Acórdão nº 3061/16.7T8AVR-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução07 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 3061/16.7T8AVR-B.P1 [Comarca de Aveiro / Juízo de Comércio de Aveiro] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B...

, contribuinte n.º ........., residente em ..., Anadia, requereu a declaração de insolvência de C..., casada, contribuinte n.º ........., residente no ..., ..., Anadia, alegando que é credora da requerida da quantia de €179.000,00, a qual devia ter sido paga em Setembro de 2016, não tendo isso sucedido, que a requerida não tem meios para pagar integralmente essa quantia, vem incumprindo de forma generalizada as respectivas obrigações, não tem ocupação profissional nem quaisquer rendimentos à custa dos quais possa honrar os seus compromissos, não dispõe de qualquer património desonerado, estando por isso em situação de insolvência actual.

A requerida apresentou contestação rejeitando que se encontre em situação de insolvência e alegando que o seu património imobiliário bem como os elevados rendimentos que obtém através da actividade de uma empresa de que é proprietária em Angola são suficientes para satisfazer todas as suas obrigações, o que só não tem ocorrido em virtude de a situação naquele país não ter permitido a transferência para Portugal dos rendimentos ali obtidos pela requerida.

Na audiência de julgamento, conforme consta da acta, a requerida: «indicou a omissão da referência do valor dos imóveis identificados nos factos assentes e requereu ao Tribunal que se digne ordenar a avaliação dos bens em causa ou, na alternativa, conceda à requerida prazo para apresentação dessa avaliação».

Sobre esse requerimento incidiu o seguinte despacho: «Salvo devido respeito, o requerimento da requerida é manifestamente extemporâneo e destituído de fundamento legal. Extemporâneo, desde logo, na parte em que aponta supostas omissões na factualidade considerada assente, tendo em conta que, como resulta da acta de fls. 91 e seguintes, a selecção dos factos assentes e da base instrutória foi realizada pelo Tribunal, em colaboração com os ilustres mandatários das partes, sem qualquer reclamação. Sendo censurável por isso, a nosso ver e salvo devido respeito, que a mesma requerida, a pretexto de ser representada por senhor Advogado diverso, venha agora suscitar supostas deficiências que na altura própria esteve muito longe de invocar. Destituído de fundamento legal, salvo melhor opinião, uma vez que, como resulta do disposto nos artºs 25º nº2 e 30º nº1 do CIRE, os meios de prova devem ser apresentados ou requeridos pelas partes, em processo de Insolvência, exclusivamente nos articulados, como bem se compreende, atenta a especial urgência que um processo desta natureza tem, em especial na fase destinada a decidir quanto à insolvência da devedora. Face ao exposto, indefiro ao requerido e, considerando-o estranho ao normal desenvolvimento da lide, condeno a requerida nas custas do incidente, fixando a taxa de justiça em 3 UCs.» Oportunamente foi proferida sentença declarando a insolvência da requerida. Nessa sentença, além do mais, procedeu-se à nomeação para administradora de insolvência da Dr.ª D..., com domicílio profissional em Águeda, consignando-se a este respeito o seguinte: «[decide-se a nomeação da administradora] tendo em conta os princípios da aleatoriedade e rotatividade na nomeação, por um lado, a importância da maior proximidade face aos bens eventualmente a apreender de uma administradora com escritório na comarca, por outro, e ainda a menor relevância das propostas dos interessados por se tratar de processo em que não é requerida a prática de actos que requeiram conhecimentos especiais, embora sem recurso ao programa informático, por ser inviável em audiência de julgamento.» A requerida interpôs então recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1. A insolvente foi notificada do despacho que a condenou em 3 UCs a título de custas do incidente de pedido de avaliação do seu património imobiliário, indeferido por extemporaneidade, e da sentença que declarou a sua insolvência e indeferiu o pedido de nomeação de administrador de insolvência, decisões com as quais não se conforma, pelo que apresenta recurso das mesmas.

  1. Na audiência de julgamento do dia 2 de Março de 2017, o Tribunal a quo procedeu à selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa. Nesse âmbito, fixou como facto assente que a insolvente é proprietária de sete imóveis e que a insolvente tem (apenas) três dívidas, sendo uma a favor da requerente da insolvência, no montante de €179.000,00 - garantida por hipoteca -, outra a favor da Autoridade Tributária no montante de €3.004,13 e outra a favor da E... no montante de €90.000,00.

  2. Ora, perante estes factos, revelava-se imprescindível para a boa decisão da causa que o património imobiliário em causa fosse avaliado pelo Tribunal, o que a insolvente requereu na audiência de julgamento seguinte.

  3. Sucede que o Tribunal a quo prontamente indeferiu o requerido, com fundamento na sua extemporaneidade e condenou a insolvente em 3 UCs de custas pelo incidente.

  4. Embora os artigos 30º n.º 1 e 25º n.º 2 CIRE prevejam que os meios probatórios sejam oferecidos com os articulados, a verdade é vigora no processo de insolvência o princípio do inquisitório, plasmado no art. 11º CIRE. Este princípio permite ao juiz fundamentar a sua decisão em factos não alegados pelas partes e constitui um meio complementar de investigação de factos reputados com interesse para a decisão a proferir, independentemente de alegados ou não pelas partes.

  5. Face ao exposto, o Tribunal não só deveria ter admitido a avaliação requerida como deveria tê-la ordenado por sua própria iniciativa, ao abrigo do princípio do inquisitório, uma vez que a petição inicial era omissa de qualquer prova que permitisse fundamentar a alegação pobre e sucinta que foi feita dos factos-índice previstos no art. 20º CIRE.

  6. Por este motivo, deverá ser revogado o despacho que indeferiu a avaliação dos imóveis, requerida em sede de audiência de julgamento e que condenou a insolvente em custas no montante de 3 UCs.

  7. Ao contrário do decidido, a recorrente não se encontra em situação de insolvência.

  8. Como se referiu supra, resulta dos factos provados 4 e 5 que a recorrente é proprietária de 7 imóveis, que não foram avaliados nos presentes autos.

  9. Por outro lado, resultou provado que a recorrente tem dívidas no montante de €179.000,00 (facto provado 2), €3.004,13 (facto provado 6), €90.000,00 (facto provado 7), no valor global de €272.004,13.

  10. Em lado algum resultou provado que o valor dos referidos 7 imóveis é insuficiente para garantir o pagamento do valor em dívida, estando a recorrente impossibilitada de cumprir com as suas obrigações vencidas.

  11. Não resultou provado qualquer facto que permita concluir pela insolvência da recorrente nos termos previstos no art. 20º CIRE. Não é pelo facto de durante o decorrer do julgamento a Recorrente não ter procedido ao pagamento da importância em dívida que determina a sua situação de insolvência.

  12. Por outro lado, ao contrário do ali referido, a dívida fiscal (facto provado 6) é insignificante e está abrangida por um plano de pagamentos que está em cumprimento, tal como a dívida constante do facto provado 7, relativa a um mútuo cujas prestações estão em dia.

  13. O Tribunal comete um erro de julgamento ao não distinguir a liquidez/iliquidez do facto do activo ser inferior/superior ao passivo, pois além da prova documental constante dos autos - que como se referiu não tem esse virtuosismo -, não foi produzida qualquer prova adicional que permita concluir que “está caracterizada, pois, a situação de insolvência da requerida”.

  14. Face ao exposto, nunca poderia/deveria ter sido declarada a insolvência sem, pelo menos, antes avaliar o valor real dos imóveis e apurar junto dos beneficiários da garantia o valor actual da dívida, pelo que, também por este motivo, deverá ser revogada a sentença que declarou a insolvência da recorrente.

  15. Para terminar, a recorrente requereu em sede de audiência de julgamento a nomeação como administrador de insolvência o Exmo. Sr. Dr. F... por ter do mesmo excelentes referências quanto às suas capacidades técnicas e profissionais.

  16. Não obstante, o Tribunal a quo nomeou um administrador de insolvência diferente daquele que foi proposto pela insolvente, sem recurso ao sistema informático do sorteio e sem apresentar fundamentos que justifiquem essa decisão, limitando-se a referir em plena audiência, sem qualquer suporte documental, o seguinte: “esse senhor administrador já tem muitos processos”, “acha melhor nomear um AI da comarca” e “o programa do sorteio não funciona, não devolve resultados”.

  17. Ora, não pode recorrente concordar com tal decisão, pois o tribunal tem o dever constitucionalmente previsto de fundamentar todas as suas decisões (art. 205.º n.º 1 CRP e 615.º n.º 1 al. b) do nCPC), sob pena de nulidade da sentença.

  18. Ao contrário do exigido, o tribunal nomeou, sem recurso ao programa de sorteio, um administrador da comarca, com natural proximidade à requerente e à sua Ilustre Mandatária - que também é administradora de insolvência na comarca - e, como tal, sem que reúna os necessários requisitos de isenção e independência.

  19. Por outro lado, não fundamenta o afastamento da indicação apresentada pela recorrente, limitando-se a referir verbalmente que o AI em causa tem muitos processos, sem contudo fundar tal alegação em qualquer facto, e ignorou os citados princípios da aleatoriedade e rotatividade na nomeação ao fazê-lo sem recurso ao programa informático.

  20. Pelo que, também esta decisão é ilegal e deverá ser revogada.

    A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.

    A recorrente não efectuou o depósito da taxa de justiça correspondente ao recurso, tendo, no final das suas alegações, mencionado encontrar-se «isenta de custas, nos termos do art. 4.º, n.º 1...

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