Acórdão nº 3542/15.0T8GDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução08 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 3542/15.0T8GDM.P1-Apelação Origem: Comarca do Porto-Gondomar-Inst. Local-Secção Cível-J2 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Miguel Baldaia 2º Adjunto Des. Jorge SeabraSumário:I - No âmbito do NRAU o arrendatário só pode proceder à realização de obras nas situações previstas no n.º 2 do artigo 1074.º ou nas previstas no artigo 1036.º ambos do Código Civil (nº 3 do artigo 1074.º do mesmo diploma).

II - As obras urgentes que não consentem qualquer dilação a que se faz referência no artigo 1036.º, nº 2 do CCivil são aquelas que em geral não permitam a utilização do locado, no todo ou em parte, se não forem executadas imediatamente, razão pela qual a existência de humidade numa das paredes de um dos cómodos do locado, cuja não utilização não está demonstrada, não integra a referida urgência.

III - Também a referida existência de humidade não integra a urgência a que se refere o nº 1 do citado artigo 1036.º pois que a sua reparação, estando desgarrada de outra realidade factual, não se pode qualificar de urgente e muito menos que não se compadeça com a instauração de uma acção judicial.

IV - No contrato de arrendamento existe correspectividade entre a prestação do senhorio de proporcionar ao inquilino o gozo da coisa locada e a prestação do inquilino de pagar o valor da renda.

V - Para que o inquilino possa deixar de pagar a renda com base na excepção de não cumprimento do contrato pelo senhorio, tem de alegar e provar que ficou privado do gozo do locado e que existe um nexo de causalidade entre a privação desse gozo e a falta de pagamento da renda.

* I-RELATÓRIOAcordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, residente na Rua …, …, Maia, em representação de C… e marido D…, veio intentar a presente acção declarativa de condenação contra E… e F…, residentes na Rua …, …, …, Gondomar formulando os seguintes pedidos: - a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre os representados da autora e os réus por falta de pagamento de rendas; - a entrega imediata do locado à autora livre de pessoas e bens; - a condenação dos réus a pagar à autora a quantia de €1.274,00, bem como as rendas vincendas.

Alegou, para tanto e em resumo que C… e D… concederam-lhe, pela outorga de procuração no dia 16 de Outubro de 2015, poderes para, entre outras coisas, propor acções de despejo, de indemnização e outras que se relacionem com os arrendamentos dos prédios que possuem em Gondomar e na Maia. Mais alegou que os pais da representada, celebraram entre o ano de 1970 e 1972, em data que não consegue precisar, um contrato de arrendamento para fins habitacionais, por via do qual cederam aos réus a habitação sita na Rua …, …, …, Gondomar, mediante o pagamento de renda mensal que actualmente se cifra em €182. Sucede que os réus não pagaram as rendas referentes aos meses de Junho a Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016, que deveriam ter sido pagas no primeiro dia útil dos meses de maio a Dezembro de 2015.

*Os Réus contestaram a acção nos termos e com os fundamentos que constam do articulado de folhas 46 a 50, justificando a falta de pagamento das rendas com a omissão da senhoria em fazer obras no locado, o qual não oferecia condições de habitabilidade, sendo que em 15 de Junho enviaram missiva à Autora, nos termos e para os efeitos do artigo 1036.º do Código Civil, dando-lhe conhecimento que iriam proceder a partir do dia 15 de Junho de 2015 à realização das obras constantes do orçamento anteriormente enviado e proceder ao desconto daquele valor total nas rendas futuras, mais alegaram que padecem de problemas de saúde.

Concluíram, referindo que procederam à realização das obras que cabiam ao senhorio fazer, já que a casa não tinha condições mínimas de habitabilidade e salubridade, invocando o disposto nos artigos 1074.º e 1036.º do Código Civil.

*Foi proferido despacho a dispensar a convocação da audiência prévia.

Foi exarado despacho saneador que dispensou a enunciação do objecto do litígio e dos temas da prova.

*Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal.

*O processo correu a sua tramitação normal e, tendo tido lugar a audiência de discussão e julgamento foi, a final, proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente por provada e consequentemente declarou a resolução o contrato de arrendamento celebrado entre os representados da Autora e os Réus, decretou o despejo imediato do imóvel sito na Rua …, …, ….-…, Gondomar, condenando os Réus a entregá-lo à Autora livre e devoluto de pessoas e bens e ainda no pagamento das rendas referentes aos meses de Junho a Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016, no montante global de €1.274,00 (mil duzentos e setenta e quatro euros), vencidas entre maio a Dezembro de 2015, bem como nas que se venceram e vencerem na pendência da presente acção até entrega efectiva do locado.

*Não se conformando com o assim decidido vieram os Réus interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte: I. O artigo 1074.º do Código Civil determina que “cabe ao senhorio efectuar todas as obras de conservação ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário”.

  1. O gozo proporcionado da coisa locada deve ser conforme aos fins a que a coisa se destina. Isto significa que se o imóvel é destinado à habitação e o arrendatário celebra contrato com vista a habitar o imóvel, então o senhorio tem a obrigação de garantir que o imóvel está em condições próprias para a habitação durante todo o tempo da duração do contrato.

    Se as condições do imóvel se deteriorarem, sem que tal seja imputável à actuação anormal do locatário, é ao senhorio que compete fazer as obras necessárias à sua conservação de modo a manter a adequação da coisa ao fim a que contratualmente está destinada.

  2. O artigo 1031.º do CC na sua al. b) impõe ao locador a obrigação de assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que ela se destina.

  3. O locador é assim obrigado a realizar todas as reparações essenciais ou indispensáveis, de harmonia com os fins a que a coisa se destina, quer se trate de pequenas ou de grandes reparações, quer a necessidade resulte de simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro (cf. Antunes Varela, RLJ, ano 100, p. 381).

  4. O locador está também obrigado a proceder às reparações ordenadas por entidade Pública, no caso em concreto a Câmara Municipal e, não o fazendo em conformidade com o ordenado entra em mora.

  5. A lei impõe ao senhorio a manutenção do locado com um nível de habitabilidade idêntico ao existente à data da celebração do contrato e as impostas pela Administração, face aos regulamentos gerais ou locais aplicáveis, para lhes conferir as características habitacionais existentes ao tempo da concessão da licença de habitabilidade, sem prejuízo do estabelecido nos artigos 1043.º do CC.

  6. Os Réus fundamentaram a sua contestação no direito de realização de obras previsto no artigo 1036.º do CC, que por força deste texto legal, nem todas as reparações ou despesas urgentes autorizam o locatário a substituir-se ao senhorio na sua realização. Só as que não se compadeçam com as delongas do procedimento judicial, ou sejam, as relativamente urgentes (n.º 1) e as que não consintam qualquer dilação, ou sejam, as extremamente urgentes (n.º 2).

  7. No que concerne às obras relativamente urgentes exige-se que o senhorio se encontre em mora quanto à obrigação de as realizar. Já no que respeita as obras extremamente urgentes o locatário pode agir independentemente de mora do locador, devendo contudo avisa-lo na altura em que efectua a reparação ou realiza a despesa.

  8. No presente caso foi a Autora notificada pela Câmara Municipal para proceder à realização das obras aí previstas, em 8 de agosto de 2014.

  9. A autora, pese embora instada a proceder a tais obras não só pelas várias interpelações dos Réus, conforme doc. 2; doc. 13; doc. 14 e doc.15 juntos com a contestação, mas também por ordenação da Câmara Municipal em 8 de Agosto de 2014, não as realiza de acordo com a vistoria realizada em 29 de Julho de 2014.

  10. Posto que, persistiram as patologias inicialmente apontadas, em consonância com o ponto 10 dos factos dados como provados.

  11. Ou seja, decorrido um ano desde a notificação da Câmara Municipal as patologias na habitação mantiveram-se.

  12. Dada a idade e situação de saúde dos Réus, conforme consta dos documentos juntos aos autos (doc. 18, 19, 20 e 21 da contestação) em que o 1.º Réu padece de bronquite asmática crónica e a 2.ª Ré síndrome de apneia obstrutiva do sono, hipertensão arterial e dislipidemia, o que obriga a 2.ª Ré a ser ventilada aquando o sono por forma a poder respirar, tentaram incessantemente junto da Autora que esta cumprisse pontualmente e integralmente a comunicação de ordenação pela Câmara Municipal em suprir as patologias verificadas e constantes do relatório de vistoria. Também pelo doc. 13 junto com a contestação que, pese embora, não conste especificamente dado como factualidade provada, tal documento não foi impugnado e, em depoimento de parte a Autora confessa a recepção de todas as cartas enviadas pelos Réus. (conforme depoimento de parte gravado em CD no dia 13/06/2016 entre as 10:08:24 horas e pelas 10:18:00 horas).

  13. Conforme se lê na douta sentença recorrida a fls. 9, 2.º parágrafo, “A testemunha G… confirmou que, a pedido da autora, executou obras no locado descrevendo as mesmas, apontando como causa do aparecimento das infiltrações a humidade por capilaridade dos terrenos vizinhos, alegando dificuldade técnica de resolução do problema e, em suma, admitiu que as obras por si realizadas não terão resolvido o problema. De referir que o Tribunal valorou este depoimento como isento e credível, o qual até reconheceu factualidade que lhe era desfavorável.” XV. Seria exigível aos Réus, que são pessoas de idade avançada e com problemas de saúde que se prendem com o aparelho respiratório, que após tantas tentativas infrutíferas, aguardassem o...

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