Acórdão nº 395/12.3TBVLC-I.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução22 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 395/12.3TBVLC-I.P1 Sumário da decisão: Pode revelar-se atendível o pedido unilateral de modificação do acordo sobre o destino da casa de morada de família homologado pelo tribunal, com fundamento em circunstâncias supervenientes, face ao disposto no n.º 3 do artigo 1793.º, exigindo-se o preenchimento dos requisitos enunciados no artigo 2012.º do Código Civil, ou seja, que o requerente alegue e prove: i) que se alteraram as circunstâncias que determinaram a sua aceitação do acordo; que tal alteração, tendo natureza substancial, evidencie sinais de permanência que permitam distingui-la de uma modificação meramente conjuntural ou transitória; que a referida alteração tenha modificado a “base negocial” ou dos pressupostos fácticos que determinaram a vontade negocial das partes.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório Em 17.03.2016, por apenso aos Autos de Divórcio Litigioso n.º 395/12.3TBVLC, que correm termos na 5.ª Secção de Família e Menores, J1, da Instância central de S. João da Madeira, comarca de Aveiro, B..., requereu contra C..., a alteração da atribuição da casa de morada de família, alegando alteração substancial e superveniente das circunstâncias que determinaram o acordo celebrado no âmbito da ação de divórcio.

O requerido foi citado, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 990º, n.º 2 do CPC, tendo-se realizado em 11.05.2016 uma tentativa de conciliação que se revelou infrutífera.

Na referida diligência, foi o requerido notificado para deduzir oposição, querendo, o que veio a fazer em 23.05.2016, impugnando a factualidade alegada pela requerente na petição inicial.

Em 28.11.2016 realizou-se a audiência final, com inquirição de testemunhas, após o que foi proferida sentença, em 5.12.2016, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente, mantendo-se o acordo de atribuição ao ex-cônjuge marido, aqui Requerido, da casa de morada de família celebrado entre as partes aquando do divórcio, homologado que foi por sentença transitada em julgado.

Custas a cargo da Requerente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.».

Não se conformou a autora e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões[1]: A. Por acordo de divórcio, devidamente homologado por sentença transitada em julgado a 30/10/2012, ficou acordado entre a recorrente e o recorrido que a casa de morada de família ficaria atribuída a este último, até à consubstanciação efetiva da partilha, segundo uma previsão temporal de tramitação normal e não morosa.

  1. A recorrente foi vítima de violência doméstica durante muitos anos, o que levou a que, por uma questão de preservação e proteção física e moral, tivesse que sair apressadamente da casa de morada de família, com as duas filhas menores do ex-casal, não lhe restando outra alternativa que se ir refugiar e morar na casa dos seus pais.

  2. A recorrente queria afastar-se o mais possível do recorrido, não querendo suscitar qualquer problema ou conflito impeditivo ou prejudicial à rápida procedência do processo de divórcio entre ambos.

  3. O M.º Juiz a quo, apesar de ter dado como provado (ponto 3) que a recorrente efetivamente abandonou aquela casa na sequência de ter sido vítima de um crime de violência doméstica, na respetiva motivação não atribui qualquer relevância a tal ponto.

  4. Acresce que, aquando da celebração do acordo em questão, a recorrente não imaginava os obstáculos e comportamentos que o recorrido viria e veio a interpor e a manifestar, caracterizando-se por uma total ausência de colaboração com a recorrente e com o Tribunal, impedindo um fluir normal na resolução da partilha do casal – volvidos 5 anos, a partilha ainda não está concluída.

  5. Para qualquer pessoa normal, considerando a realidade da tramitação judicial e da relação de bens (essencialmente, uma única verba significativa a partilhar – casa-de-morada de família), existe uma expectativa e presunção bastante de que a referida partilha se iria processar e concluir mais celeremente.

  6. Esta situação está comprovada pelo depoimento das testemunhas, todo ele recolhido no dia da audiência de discussão e julgamento: D..., no seu depoimento, com início às 10:58:24 e fim às 11:17:43 (primeira gravação), ao minuto 00.01.21 a 00.03.36; E..., no seu depoimento, com início às 11:18:51 e fim às 11:32:54, ao minuto 00.01.21 até 00.02.22; e F..., no seu depoimento, com início às 11:41:45 e fim às 11:55:16, ao minuto 00.03.20 até 00.05.52.

  7. Estas circunstâncias, a não considerar-se como supervenientes, têm interesse e relevo para a decisão e para perceber exatamente a formação da vontade da recorrente e os termos em que o acordo de atribuição da casa de morada de família em crise foi celebrado.

    I. Assim, ao contrário da posição que tomou, deveria o M.º Juiz a quo ter considerado para a sua motivação e decisão as circunstâncias descritas, dando como provado que, efetivamente, o acordo em causa valia e vale até à efetivação da partilha, partilha esta considerada (por parte da recorrente) simples e célere e que se veio a revelar justamente o contrário.

  8. Ponto mais relevante para a requerida atribuição da casa de morada de família à recorrente, foi a circunstância de a mesma ter perdido supervenientemente o suporte emocional e financeiro do seu pai.

  9. É facto assente que a recorrente saiu de casa de morada de família com as filhas a 01/05/2012 e foi morar com os pais, que lhe prestaram o devido apoio a vários níveis, sendo que, meses depois, a recorrente arrendou uma casa, onde passou a residir, nomeadamente, pagando uma renda mensal de € 200,00.

    L. O M.º Juiz a quo, nos factos provados (ponto 5) refere que o locado é “(…) uma moradia simples, pequena, humilde, de tipologia T3, composta por 1 sala com copa, sem lareira, 1 wc e 3 quartos, reunindo todas as condições de habitabilidade, não obstante a existência de algumas humidades nas paredes”.

  10. Na realidade, trata-se de uma pequena casa rural, construída há mais de sessenta anos, com 2 pequeníssimos quartos de 8,00m2 um e 14,00m2 outro, sem sequer espaço para acomodar um guarda-fatos ou armário nos primeiros, uma dispensa e copa que não ultrapassa os 14,00m2.

  11. A afirmação de que tal corresponde à reunião “…de todas as condições de habitabilidade.” é a confirmação de um propósito que não o de prosseguir a verdade material mas sim o do aproveitamento sistematizado de informações dispersas e descontextualizadas (cuja origem o mesmo não indica ou refere) relevando-as de forma irreal e injusta.

  12. O M.º Juiz a quo esquece-se completamente de referir a diferença entre ambas as habitações, pois a casa de morada de família tem, pelo menos, o dobro do espaço da outra, foi construída para albergar esta mesma família ao seu próprio gosto e apresenta características de construção absolutamente superiores, em todos os aspetos, relativamente àquela em que a recorrente reside com as suas filhas.

  13. Desconhece-se com que termos e meios probatórios fundamentou o M.º Juiz aquela conclusão/facto, principalmente tendo em conta o alegado pela ali requerente e pelos depoimentos das testemunhas D..., no seu depoimento do min. 00:06:31 a 00:06:59 (segunda gravação); E..., no seu depoimento ao min. 00:07:56 a 00:08:52 e G... no seu depoimento, com início às 11:56:17 e fim às 12:03:45, ao minuto 00.02.40 até 00.04.06.

  14. É, no mínimo, sinal de parcialidade de raciocínio e duplicidade de critérios, em prejuízo claro da recorrente.

  15. Tal como afirma o Exmo. Juiz no ponto 12 dos factos dados como provados, o pai da recorrente faleceu no dia 13/04/2015.

  16. Aquele pai não só auxiliava na logística (ia buscar as netas à escola, ficava com elas e dava-lhes alimentos) como era de facto “uma pessoa presente e atenta às necessidades da filha e netas, dando sempre apoio afetivo às mesmas”.

  17. O apoio prestado também tinha cariz económico, não só repercutido naquela ajuda do dia-a-dia, como também e desde logo, no facto de ter sido isso que permitiu à recorrente prescindir da casa de morada de família e arrendar a casa onde atualmente reside.

  18. O pai da recorrente, inclusivamente, sabendo das suas dificuldades económicas, frequentemente emprestava-lhe dinheiro.

    V. Tal foi profusamente afirmado e reiterado pelas testemunhas que, não só descreveram a relação afetiva como também a económica: D..., no seu depoimento aos min 00:00:00 a 00:04:21, 00:07:08 a 00:07:34, 00:12:55 a 00:14:28 e 00:16:06 a 00:17:38 (segunda gravação); E... ao min. 00:01:21 a 00:04:16, 00:05:05 a 00:07:56; e F... ao min. 00:06:48 a 00:07:47; 00:10:47 a 00:11:15; 00:11:59 a 00:12:51.

  19. No ponto 12 dos factos dados como provados pelo M.º Juiz a quo deveria contar, para além do referido, o apoio económico prestado pelo pai da recorrente, e assim, resultar antes como provado “que a Requerente arrendou a casa supra referida em 4 contando com a ajuda financeira do seu pai e que este lhe entregava quantias em dinheiro”.

    X. Deixando de ter este apoio inequívoco, passou a recorrente a viver com sérias e acrescidas dificuldades económicas que se refletem no seu dia-a-dia e no das filhas do ex-casal.

  20. Tendo em conta a análise e aproveitamento que o M.º Juiz a quo fez, no todo, da prova testemunhal, oferece-nos dizer que foi a mesma inequívoca e seletivamente aproveitada num único sentido, de modo a justificar a decisão proferida pelo mesmo.

  21. Primando assim pelo desprezo quase total da prova que sustenta a posição contrária à desta, ignorando partes dos depoimentos jurídico-materialmente relevantes em detrimento de outras, sem qualquer explicação lógica ou processualmente fundamentada.

    AA. Ainda, o M.º Juiz isola um facto e considera de forma relevante a afirmação de uma menor de 12 anos de idade, com a qual apenas priva cerca de 5 minutos, não achando nada de anormal na génese do mesmo, desprezando todo e qualquer requerimento de prova solicitado pela recorrente cerca de um ano antes e reiterado posteriormente, em tal processo...

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