Acórdão nº 6861/13.6YYPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelMIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Data da Resolução04 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 6861/13.6YYPRT-A.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto – Juízo de Execução, Juiz 2 Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra 2º Adjunto Des. Fátima Andrade* SumárioI- O testamento é configurado na lei substantiva (art. 2179º do Código Civil) como um negócio totalmente atípico, uma vez que, por seu intermédio, pode ser conseguido um número indeterminado de efeitos, embora mortis causa.

II- O testador pode no testamento incluir as cláusulas pessoais que bem entender e bem assim as disposições de caráter patrimonial que a lei não proíba, direta ou indiretamente, que sejam nele inseridas.

III- Desse modo, nada obstaculiza à formalização e validade de um testamento cujo texto se limite a conter uma cláusula de exclusão da responsabilidade para os efeitos do disposto no artigo 603º do Código Civil.

* Acordam no Tribunal da Relação do Porto: 1. RELATÓRIOPor apenso à ação executiva que lhe move B…, Ldª, veio C… deduzir o presente incidente de oposição à penhora, efetuada no processo principal, do quinhão hereditário de que é titular em três imóveis.

Para substanciar tal pretensão alega que o seu quinhão hereditário não responde pela dívida exequenda, uma vez que, em testamento, foi estabelecido pelo de cujus que todos os bens que o ora opoente recebesse por sua morte lhe eram deixados com a cláusula de exclusão da responsabilidade por todas as dívidas dele anteriores à transmissão sucessória.

Notificada, a exequente contestou, alegando que o documento que estabelece a cláusula de exclusão da responsabilidade não constitui qualquer testamento, tal como o mesmo vem definido no art. 2179º do Cód. Civil, já que a outorgante não dispôs de forma alguma dos seus bens, além de que, mesmo que o tivesse feito, apenas poderia dispor dos bens integrantes da quota disponível.

Foi proferida decisão que julgou improcedente o incidente.

Inconformado com tal decisão, veio o executado interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES:1ª A questão que se discute no presente recurso é apenas de direito e pode enunciar-se nos seguintes termos: Tendo a Mãe do aqui Executado falecido com testamento em que estabeleceu, ao abrigo do disposto no artº 603º do Cód. Civil, que “todos os bens que seu filho C… haja de receber por sua morte, contenham-se ou não dentro da legítima, lhe são deixados com a cláusula da exclusão da responsabilidade por todas as dívidas dele anteriores à transmissão sucessória” e tendo ele, herdeiro, devedor do Exequente por dívida anterior ao decesso do sua Mãe, feito registar aquela cláusula sobre os bens herdados de sua mãe (por esta identificados no testamento) antes de o Exequente fazer neles registar a penhora, quid iuris: será esta cláusula válida e impeditiva da penhora por os bens não responderem pela dívida exequenda nos termos do direito substantivo, ou aquela disposição não produz qualquer efeito relativamente aos bens que constituem o acervo da herança por, no testamento com que se finou, a mãe do Recorrente “não ter disposto por qualquer forma da totalidade ou parte dos seus bens, já que os não deixou a ninguém em concreto”, não podendo ela ser havida por válida “atendendo a que, tratando-se de disposição patrimonial, não integra um documento subsumível à definição prevista no citado artº 2179º do Código Civil”? 2ª As razões de fundo em que se apoiou o Mº Juiz a quo, para negar validade ou eficácia à cláusula de exclusão de responsabilidade constante do testamento com que se finou a Mãe do Executado, aqui Recorrente, são todas elas improcedentes, analisando-se numa interpretação de natureza meramente conceitual e formalista, levada a cabo completamente fora da realidade que constituiu o alicerce de política legislativa que inspira o regime consagrado no artº 603º do Cód. Civil.

3ª A norma do artº 603º do Código Civil está na lei, não para servir os interesses de um devedor que dela se queira servir para permanecer relapso no pagamento das suas dívidas, senão para servir o relevante interesse do “de cujus” a quem a lei quer assegurar, para depois da sua morte, o direito de evitar que os bens que amealhou e conservou por toda a sua vida, não sejam objecto de penhora para pagamento de dívidas do donatário, do legatário ou do herdeiro que já existissem à data do seu decesso.

4ª Enquanto correcta atitude do intérprete a propósito da determinação do alcance do artº 603º do Cód. Civil, é mister que se tenha presente que o que inspira este comando legal é o respeito à vontade do autor da transmissão gratuita e só ela.

5ª Se é verdade que, a sustentar a legitimidade da cláusula, se vê muitas vezes afirmado que os credores do beneficiário não se podem queixar de verem o seu crédito “desprotegido” com aquela cláusula uma vez que “não podem contar, na data em que foram contraídas as obrigações, com os bens doados ou deixados depois”, verdade é também que este argumento procede quer em relação aos bens abrangidos pela quota legítima, quer em relação aos bens abrangidos pela quota legitimária: primeiro, porque o herdeiro forçoso não tem em relação à herança do de cujos mais do que uma mera expectativa jurídica, não sendo seguro, em termos práticos, que, chegada a morte deste, ainda lhe sobrem bens para transmitir; depois porque os credores, na...

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