da formulação genérica de "alguns agentes", tem necessariamente de ser vista como atentatória do Ministério Público enquanto órgão do Estado (circunscrito ao Ministério Público de Barcelos).

  6. A Exma. Juiz a quo afastou o preenchimento deste ilícito criminal dando como não provado que o arguido, ao actuar do modo descrito, tenha agido de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que os supra descritos dizeres eram dirigidos a órgão do Estado que exerce autoridade pública e que não tinham correspondência com a realidade com o propósito concretizado de descredibilizar o prestígio e a confiança devidos ao Ministério Público do Círculo Judicial de Barcelos, sabendo perfeitamente que as expressões proferidas eram objectivamente ofensivas da sua credibilidade, prestígio e confiança. E ainda que o arguido agiu bem sabendo que as suas condutas eram ilícitas, proibidas por lei e criminalmente puníveis, não se coibindo, ainda assim, de as praticar.

  7. O tipo subjectivo do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva é doloso, podendo revestir o dolo em qualquer das modalidades consagradas no artigo 14.º do Código Penal.

  8. Este elemento subjectivo extrai-se do circunstancialismo fáctico dado como provado, que, em nosso entender, se encontra preenchido no caso em apreço.

  9. Ora, em face dos factos dados por provados e dos factos dados por não provados na sentença e conjugado com as regras da experiência comum, entendemos existir erro notório na apreciação da prova – ver artigo 410.º, n.º2, alínea c) do Código de Processo Penal.

  10. Na verdade, as regras da experiência comum ensinam-nos que o cidadão médio (sendo que o arguido é pessoa informada, pois antes da data dos factos havia já tido contacto com o sistema judicial tendo sido condenado pela prática de três crimes contra a honra em dois processos distintos), sentindo-se indignado e tendo o direito de manifestar a sua indignação, recorrem aos meios próprios na administração pública, de forma a não imputarem factos ofensivos que visam apenas denegrir a imagem das instituições e das pessoas que nelas trabalham.

  11. E, em nossa opinião, segundo este critério, estaria configurado o elemento subjectivo do tipo de crime em causa, na modalidade de dolo necessário, ou no mínimo, de dolo eventual, suficiente para que se verifique o crime em apreço.

  12. Deveria ter sido dado como provado que o arguido ao apresentar o escrito em causa (em que, ao contrário do que...

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