Acórdão nº 725/12.8GBVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelELSA PAIX
Data da Resolução27 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 725/12.8GBVFR.P1 Instância Central de Santa Maria da Feira – 2ª Secção Criminal (J3) – da Comarca de Aveiro Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO Na Instância Central de Santa Maria da Feira – 2ª Secção Criminal (J3) – da Comarca de Aveiro, no processo comum coletivo nº 725/12.8GBVFR foram submetidos a julgamento os arguidos B… e C…, tendo sido proferida decisão com o seguinte dispositivo: Por tudo quanto antecede, acorda este Colectivo em decidir: 4.1 julgar a acusação pública parcialmente procedente, nos seguintes termos: 4.1.1 condena-se o arguido B…, pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto pelo art. 218º/1 do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, sob a condição de pagar à Demandante D…, Lda. a quantia de € 4.805,09 (quatro mil, oitocentos e cinco euros e nove cêntimos), correspondente a metade da quantia infra mencionada em 4.2, à qual se imputará, uma vez liquidada; 4.1.2 condena-se o arguido C…, pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto pelo art. 218º/1 do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, sob a condição de pagar à Demandante D…, Lda. a quantia de € 4.805,09 (quatro mil, oitocentos e cinco euros e nove cêntimos), correspondente a metade da quantia infra mencionada em 4.2, à qual se imputará, uma vez liquidada; 4.1.3 absolvem-se os arguidos quanto ao crime de de simulação de crime que lhes vinha imputado; 4.2 julga-se parcialmente procedente o pedido de indemnização civil, condenando-se solidariamente os arguidos a pagarem à Demandante D…, Lda. a quantia de € 9.616,18 (nove mil, seiscentos e dezasseis euros e dezoito cêntimos), acrescida de juros de mora, a contar da notificação da dedução do pedido e até efectivo e integral pagamento, no mais sendo absolvidos.

*Os arguidos pagarão metade das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça individual em três u.c. [arts. 513º e 514º do C.P.P., 8º/5 do R.C.P. e a Tabela III anexa).

Custas cíveis por Demandante e Demandados, na proporção dos decaimentos (art. 527º/1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 4º do Código de Processo Penal).

Deposite.

Após trânsito: a) remeta boletins; b) comunique à DGRSP.

***Inconformados com a sentença condenatória, os arguidos B… e C…, conjuntamente, vieram interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1. A questão objecto destes autos é de natureza meramente civil, já que sendo intenção dos arguidos salvar a empresa, competia aos fornecedores decidir se lhes concediam crédito ao não, o que consubstancia uma actuação perfeitamente corrente do giro comercial diário entre empresas, 2. Os arguidos, enquanto gerentes da E…, Lda.", em momento algum utilizaram de qualquer astúcia, esquema ou ardil para induzir a assistente em erro, aliás, o que resulta dos factos provados onde inexiste qualquer facto que consubstancie esse "esquema astucioso".

  1. Para apurar o elemento psicológico dos arguidos, temos necessariamente de nos reportar à data de 16 de Julho, data da acta que deliberou a apresentação da empresa à insolvência de fls. 127 dos autos, pois os factos pelos quais acabaram por vir a ser condenados (a realização de duas encomendas de peles à "D…, Lda.") ocorreram nos dias 17 e 30 de Julho de 2012.

  2. O tribunal recorrido andou mal na valoração da prova, particularmente do depoimento das testemunhas F…, G… e H… (cujas passagens dos seus depoimentos acima transcritos aqui se dão por reproduzidos, brevitatis causa) que afirmaram ser intenção dos arguidos, em Julho de 2012, apresentar a empresa "E…, Lda." à insolvência para, daí, ser elaborado um plano de recuperação, razão pela qual, continuando a empresa em laboração, necessariamente teria de continuar a adquirir mercadorias.

  3. O Tribunal recorrido valorou mal a prova quando apreciou o testemunho do Senhor Administrador de Insolvência, Dr. I…, já que do depoimento deste resultou por demais evidente que, antes de Setembro de 2012, não teve contacto com a empresa "E…, Lda." nem com os arguidos, motivo pelo qual não se pode valorar o seu depoimento em detrimento daqueles três que se referiram a uma data quanto à qual o Administrador não pode depor porquanto não tem conhecimento de nada.

  4. Tendo a testemunha Dr. I… conhecimento dos factos a partir de Setembro de 2012, nada poderia elucidar acerca da intenção dos arguidos em Julho do mesmo ano.

  5. Mesmo que o Tribunal a quo não tivesse ficado convencido com a bondade desta tese da recuperação de empresa à data de 16 de Julho, a verdade é que, na ausência de quaisquer outros elementos, designadamente a letra ou espírito da acta de 16 de Julho e o facto do Senhor Administrador de Insolvência só em Setembro ter contactado com os arguidos, por força do princípio ín dúbio pro reo, é esta, ao cabo e ao resto, a realidade que deve ser acomodada, tando mais que três testemunhas a elas se referiram com conhecimento pessoal, directo e contemporâneo a Julho de 2012.

  6. No caso sub judice, o douto tribunal considera astúcia suficiente o facto de os arguidos e a assistente já terem relações comerciais há vários anos, apresentando-se os arguidos como pessoas sérias e cumpridoras, motivo pelo qual o assistente confiava neles - é esta a "astúcia" que consta da acusação - o que é manifestamente insuficiente para o preenchimento do tipo legal de crime.

  7. No presente caso, inexiste qualquer facto provado donde resulte astúcia ou especial ardil na actuação dos arguidos pois estes, na verdade, apenas actuaram como sempre fizeram, com a empresa D…, nada tendo feito ou dito de anormal para que esta lhe vendesse peies, ou seja, nunca tendo praticado qualquer conduta que levasse a assistente a tomar determinada acção diferente da habitual.

  8. Para que um facto seja astucioso não basta qualquer mentira, é necessário um "especial requinte fraudulento" ou uma "mentira qualificada", o que in casu não consta ou decorre dos factos provados.

  9. Como resulta do espírito do próprio acórdão da 1ª instância, não houve qualquer enriquecimento individual, pessoal, dos arguidos, porque, pelo prisma da acusação, esse enriquecimento resultaria se tivesse havido uma simulação de um assalto através da qual as peies acabassem por ingressar no património individual dos arguidos - essa era a tese do libelo acusatório.

  10. O Tribunal a quo errou no ponto 3) dos factos provados, já que tal matéria não resultou de qualquer meio de prova, antes sendo um mero acto de fé do Tribunal e, como tal, escapa à sindicância e controlo dos arguidos.

  11. O Tribunal a quo voltou a errar quando, em 15) dos factos provados, assenta que os arguidos visaram "...obter para si próprios, como obtiveram, um enriquecimento a que sabiam não ter direito...", já que não há qualquer facto provado donde resulte a apropriação para os arguidos, a título pessoal, das peles, pelo que jamais poderia ter sido dado por provado que eles tivessem obtido qualquer ganho.

    14, Quanto muito, tal enriquecimento teria ocorrido na esfera da empresa E…, Lda., mas nunca dos arguidos a título individual, já que não se provou, sequer, qual era a forma translativo em que os arguidos iriam fazer suas, a título pessoal, as peles que a E…, Lda. adquiriu à Assistente, peio que estaríamos perante responsabilidade criminal da "E…, Lda.", a única beneficiária dos factos.

  12. A "E…, Lda." nunca foi constituída arguida nestes autos, pelo que se verifica uma nulidade insanável, dado que, foi o património societário da "E…, Lda," que, quando muito, se locupletou com as peles adquiridas à Assistente.

    Termos em que, decidindo pela procedência do Recurso dos Arguidos/Recorrentes, farão V. Exas., Venerandos Desembargadores, costumada Justiça.

    ***O recurso foi admitido (cfr. despacho de fls. 869).

    ***Em resposta ao recurso, a assistente D…, Lda. concluiu pela sua improcedência e manutenção da decisão recorrida.

    Também o Ministério Público apresentou resposta ao recurso em que pugnou que lhe seja negado provimento e confirmado o acórdão recorrido.

    ***Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

    ***Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

    ***II – FUNDAMENTAÇÃO Passemos agora ao conhecimento das questões alegadas no recurso interposto da decisão final proferida pelo tribunal coletivo.

    Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida.

    Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respetiva motivação, constantes do acórdão recorrido (transcrição): 2. Fundamentação de facto 2.1 Factos provados Realizada a audiência de julgamento, dela resultaram provados com interesse para a decisão os seguintes factos: 1) Os Arguidos foram desde 2001 os únicos sócios-gerentes da empresa E…, Lda., com sede no Lugar …, …, …, que se dedicava ao fabrico de calçado.

    2) Ao longo de vários anos estabeleceram relações comerciais com a Assistente D…, Lda., sita em …, município de Santa Maria da Feira, adquirindo-lhe peles para a produção de sapatos, pagando-as sempre atempadamente.

    3) Em data não concretamente apurada, não posterior a 17 de Julho de 2012, os arguidos gizaram um plano com vista à aquisição de peles à dita firma, em quantidades e valores superiores aos que normalmente a «E…» adquiria, com a intenção de se eximirem ao seu pagamento e de posteriormente as venderem, a título pessoal, locupletando-se com os montantes realizados.

    4) Decidiram então que, após a aquisição da mercadoria, apresentariam a «E…» à insolvência.

    5) Os arguidos, em representação da «E…», compraram à sociedade D…, Lda., no mês de Julho, as seguintes mercadorias...

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