Acórdão nº 484/13.7TBPVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Data da Resolução27 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 484/13.7TBPVZ.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Póvoa de Varzim – Juízo Local Cível, Juiz 3 Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra 2º Adjunto Des. José Sousa Lameira* SumárioI - Tendo o recurso por objeto a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivá-lo através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal a quo.

II - Esse ónus não pode considerar-se cumprido pela simples transcrição dos depoimentos produzidos e fonograficamente registados na audiência final.

III - A impugnação da decisão da matéria de facto não se basta com uma manifestação de discordância em relação à forma como essa materialidade foi decidida acompanhada de uma mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados na audiência final, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos.

IV - O incumprimento dos ónus referidos em I e III implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento.

V - A invocação pelo réu de nulidade do contrato de mediação imobiliária por inobservância da indicação constante da alínea b) do nº 2 do art. 19º do DL nº 211/2004, de 20.08, já após a conclusão do negócio visado pelo exercício da mediação, em contraste com a sua anterior atitude - ao beneficiar dos serviços prestados pela autora em execução daquele contrato e ao aceitar realizar contrato promessa de permuta pelo preço ajustado com entidade por ela angariada – traduz, objetivamente, um comportamento abusivo, na modalidade de venire contra factum proprium.

VI - Não afronta o disposto na alínea c) do art. 8º do DL nº 446/85, de 25.10 a cláusula que se apresente graficamente de forma a permitir a sua leitura por um leitor de acuidade média, não exigindo um esforço excessivo de visão.

VII - A existência de um contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade autoriza a presunção (de facto) de que a atividade da empresa mediadora contribuiu para a aproximação entre o comitente e terceiros, facilitando o negócio, sendo devida a remuneração se o negócio visado não se concretizar por causa imputável ao comitente.

VIII - Independentemente de o contrato de mediação imobiliária não ser ato subjetivamente comercial do lado do comitente, porque a empresa que medeia é uma sociedade comercial e porque os atos por ela praticados são também comerciais, o ato é comercial sendo, por isso, devidos os juros de mora à taxa supletiva comercial referidos no art.º 102, § 3º do Código Comercial.

* Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I- RELATÓRIO“B… Unipessoal, Ldª” intentou a presente ação declarativa comum na forma ordinária contra C…, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 38.437,50€, acrescida de juros legais comerciais vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Para substanciar tal pretensão alegou, em síntese, que no exercício da sua atividade celebrou com o réu, em 5 de maio de 2011, um contrato de mediação imobiliária nos termos do qual aceitou promover e mediar a venda ou permuta, em regime de exclusividade, de dois imóveis pertencentes a este último pelo valor de €625.000,00.

Acrescenta que, por força do aludido contrato, o réu se obrigou a pagar-lhe, a título de remuneração pelos serviços de mediação imobiliária, o valor correspondente a 5% do preço pelo qual o negócio fosse efetivamente concretizado, valor a que acresceria IVA à taxa legal em vigor, ficando ainda convencionado que o pagamento do total da remuneração seria feito aquando da celebração do contrato‐promessa.

Mais alega que promoveu e publicitou a venda ou permuta dos referidos imóveis, sendo que na sequência desses esforços, em 30 de Junho de 2011, o réu, por si e como procurador de sua mulher, ajustou a alienação dos mesmos com uma sociedade comercial angariada pela autora a quem prometeram permutá-los por bens imóveis futuros no valor global de 625.000,00€.

Refere, por último, que, apesar de interpelado para o efeito, o réu não lhe pagou qualquer quantia a título de remuneração.

Citado o réu apresentou contestação na qual, desde logo, se defende por exceção, invocando a nulidade do ajuizado contrato por falta de identificação no seu texto do negócio visado pelo exercício da mediação e bem assim porque a apresentação gráfica da parte final do nº 1 da sua cláusula 5ª passa despercebida a um contraente normal.

Alegou ainda que já após haver assinado o contrato promessa de permuta, verificou, por informações que recolheu, tratar-se de um negócio ruinoso para si, pelo que volvidos cinco meses sobre a sua celebração, assinou a sua “rescisão”.

Acrescenta que nenhum contrato se concretizou que permita à Autora reclamar o pagamento de qualquer remuneração, dado que nenhum sinal foi recebido, pelo que nada tem esta a receber, sendo que o ajuizado contrato acabou por ser por si denunciado em 22 de abril de 2013.

Replicou a autora pugnando pela improcedência das invocadas exceções.

Formulou pedido de condenação do réu como litigante de má-fé.

Proferiu-se despacho saneador em termos tabelares, definiu-se o objeto do litígio e os pertinentes temas probatórios.

Realizou-se audiência final com observância do formalismo legal.

Foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a ação procedente, por provada, e em consequência condenar o Réu a pagar à Autora a quantia de €38.437,50, acrescida de juros de mora vencidos desde 30.6.2011 e vincendos até integral pagamento, à taxa comercial vigente em cada momento.

*Não se conformando com o assim decidido, veio o réu interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintesCONCLUSÕES:A. - O CONTRATO CELEBRADO ENTRE AS PARTES NÃO IDENTIFICA CONCRETAMENTE O TIPO DE CONTRATO.

B. - TAL CONTRATO NÃO PREVÊ A CELEBRAÇÃO DE QUALQUER CONTRATO DO TIPO “CONTRATO PROMESSA”.

C. - Por isso, tal Acordo é nulo, nos termos do disposto no nº 1 do art. 19º do Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto, que preceitua “o contrato de mediação imobiliária está sujeito à forma escrita”.

- Nos termos do nº 2, al. b), do mesmo dispositivo legal, do contrato constam, obrigatoriamente, os seguintes elementos: “A identificação do negócio visado pelo exercício da mediação”.

- Nos termos do disposto no nº 8 do referido art. 19º, o “incumprimento do disposto nos nºs 1, 2 e 7 do presente artigo gera a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação.” - O contrato sempre seria nulo, ao abrigo do disposto na al. c) do art. 8º do Dec. Lei nº 446/85, de 25.10, na medida em que a apresentação gráfica da parte final da Cláusula 5ª, nº 1, do contrato junto aos autos passa despercebida a um contraente normal, colocado na posição do contraente real, o que sucedeu com o Autor (artº 7 DO DITO CONTRATO); D. - QUER DO ACORDO celebrado COM A AUTORA/Recorrida, QUER DO CONTRATO DE PROMESSA DE PERMUTA, celebrado COM A CONSTRUÇÕES D…, LDA - contrato elaborado por esta, acompanhada por advogado seu e a Autora - NÃO RESULTOU PARA O ORA RECORRENTE A CONCRETIZAÇÃO DE QUALQUER NEGÓCIO, SENDO CERTO QUE, COMO RESULTA DO DEPOIMENTO DAS PRÓPRIAS TESTEMUNHAS ARROLADAS PELA AUTORA, ASSIM COMO DA PRÓPRIA FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA PROFERIDA, TAL NÃO CONCRETIZAÇÃO FICOU A DEVER-SE – APENAS E TÃO SÓ – À VONTADE DA GERÊNCIA DA DITA CONSTRUÇÕES D…, LDA, APÓS TER SIDO CONFRONTADA COM CONTACTOS DE ADVOGADOS QUE DIZIAM TER CONTRATOS PROMESSAS DE COMPRA E VENDA DE FRACÇÕS AUTÓNOMAS, DE CLIENTES SEUS, CELEBRADOS COM UM CONSTRUTOR QUE NADA TINHA A VER COM O RÉU/RECORRENTE, C….

E.- No sentido da nulidade do contrato em causa, e que se assim não fosse, nada era devido pelo Réu à Autora, destacámos os seguintes Acórdãos e Doutrina, que detalhamos no ITEM VI deste Recurso, resumidos a seguir: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - DE 18/03/97, CJ (ACÓRDÃOS DO STJ), ANO V, TOMO 1, 158; DE 31/03/98, BMJ 47521, 680; E DE 31/05/2001, CJ (ACÓRDÃOS DO STJ), ANO IX, TOMO II,108.-DE 15/09/2009, REVISTA 5339/06.9TVLSB; DE 29/03/2011, REVISTA 2439/07.ITBPMT.E1.51 E DE 29/09/2001, REVISTA N.2 6067/07.3TCLRS.L1.S1, TODOS COM SUMÁRIO DISPONÍVEL EM WWW.STJ.PT. -DE 22/01/2009, REVISTA N.2 976108, DISPONÍVEL WWW.DGSI.PT.

- O direito à remuneração implica a execução da prestação contratual a que o mediador se obrigou, nomeadamente a prática dos actos adequados a conseguir que seja atingido o objectivo do contrato, objectivo este que é a concretização e perfeição do negócio visado com a mediação.

1216/11.0YIPRT.P1 - Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS - Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA REMUNERAÇÃO DO MEDIADOR - Nº Documento: RP201502101216/11.OYIPRT.P1 1OO22O15 - Votação: UNANIMIDADE - Decisão: CONFIRMADA - Indicações: 2ª SECÇÃO - Num contrato de mediação imobiliária, a remuneração do mediador está dependente duma condição essencial, que alguns apelidam de condição suspensiva, que se traduz na realização do negócio objecto do contrato de mediação.

- Acresce que o mediador, devido ao risco/álea inerente à actividade comercial da mediação, apenas tem direito a ser remunerado quando a sua actuação determine a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, o que significa que tem que existir um nexo de causalidade adequada entre a sua actividade e a realização do negócio pretendido, de modo a que possa afirmar-se que a concretização deste foi o corolário ou a consequência daquela actuação.

ACÓRDÃO DO STJ DE 17/03/1967, BMJ 165, P. 333.

- "Supõe, na sua essência, a incumbência a...

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