Acórdão nº 918/14.3JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL SOARES
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 918/14.3JAPRT.P1 Comarca do Porto 6ª Secção do Juízo Central Criminal do Tribunal do Porto Acórdão deliberado em Conferência 1. Relatório 1.1 Decisão recorrida Por acórdão proferido em 30 de Junho de 2016, foi deliberado o seguinte: - Condenar o arguido B… por um crime de furto qualificado, previsto nos artigos 203º nº 1 e 204º nº 1 al. a), com referência ao artigo 202º al. a), todos do Código Penal (doravante CP), na pena de 6 meses de prisão, por um crime de falsificação de documento, previsto no artigo 256º nº 1 als. b) e e) e nº 3, com referência ao artigo 255º al. a), ambos do CP, na pena de 9 meses de prisão, por um crime de roubo qualificado, previsto nos artigos 210º nºs 1 e 2 al. b), com referência ao artigo 204º nº 2 al. f), ambos do CP, e artigo 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15MAR, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e por um crime de roubo qualificado, este na forma tentada, previsto nos mesmos artigos 210º nºs 1 e 2 al. b), com referência ao artigo 204º nº 2 al. f) e artigo 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15MAR, na pena de 2 anos de prisão e em cúmulo de todas as penas, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão; - Condenar o arguido C… por um crime de roubo qualificado, previsto nos artigos 210º nºs 1 e 2 al. b), com referência ao artigo 204º nº 2 al. f), ambos do CP, e artigo 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15MAR, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e por um crime de roubo qualificado, este na forma tentada, previsto nos mesmos artigos 210º nºs 1 e 2 al. b), com referência ao artigo 204º nº 2 al. f) e artigo 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15MAR, na pena de 2 anos de prisão e em cúmulo das duas penas, na pena única de 4 anos de prisão; - Absolver o arguido D… de dois crimes de roubo qualificados, um consumado e outro tentado, previstos nos artigos 210º nºs 1 e 2 al. b), com referência ao artigo 204º nº 2 al. f), ambos do CP, e artigo 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15MAR.

1.2 Recursos 1.2.1. Recurso do arguido B… Invocou em suma que o acórdão recorrido padece dos seguintes vícios que devem conduzir à sua absolvição: erro no julgamento da matéria de facto, valoração de prova proibida, erro notório na apreciação da prova, violação do princípio da inocência, insuficiência da matéria de facto para a decisão, violação do princípio da livre apreciação da prova e do princípio in dubio pro reu. Sem prescindir, a manter-se a condenação, invocou que houve violação das normas relativas à determinação da medida e da pena e que foi omitida a realização de relatório social, que era prova essencial para a boa decisão da causa, devendo assim o julgamento ser repetido para a prática desse acto, e em qualquer dos casos optar-se por uma pena de prisão com execução suspensa.

Da amálgama de alegações, normas e conceitos jurídicos invocados na motivação e conclusões do recurso, de difícil interpretação, reproduzimos os fundamentos de recurso nos seguintes termos resumidos: - Quanto ao crime de furto do automóvel, questiona-se a prova da autoria que lhe é imputada. Nenhuma testemunha o identificou como autor do furto. O que resulta da prova testemunhal e documental é apenas que a chave desse automóvel tinha sido subtraída cerca de dois anos antes por alguém que se fazia transportar num automóvel que foi na altura identificado. O arguido foi acusado desse furto da chave do automóvel mas não foi condenado, tendo o processo terminado por desistência de queixa. Tendo o tribunal condenado o arguido pelo furto do automóvel, com base em prova documental e testemunhal que se refere à subtracção da respectiva chave dois anos antes, sem que tivesse sido condenado por tal crime, violou o princípio da presunção de inocência (artigo 32º nº 2 da CRP), usou prova recolhida por método proibido (artigo 126º nº 2 al. d) do CPP), incorreu em erro notório na apreciação da prova (artigo 410 do CPP), nulidade do acórdão por falta de fundamentação na vertente da análise crítica da prova (artigos 374º e 379º do CPP) e violação do princípio in dubio pro reo.

- Quanto ao crime de falsificação da chapa de matrícula do automóvel, questiona-se também a prova da sua autoria. O tribunal imputou-lhe o crime de falsificação por se ter convencido erradamente de que foi ele quem furtou o automóvel. Mas nenhuma testemunha imputou tais factos ao arguido, nunca foi visto a conduzir o automóvel e nada existe que o ligue ao mesmo.

- Quanto aos crimes de roubo, é também questionada a prova da sua autoria. O tribunal baseou a sua convicção no “auto de reconhecimento de locais” e na certidão extraída do processo em que o arguido tinha sido acusado do furto da chave do automóvel mas não foi condenado. Ao dar como provados os roubos apenas com base em tais provas, ocorre falta de fundamentação, na vertente do exame crítico das provas (artigos 374º e 379º do CPP), erro notório (artigo 410º do CPP) e violação do princípio in dubio pro reo (artigo 32º nº 2 CRP).

- Além disso, o “auto de reconhecimento de locais” contém apenas declarações prestadas por um co-arguido, pelo que a sua valoração em julgamento é proibida (artigos 355º e 357º do CPP). Tendo-se remetido ao silêncio em julgamento o co-arguido que participou no reconhecimento, a defesa do arguido por ele incriminado nessa diligência ficou impedida de exercer o contraditório, com o sentido que lhe é dado pela jurisprudência do TEDH, segundo a qual o contraditório implica uma efectiva possibilidade de confrontar e questionar directamente os depoentes em julgamento ou em momento anterior. Sendo assim, ocorreu violação dos artigos 355º do CPP, 6º §§ 1 e 2 al. d) da CEDH e 20º da CRP.

- O tribunal socorreu-se de prova indiciária para dar como provada a autoria dos roubos. Porém, os indícios considerados apenas permitem retirar um juízo de probabilidade ou uma convicção moral e não uma certeza jurídica suficiente para a condenação.

- Quanto à determinação da espécie da pena, contesta-se que a execução da prisão não tivesse sido suspensa. O arguido foi julgado na ausência por não ter sido possível localizá-lo e notificá-lo, quando ele tinha fornecido uma nova morada ao processo. Consequentemente, não se diligenciou pela realização de relatório social, que era uma diligência de prova necessária para se optar pela pena de prisão efectiva, dado que o arguido é primário e está profissional e socialmente inserido.

1.2.1. Recurso do arguido C… Invocou em síntese que o acórdão recorrido padece dos seguintes vícios: erro no julgamento da matéria de facto, violação do princípio da livre apreciação da prova e do princípio in dubio pro reo e valoração de prova proibida. Subsidiariamente, invocou erro de aplicação do direito no que se refere à determinação da espécie e medida da pena, que deveria ter sido fixada no mínimo e suspensa na execução.

Da motivação e conclusões do recurso extraímos os seguintes fundamentos sintéticos: - A prova sobre a autoria dos crimes imputados ao arguido baseou-se no “auto de reconhecimento de locais” e no depoimento do inspector da Polícia Judiciária que tomou parte nessa diligência. As outras testemunhas nada disseram que permitisse demonstrar que foi o arguido o autor dos roubos, o exame ao automóvel e as pesquisas de vestígios biológicos nada revelaram e nas buscas não foi encontrado nada. Sendo assim, a condenação do arguido violou o princípio in dubio pro reo (artigo 32º nº 2 da CRP) e as regras dos artigos 355º nº 1 e 357º nº 1 do CPP.

- A referida diligência não obedeceu aos requisitos substanciais e de conteúdo do artigo 150º do CPP. Não é mais do que uma tomada de declarações, uma visita guiada ao local do crime, uma confissão da autoria ilustrada e protagonizada pelo arguido. Como tal, não podia ser valorada como prova de reconstituição do facto.

- A determinação da pena não cumpriu as regras dos artigos 70º, 71º e 72º do CP. O tribunal não ponderou se em relação ao arguido era aplicável o instituto da suspensão da pena nem teve em conta as suas circunstâncias pessoais: CRC e inserção social e profissional, provada no relatório social. A pena deve ser objecto da atenuação especial prevista nos artigos 72º e 73º do CP e suspensa na sua execução.

1.3 Resposta do Ministério Público Pronunciou-se pela total improcedência dos dois recursos. Considerou no essencial o seguinte: - No que respeita à validade do “auto de reconhecimento de locais” como meio de prova, concorda com as razões expressas no acórdão recorrido.

- Quanto ao recurso do arguido B…, a impugnação da decisão da matéria de facto é improcedente porque o tribunal apreciou livremente a prova ao abrigo do disposto no artigo 127º do CPP, com fundamentação racional e clara, limitando-se o recurso a manifestar uma opinião diferente quanto à análise e valoração da prova.

- O relatório social sobre este arguido só não foi feito porque ele faltou à convocatória da DGRSP. De todo o modo, não se trata de diligência que o tribunal tivesse de realizar obrigatoriamente, donde resulta que a sua omissão não integra qualquer vício.

- As penas parcelares e unitária e a decisão de não suspender a execução da prisão estão devidamente fundamentadas e não merecem reparo.

- Quanto ao recurso do arguido C…, não se verificam os pressupostos necessários para a atenuação especial da pena. Por outro lado, face à medida das penas em questão, as possibilidades de penas de substituição dos artigos 43º, 44º, 45º e 46º do CPP não são aplicáveis. A pena foi correctamente graduada e a decisão de não a suspender está bem fundamentada.

1.4 Parecer do Ministério Público na Relação Nesta Relação o Ministério Público limitou-se a emitir parecer no sentido de que o recurso do arguido C… devia ser objecto de despacho de aperfeiçoamento quanto às conclusões, não tendo sido atendida essa pretensão.

  1. Questões a decidir no recurso Tendo em conta as questões que nos são colocadas e a necessidade de clareza e ordenamento lógico, vamos analisá-las separando os aspectos relativos à culpabilidade e à determinação da sanção pela ordem seguinte...

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