Acórdão nº 1985/08.4TBVNG.3.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelRODRIGUES PIRES
Data da Resolução27 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 1985/08.4TBVNG.3.P1 Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia – Instância Central – 5ª Secção de Família e Menores – J1 Apelação Recorrente: C… Recorridos: D…; Ministério Público Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIONos presentes autos de incumprimento do regime de visitas fixado em acção de regulação das responsabilidades parentais, que diz respeito à menor B…, vem o seu progenitor e requerente pedir que se agende uma visita da menor a casa do pai, com o intuito desta conhecer os seus irmãos, devendo para o efeito a visita ocorrer num sábado à tarde depois da hora de almoço, sendo aí levada por um terceiro que não a mãe nem os avós maternos e que se ausente imediatamente de seguida, cabendo ao pai entregar a menor em casa da mãe no máximo às 21.00 h.

No requerimento inicial do presente incidente o progenitor requereu também a condenação da requerida em sanção pecuniária compulsória por cada incumprimento que venha a ocorrer e também em multa condigna e indemnização não inferior a 750,00€.

A progenitora opôs-se, manifestando-se pelo indeferimento do requerido.

O Min. Público pronunciou-se, pugnando pela verificação do incumprimento, e pela notificação da progenitora para sugerir os moldes da retoma das visitas, após o que se passaria para os procedimentos coercivos previstos no artº. 41º, nºs. 5 e 6, do RGPTC (Regime Geral do Processo Tutelar Cível).

Posteriormente, viria a ser proferida decisão judicial, datada de 18.3.2017, que se passa a transcrever (fls. 406/407): “ (…) Resumindo o que se passou nestes autos desde o seu início em janeiro de 2015, e no sentido de se ultrapassar o incumprimento: -foi realizada conferência de progenitores; -foi ouvida a menor B…, tudo conforme fls. 62 a 65; -foi proferido despacho a fls. 92 elucidando quais os meios coercivos ao dispor do requerente para fazer cumprir o regime em vigor; -foi pedida a mediação na questão das visitas à delegação da E…; -foram passados mandados nos termos do despacho de fls. 206, com os resultados que constam a fls. 226/235; -foi determinada a intervenção técnica especializada da S.S., conforme despacho de fls. 243, e com o resultado que consta a fls. 270 e 271; destaca-se “Face à repetição de posturas não consensuais relativamente aos convívios e à ausência de uma proposta conjunta no sentido de inverter tal situação, perspectiva-se uma cristalização das posições que inviabilizam a reconstrução dos vínculos relacionais entre a criança e a figura paterna. Tais dinâmicas posicionam a B… numa situação de vulnerabilidade, sendo colocada, no conflito parental, numa situação paradoxal face a alegada posição de escolha que terá vindo a gerar um quadro de ansiedade face ao qual também as figuras parentais assumem posturas diferenciadas relativamente ao apoio a proporcionar à filha, sendo que o recurso a apoio terapêutico, para além da avaliação psicológica da menor e dos pais, representará o enquadramento mais favorável em que os progenitores poderão equacionar as dimensões não resolvidas da gestão da parentalidade.”; -foi realizada nova conferência de progenitores conforme fls. 317 a 320; -foram realizadas avaliações psicológicas à menor e aos pais, tudo com o resultado que consta a fls. 366 a 380, destacando-se: “No que ao progenitor [respeita], a Martinha exibe um discurso rígido e circular face aos motivos da rejeição daquele. A evidente conflituosidade entre os dois agregados, com o consequente envolvimento da menor nos mesmos parece ser a principal dinâmica psicológica a ter em consideração na análise da experienciação subjetiva, por parte da examinada, dos eventos que lhe estão associados. Quer isto dizer, que os sentimentos contraditórios e de elevada ambivalência demonstrados pela examinada face ao pai, parecem resultar, sobretudo, da história da relação conflituosa dos pais. (…) O seu discurso revela total lealdade para com a mãe (e família materna), avaliando, a maior parte das vezes, as situações na perspectiva daquela(es) e não de filha. Esta postura parecer ser, de resto, reforçada pela progenitora (e rede familiar alargada), não parecendo aquela(es) estar(em) capaz(es) de reconhecer a importância significativa da presença do pai na vida da B… (…) Toda esta conjuntura, tem colocado a B… numa posição de grande vulnerabilidade, dando já a menor sinais de alguma instabilidade em termos psicoemocionais, revelando sintomatologia sobretudo de natureza ansiosa. (…) (…) dada toda esta conjuntura, e sob pena de não contribuirmos para uma maior revitimização da B…, encerramos o processo de avaliação/intervenção por não se considerar estarem reunidas as condições mínimas para prosseguir com a mesma. (…) enquanto a progenitora mantiver (impunemente) a postura de completa alienação do pai da vida da menor; reforçando na criança afetos negativos face ao mesmo, denegrindo a imagem daquele e desvalorizando o seu papel parental; não reconhecendo nem avaliando criticamente o facto de não estar a proteger a filha ao expô-la a assuntos que só aos adultos deveriam dizer respeito, não estarão reunidas condições para levar a cabo uma aproximação da criança ao pai. Forçar uma aproximação nestas condições é altamente negativo, na medida em que tal obriga a B… a lidar com sentimentos de muito difícil gestão emocional, com grande potencial traumático – nomeadamente lidar com o grande conflito de lealdade e aliança criada com a mãe. A B… já deu mostras, de resto, que não consegue gerir adaptativamente estas situações de elevada exigência emocional, procurando uma gestão patológica destes estados emocionais afectivos (e.g., ferrar-se; recusar falar; ficar verbalmente agressiva e emocionalmente desorganizada). “.

*Relativamente à verificação objectiva da situação de incumprimento do regime de visitas, o Tribunal já o deu por verificado e a situação mantém-se. O regime de visitas não está a ser cumprido.

Ora, independentemente da prova testemunhal que pudesse vir a ser produzida, independentemente do juízo de culpa que possa vir a ser feito sobre a conduta da mãe, cremos que em sede tutelar cível nenhuma outra medida pode ou deve ser levada a cabo para cumprimento coercivo do regime de visitas.

Estamos perante um caso que extravasa o jurídico e entra na esfera da saúde mental. A B… é, em todo este processo entre os pais, uma vítima. Mas cresceu e foi formando a sua personalidade, e, manipulada ou não, criou a sua própria vontade de não estar com o pai; a B… não quer estar com o pai devido aos sentimentos contraditórios que isso lhe acarreta.

O Tribunal já levou a cabo diversas medidas e nenhuma surtiu efeito.

Manter a pressão sobre a B…, como resulta das conclusões da S.S. e do F…, só irá piorar a sua desorganização emocional, a sua instabilidade, só irá contribuir para a vitimizar ainda mais.

Portanto, está fora de questão, parece-nos, a adoção de medidas coercivas ou impositórias (sobre a B…) do regime de visitas. Não tem nomeadamente cabimento, salvo melhor opinião, o agora requerido pelo progenitor, desde logo porque impraticável e abstracto. Que terceiro poderia aqui ter intervenção, quando o Tribunal já se socorreu da E… e da entidade policial sem sucesso? Em suma, o superior interesse da menor, neste estado de coisas, e ponderando o direito de convívio com o pai (o direito a “ter pai”) de um lado, e a sua integridade emocional do outro, leva-nos a optar por proteger a sua saúde mental. Trata-se da prevalência do seu direito de personalidade nessa valência (artºs. 18º, nº. 1, e 25º, nº. 1, da CRP, e 335º, nº. 2, C.C.. Analisando uma situação com semelhanças com a dos autos, veja-se o Ac. da Rel. do Porto de 19/03/2015, proferida no processo 7723/09.7TBVNG.1 deste Tribunal.

Entendemos também e por isso que a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, face a conclusão “supra”, não pode ter lugar. Trata-se do respeito pela vontade, ainda que manipulada, da menor.

A questão da indemnização também peticionada...

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