Acórdão nº 10/16.6IDAVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução10 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 10/16.6IDAVR.P1 Data do acórdão: 10 de Maio de 2017 Relator: Jorge M. Langweg Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa Origem: Comarca de Aveiro Instância Local de Oliveira do Bairro | Secção de Competência Genérica Sumário: 1. Conjugando o teor dos números 1 e 7 do artigo 105ºdo RGIT, conclui-se, imediatamente, pela génese dos valores a considerar para efeitos de integração no tipo legal de crime, que os mesmos devem ser considerados no tocante a cada declaração a apresentar à administração tributária, devendo cada uma das prestações efectivamente recebidas e em falta à data da referida apresentação (art. 41.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do C.I.V.A.) ser superior a € 7.500,--, a fim de configurar crime de abuso de confiança fiscal.

  1. O "abuso de confiança fiscal" relativo à falta de entrega de prestações não superiores a € 7.500,-- é punível como contraordenação (cfr. n.º 1 do art. 114.º do RGIT).

    Acordam, em conferência, os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o Ministério Público;I - RELATÓRIO1. Em 11 de Novembro de 2016 foi proferida nos presentes autos a sentença absolutória dos arguidos B..., Lda. e C..., que foram julgados pela acusação da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelos artigo 7º, nº 1 e nº 3, 12º e 105º, nº 1, nº 4 alínea a) e b) e nº 7 do Regime Geral das Infrações Tributárias.

  2. Tal absolvição deveu-se à posição jurídica plasmada na fundamentação da sentença, segundo a qual "o preenchimento do ilícito criminal em apreço nos autos depende do recebimento do montante devido pela cobrança do imposto ter ocorrido dentro do prazo legalmente fixado para que tal imposto tivesse sido entregue nos cofres do Estado e portanto, se tal recebimento por parte do obrigado à entrega só ocorreu depois do decurso do mencionado prazo, não se poderão considerar verificados os factos objectivos do ilícito criminal em causa (…)".

    (…) até à data em que a declaração periódica tinha de ser apresentada (15 de Agosto de 2015), do total de IVA liquidado de €9.707,84, a arguida apenas tinha efectivamente recebido dos seus clientes a quantia de €5.422,96; tendo o remanescente de €3.612,63 sido recebido após o terminus do prazo para entrega da aludida declaração.

  3. Inconformado com esse entendimento jurídico e consequente absolvição dos arguidos, o Ministério Público interpôs recurso da decisão final, terminando a motivação de recurso com a formulação das seguintes conclusões: "Os arguidos B..., Lda.” e C... foram acusados da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo n.º 1 do artigo 6º, n.º 3 do artigo 7º e n.º 1, n.º 4 e n.º 5 do artigo 105º, todos do RGIT, tendo sido, por sentença de 11 de Novembro de 2016, absolvidos da comissão de tal crime, com fundamento de que o tipo de crime de abuso de confiança fiscal, relativamente ao elemento objectivo, implica que o agente omita, total ou parcialmente – estando legalmente obrigado a entregar à administração fiscal – a prestação que tendo recebido, tenha a obrigação legal de liquidar, de valor superior a € 7.500, sendo que tal recebimento, relevante para efeitos do preenchimento do tipo, terá que se verificar até ao terminus do prazo para apresentação das declarações a que se refere o artigo 41.º do ClVA.

    O fundamento invocado na sentença recorrida carece de suporte legal, porquanto efectivamente se deu como provado que os arguidos até 18 de Dezembro de 2015 receberam a quantia de €9.035,59 (nove mil e trinta e cinco euros e cinquenta e nove cêntimos) a título de IVA, constante da acusação, referente ao período tributário de Abril, Maio e Junho de 2015, tendo declarado IVA a entregar ao Estado no valor de €9.707,84.

    A sociedade arguida e o arguido foram notificados nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, respectivamente em 20 de Janeiro e 08 de Fevereiro de 2016.

    Assim, quando – de acordo com os factos dados como provados na sentença recorrida – os arguidos foram notificados naqueles termos, haviam já recebido de IVA quantia superior a €7.500, de que se apropriaram, omitindo a sua entrega nos cofres de Estado.

    Termos em que se verifica, de acordo com a factualidade provada, o preenchimento do tipo de ilícito de abuso de confiança fiscal, tendo ocorrido o efectivo recebimento da quantia de €9.035,59 a título de IVA pelos arguidos, não podendo entender-se, na esteira da doutrina plasmada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2015 do STJ que apenas deva ser valorada a quantia a título de IVA efectivamente recebida até ao termo do prazo de entrega da declaração – que se não confunde com o prazo legal de pagamento, nem contende com a efectiva liquidação do montante global facturado que da mesma deve constar, tendo ou não, àquela data, sido recebido.

    Somos pois do entendimento que o recurso interposto deve merecer provimento, devendo alterar-se a sentença recorrida, em conformidade, por outra em que sejam condenados os arguidos “B..., Lda.” e C... na prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo n.º 1 do artigo 6º, n.º 3 do artigo 7º e n.º 1, n.º 4 e n.º 5 do artigo 105º, todos do RGIT..

  4. Notificados da motivação de recurso, os arguidos não apresentaram resposta.

  5. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

  6. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer, propugnando pela procedência do recurso.

  7. Não houve resposta ao parecer.

  8. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos do Código de Processo Penal].

    Questão a decidir O Ministério Público imputa à sentença recorrida um erro em matéria de direito, uma vez que, de acordo com o recorrente, o momento relevante para o recebimento da quantia referente a I.V.A. liquidado de valor superior a € 7.500,-- é, em concreto, a data da notificação efetuada nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do R.G.I.T., em vez da data até à qual a declaração periódica tivesse de ser apresentada (tese expressa na fundamentação da sentença).

    *Para decidir tais questões controvertidas, importará, primeiramente, concretizar os factos jurídico-processuais relevantes – os factos provados respeitantes à tipicidade da conduta dos arguidos e a fundamentação jurídica da sentença absolutória -.

    * II – FUNDAMENTAÇÃOA - Os factos processuais relevantes: - Factos provados: «(…) A arguida “B..., Lda.” é uma sociedade por quotas que tem por objecto social a indústria de moldes, cunhos, cortantes e serralharia e a indústria agrícola e pecuária, com o NIPC ......... e sede na ..., Lote .., em ..., Oliveira do Bairro, na área desta comarca de Aveiro.

    O arguido C... é actualmente e era, no período compreendido entre o dia 1 de Abril de 2015 e o dia 30 de Junho de 2015, gerente da sociedade arguida, nessa qualidade sendo o único responsável pelos negócios desta, praticando todos e quaisquer actos indispensáveis ao regular funcionamento da mesma, designadamente, contratando trabalhadores, procedendo ao pagamento de salários e impostos, contraindo empréstimos bancários, sendo o rosto visível daquela sociedade, nas relações comerciais mantidas com clientes, fornecedores e entidades bancárias.

    No período compreendido entre o dia 1 de Abril de 2015 e o dia 30 de Junho de 2015, a sociedade arguida encontrava-se enquadrada, em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, no regime normal de tributação com periodicidade trimestral.

    No exercício da sua actividade, no período compreendido entre o dia 1 de Abril de 2015 e o dia...

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