Acórdão nº 1374/15.4T8STS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelLINA BAPTISTA
Data da Resolução27 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1374/15.4T8STS.P1 Comarca: [Juízo Local Cível de Santo Tirso (Juiz 2); Comarca do Porto] Relatora: Lina Baptista Adjunto: Fernando Samões Adjunto: Vieira e CunhaSumárioI – Em tese geral, a declaração de insolvência da sociedade locatária não prejudica ou altera, por qualquer forma, a adequação processual da providência cautelar prevista no art.º 21.º do D.L. n.º 149/95, de 24 de junho ou a legitimidade das respetivas partes primitivas, uma vez que os bens objeto da locação financeira não integram a massa insolvente.

II – No entanto, a circunstância do veículo automóvel objeto do contrato de locação financeira ter sido indevidamente apreendido para a massa insolvente altera o enquadramento jurídico da questão.

III – Nestas situações, a locadora terá que recorrer ao mecanismo legal de separação de bens da massa, consagrado nos art.º 141.º e ss. do CIRE, sob pena de se verificar uma situação de manifesto erro no meio processual.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO“B…”, pessoa coletiva com sede na Rua …, n.º …/…, Lisboa, instaurou o presente procedimento cautelar de entrega judicial contra “C…, LDA.”, sociedade com sede …, Santo Tirso, pedindo que se ordene a entrega do equipamento identificado no requerimento inicial, dotado de eventuais benfeitorias efectuadas ao abrigo do contrato de locação financeira mobiliário celebrado entre as partes, e que se antecipe o juízo sobre a causa principal.

Alega, em síntese, que, no exercício da sua atividade, celebrou com a Requerida, em 04/05/2009, um contrato de locação financeira mobiliária, tendo por objeto uma viatura da marca “Renault”, modelo “…”, com a matrícula n.º .. – HQ - .., Afirma ter sido convencionado que o contrato teria a duração de 60 meses, correspondendo a 56 rendas de periodicidade mensal e constante, constituindo a primeira o valor de €7.750,00 e as restantes 55 o valor de €1.380,30.

Expõe que a Requerida deixou de proceder ao pagamento das rendas a que se obrigou no âmbito do contrato, tendo procedido à resolução do mesmo, através de carta de 24/02/2014.

Citada a Requerida na pessoa da sua legal representante, veio esta apresentar Oposição, invocando a nulidade da citação, com fundamento na circunstância de a sociedade requerida ter sido declarada insolvente e defendendo que a citação deveria ter ocorrido na pessoa do Administrador da Insolvência.

Exceciona a sua ilegitimidade para os termos da providência, alegando que, enquanto gerente da sociedade, não é subscritora nem outorgante no contrato dos autos e que a viatura faz parte dos bens apreendidos à insolvente no Processo de Insolvência.

Invoca a ocorrência de uma situação de litigância de má fé por parte da Requerente e da Administradora da Insolvência.

Conclui pedindo que a presente providência seja julgada totalmente improcedente por não provada. Mais pede que sejam consideradas e julgadas procedentes por provadas as exceções deduzidas com as legais consequências. Bem como que seja julgado totalmente procedente, por provado, o pedido de litigância de má fé, sendo a Requerente e a Sr.ª Administradora da Insolvência condenadas em multa e indemnização, no valor de €30.000,00.

Foi proferido despacho nos autos, com o seguinte teor (resumido): “(…) Em face do alegado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, é inegável que entre ambas foi celebrado um contrato de locação financeira. (…) Ora, resulta dos autos que a Requerida foi julgada insolvente por sentença, datada de 31.1.2011 – Cf. fls. 50 verso e ss., transitada em julgado em 23.03.2011 – Cf. fls. 75 e ss., tendo o veículo objeto de tal contrato de locação sido apreendido para a massa insolvente da Ré, como resulta de fls. 55 a 56. Por email datado de 13.04.2012, a Sr.ª Administradora informou a Requerente de que não pretendia cumprir o referido contrato de locação. (…) No caso em análise, a Requerente não discrimina as datas de vencimento das rendas cujo incumprimento alega como causa de resolução do contrato, não alega se são anteriores ou posteriores à declaração de insolvência. Todavia, e uma vez decretada a insolvência, procede-se à imediata apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente, a qual abrange todo o património do devedor à data da insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo, neles se incluindo os bens de que o insolvente fosse mero possuidor em nome alheio, como é o caso dos bens locados cujos montantes de locação vigoravam à data da declaração de insolvência, sendo o insolvente o locatário – Cf. artigos 46.º, n.º 1, 141,º, n.º 1, alínea a), 149.º, n.º 1, todos do CIRE. Daqui se conclui que o veículo objeto do contrato de locação dos autos, ainda em vigor à data da declaração de insolvência (31.01.2011), tivesse sido apreendido, como foi, a favor da massa, conforme resulta de 55 a 56. A declaração emitida em 2012 pela Sra. Administradora da Insolvência de que não pretendia cumprir o contrato é inócua, no caso em concreto, pois o que deveria ter feito seria denunciar o mesmo, conforme o já citado artigo 108.º, n.º 1, do CIRE. Não o tendo feito, o contrato dos autos manteve-se em vigor até á data da sua resolução pela locadora, ora Requerente, operada em 24.02.2014. Do exposto resulta que o meio processual adequado para a restituição dos bens a seus donos, bens esses apreendidos para a massa insolvente, mas que o insolvente fosse mero possuidor em nome alheio é o procedimento relativo à reclamação e graduação de créditos, nos termos do disposto no artigo 141.º, n.º 1 do CIRE, o que se justifica pois tendo sido, ou devendo sê-lo, o bem objeto da locação apreendido para a massa insolvente, enquanto eventual instrumento para a recuperação da empresa compreendida nesta, só a massa insolvente o poderá restituir e não o devedor que o deixou ou o deveria deixar de possuir e caso tal restituição não ocorra por iniciativa do administrador da insolvência – cf. artigo 141.º, n.º 3, do CIRE - , a verificação do direito à restituição terá de ser reconhecida e ordenada nos termos e condições prescritos para a reclamação de créditos. (…). Em face de tudo quanto se expôs, verifica-se que a presente providência cautelar de entrega judicial não é o meio adequado para a pretensão da Requerente. A inadequação do meio processual constitui uma exceção dilatória inominada, porquanto constitui um obstáculo a que o Tribunal conheça do mérito da causa, conduzindo à absolvição da instância, nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 2 e 578.º, ambos do Código de Processo Civil. (…) Em face do exposto, o Tribunal abstém-se de conhecer do mérito da causa e, em consequência, absolve a Requerida da presente instância, por se verificar inadequação do meio processual.(…)” Inconformada com esta decisão, a Requerente recorreu, terminando com as seguintes CONCLUSÕES (que se resumem, por serem uma mera reprodução das alegações apresentadas): I - O Tribunal a quo proferiu sentença em que absteve-se de conhecer do mérito da causa e, em consequência, absolveu a Ré da instância, porquanto considerou existir inadequação do meio processual, em virtude da insolvência da Requerida, ora Recorrida, entendendo que a Recorrente deveria ter intentado uma ação de restituição e separação de bens, prevista no artigo 141.º do CIRE, ao invés do procedimento cautelar.

II - Esta matéria vem prevista nos artigos 81.º e seguintes do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), sendo mais relevante, para o caso, os artigos 88.º e 85.º do CIRE.

III - In casu, o bem locado não pertence à massa insolvente, mas à aqui Recorrente, pelo que os preceitos legais relativos à insolvência não são aplicáveis ao presente procedimento cautelar.

IV - Não poderia o Tribunal a quo absolver a Ré da instância com base na sua declaração de insolvência.

V - O Tribunal a quo violou o direito de acção da aqui Recorrente (cf. art.º 2.º do CPC) e bem, assim, violou o disposto no artigo 88.º do CIRE.

VI - Refira-se ainda...

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