Acórdão nº 2222/16.3T8VFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelLINA BAPTISTA
Data da Resolução27 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 2222/16.3T8VFR.P1 Comarca: [Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira (Juiz 2); Comarca de Aveiro] Relatora: Lina Castro Baptista Adjunto: Fernando Samões Adjunto: Vieira e CunhaSumárioI - As providências cautelares, na falta de regime especial, regem-se pelas regras gerais dos art.º 30.º e ss. do C.P.Civil atinentes à legitimidade processual.

II - Assim, a legitimidade de Requerente e Requerida numa providência cautelar há-de aferir-se por referência aos titulares dos interesses jurídicos relevantes, quer no lado ativo (em demandar), quer no lado passivo (em contradizer).

III - Na providência cautelar de entrega judicial (art.º 21.º do D.L. n.º 149/95, de 24 de julho) os titulares do interesse juridicamente relevante são, pelo lado ativo, a locadora e, pelo lado passivo, a locatária.

IV - A declaração de insolvência do locatário não prejudica ou contende, por qualquer forma, com esta fixação da legitimidade pelo lado passivo, uma vez que os bens objeto da locação financeira não integram a massa insolvente.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO“B…, S.A.”, pessoa coletiva com sede na Avenida …, n.º .., …, Lisboa, instaurou o presente procedimento cautelar de entrega judicial contra MASSA INSOLVENTE DE “C…, LDA.”, sociedade com sede na Zona Industrial de … – …, n.º …, Santa Maria da Feira, pedindo que se ordene a entrega judicial de três viaturas marca “Opel”, modelo “…”, com as matrículas n.º .. – JV - .., .. – JV - .. e .. – JV - .., e que o Tribunal se pronuncie pela resolução definitiva do presente caso, julgando-se definitivamente pela entrega dos referidos bens.

Alega, em síntese, que, no exercício da sua atividade, celebrou com a Requerida, em 20/10/2010, um contrato de locação financeira, tendo por objeto cinco viaturas (aqui se englobando as acima referidas) e um valor de financiamento de €50 355,25, a pagar em 48 rendas mensais.

Expõe que a Requerida não procedeu ao pagamento pontual das rendas devidas, tendo procedido à resolução do contrato, através de carta de 12/01/2016.

Afirma que o Administrador da Insolvência nomeado, em 27/04/2016, se pronunciou pelo não cumprimento do contrato.

Foi proferido decisão, sem audiência prévia da Requerida, que julgou o presente procedimento cautelar procedente e, em consequência, ordenou a imediata entrega à Requerente dos veículos de marca “Opel”, modelo “…”, com as matrículas n.º .. – JV - .., .. – JV - .. e .. – JV - .., identificados no petitório.

Citada, a Requerida veio apresentar Oposição, contrapondo que a sociedade devedora, após declaração de insolvência, em 28/01/2015, requereu a administração pelo devedor, em virtude de manifestar intenção de apresentar Plano de Recuperação de Empresa – o que veio a ser deferido.

Diz que, tendo a Requerida apresentado Plano de Recuperação de Empresa, o mesmo não mereceu homologação por parte do Tribunal.

Alega que nunca tomou posse das instalações fabris da devedora nem do seu ativo.

Pede que a presente providência cautelar seja julgada improcedente, por não provada, com a sua absolvição do pedido e requer a intervenção nos autos do gerente, Dr. D….

Sequencialmente, foi proferido despacho nos autos com o seguinte teor: “(…) Se bem percebemos, a requerida aparenta querer invocar a sua ilegitimidade. Aliás, o pedido de intervenção reforça essa asserção. Todavia, não assiste razão à requerida. A requerente acordou com a sociedade C…, UNIPESSOAL, LDA., um contrato de locação financeira automóvel. Uma vez que não foi cumprido, lançou mão da providência cautelar estabelecida no art.º 21.º do DL n.º 149/95: providência intentada pelo locador contra o locatário. Ora, à data da providência, aquela sociedade tinha sido declarada insolvente, pelo que a providência foi referida contra a Massa insolvente da empresa C…, UNIPESSOAL, LDA., face ao disposto no art.º 81.º, n.º 1 e 4 do CIRE. Isto é, por força daquele contrato, a providência requerida apenas poderia ser interposta contra a requerida e não contra outra pessoa que não é parte no contrato. E isto independentemente dos automóveis estarem ou não na posse da requerida, se foram apreendidos à massa ou se foram dissipados por outrem, pois isso apenas contende com a eficácia da medida e não com a sua procedência substantiva. Pelo exposto, sem necessidade de produção de prova face ao teor da oposição apresentada, indefere-se a mesma. Custas pela requerida.” Inconformada com esta decisão, a Requerida recorreu, terminando com as seguintesCONCLUSÕES:I. A Recorrida, B… – Instituição Financeira de Crédito, S.A. intentou contra a massa insolvente, aqui recorrente, providência cautelar de entrega judicial, tendo alegado que “no exercício da sua atividade, a requerente celebrou com a requerida, um contrato de locação financeira, tendo por objeto cinco viaturas marca Opel, modelo …, com as matrículas .. – JV - .., .. – JV - .., .. – JV - .. e .. – JV - ...

  1. A sociedade locatária foi declarada insolvente, por sentença datada de 11-12-2014, processo de insolvência a correr termos sob o n.º 1891/14.3T8OAZ.

  2. Após a declaração de insolvência, a gerência da sociedade devedora requereu a administração pela devedora tendo manifestado intenção em apresentar Plano de Recuperação de Empresa, o que veio a acontecer.

  3. Porém, o referido Plano de Recuperação, ainda que obtivesse a aprovação pela maioria dos credores, não foi homologado pelo Tribunal de 1ª Instância, nem pelo Tribunal da Relação do Porto, sendo que o Acórdão foi rececionado em 11/04/2014.

  4. O contrato de locação financeira foi resolvido pela locadora, por carta datada de 12-01-2016.

  5. Os veículos objeto do indicado contrato de leasing nunca foram apreendidos para a massa insolvente.

  6. O Administrador Judicial optou pelo não cumprimento do contrato de locação financeira.

  7. Razão pela qual a requerida/aqui recorrente destes autos de providência cautelar insurge-se contra a sentença proferida, porquanto a massa insolvente não tem como proceder à entrega dos veículos objeto de leasing, na medida em que os mesmos não foram apreendidos nos autos de insolvência.

  8. Apesar de dissolvida, em consequência da sua declaração de insolvência, a sociedade mantém a sua personalidade jurídica e judiciária, nos termos conjugados dos artigos 146.º, n.º 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais e artigo 5.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.

  9. Ao contrário do aliás douto entendimento do tribunal a quo, a declaração de insolvência da sociedade locatária não conduziu à sua imediata extinção, pelo que esta, à data da resolução do contrato de leasing, ainda detinha personalidade jurídica e, logo, personalidade judiciária (artigo 5.º, n.º 2, do CPC).

  10. Impunha-se ao tribunal a quo distinguir o pressuposto processual da legitimidade – titularidade dos sujeitos da pretensão – com a questão do mérito da causa – saber se aquando da resolução do contrato havia ou não massa insolvente representada pelo Administrador Judicial.

  11. A representação da sociedade insolvente pelo Administrador Judicial após a declaração de insolvência circunscreve-se aos aspetos de caráter patrimonial que interessem à insolvência, conforme artigo 81.º, n.º 4, do CIRE, sendo que os poderes de administração e de disposição que lhe são transferidos referem-se tão somente aos bens integrantes da massa insolvente.

  12. A regra ínsita no artigo 81.º do CIRE que determina que após a declaração de insolvência a gerência da empresa insolvente fica privada dos atos de gestão/administração encontra uma exceção no Capítulo X do CIRE – Administração pelo devedor.

  13. Com efeito, não estando, como efetivamente não estamos perante bens apreendidos para a massa insolvente, afigura-se ser a requerida – massa insolvente – parte ilegítima – na perspetiva da legitimidade processual que nos dá o artigo 26.º do CPC – para o presente procedimento cautelar, devendo, por isso, a exceção de ilegitimidade processual passiva ser julgada procedente e, em consequência, ser admitida a intervenção da gerência da...

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