Acórdão nº 187/08.4FBAVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelDONAS BOTTO
Data da Resolução27 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 187/08.4FBAVR.P1 Acordam em Conferência no Tribunal da Relação do Porto Os arguidos B… e C… foram absolvidos dos crimes de fraude sobre mercadorias; contrafacção, imitação e uso ilegal de marca e venda; circulação ou ocultação de produtos ou artigos.

Inconformada, veio a assistente D…, S.A. interpor recurso da sentença que os absolveu, alegando que os factos dados como provados sob os n.º s 14. e 15. não são, por si só, susceptíveis de constituir causa para afastar a culpa dos arguidos no que respeita aos crimes pelos quais se encontravam acusados, dizendo que o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém.

Refere ainda que, dos elementos factuais considerados provados, se impunha considerar também como factos provados que os arguidos agiram visando criar no consumidor final a convicção de as peças referidas em 1) dos factos provados serem originais da D1… e que os mesmos agiram bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e punidas criminalmente, devendo por outro lado considerar-se como não provado o facto n.º 15, sendo o mesmo eliminado.

**Nesta Relação, foi proferida decisão sumária, que confirmou a decisão de 1ª Instância, com o MP a concordar com a absolvição dos arguidos.

**Desta decisão sumária, veio a assistente D1… reclamar para a Conferência, onde volta a colocar as mesmas questões do recurso inicial.

**Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Relatório A requerimento do Ministério Público foram julgados nos presentes autos, em processo comum e perante o tribunal singular: B…, casado, comerciante, actualmente aposentado, nascido em 19.06.1948, natural de …, Ílhavo, filho de E… e de F…, residente na Rua …, n° .., …, Ílhavo, e de C…, casada, …, nascida em 14.03.1955, natural de …, Aveiro, filha de G… e de H…, residente na Rua …, n° .., …, Aveiro, pela prática, como autores materiais, na forma consumada e em concurso real, de: - um crime de fraude sobre mercadorias previsto e punido pelo art. 23°, n° 1, al. a) do DL n° 28/84, de 20 de Janeiro, - um crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca previsto e punido pelo art. 323°, als. a), b), c) e f) do Código da Propriedade Industrial, e, - um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos previsto e punido pelo art. 324° do Código da Propriedade Industrial - cf. acusação pública de fls. 413 e segs.

*O Ministério Público requereu igualmente o julgamento de I….

Posteriormente, promoveu se considerasse extinto o procedimento criminal por via da sua prescrição (fls. 692), o que veio a suceder por despacho de 25.06.2014 (fls. 700).

*D…, S.A., veio requerer a sua constituição como assistente, acompanhando a acusação pública e deduzindo pedido de indemnização civil contra os arguidos (fls. 450 e 457 e segs.).

*Notificados do despacho que, recebendo a acusação, agendou a realização da audiência de discussão e julgamento, os arguidos apresentaram a sua defesa (fls. 483 e segs. e fls. 500 e segs.).

*Por despachos de fls. 570, 619 e 627, foi determinada a realização de uma perícia aos objectos descritos na acusação, vindo o relatório pericial a ser entregue a fls. 669 e 676 e segs.

*Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, em conformidade com a documentação de fls. 782 e segs., 812 e segs., 826 e segs. e 838 e segs.

A instância mantém-se válida e regular, inexistindo questões prévias de que cumpra conhecer.

*II- Fundamentação de facto: Discutida a causa, apuraram-se os seguintes factos: 1- No dia 24 de Junho de 2008, pelas 14H30, o arguido B… tinha exposto para venda ao público nas prateleiras do seu estabelecimento comercial denominado "J… ", sito na Urbanização …, em Ílhavo, as seguintes peças de louça: - quatro conjuntos de chá, cada um formado por um pires e uma chávena modelo K…; - quatro conjuntos de chá, cada um formado por um pires e uma chávena modelo K…; - quatro conjuntos de chá, cada um formado por um pires e uma chávena modelo K…; - catorze conjuntos de chá, cada um formado por um pires e uma chávena modelo K..; - sete conjuntos de chá, cada um formado por um pires e uma chávena modelo K…; - nove conjuntos de chá, cada um formado por um pires e uma chávena modelo L…; - dez conjuntos de chá, cada um formado por um pires e uma chávena modelo L….; - uma chávena de chá modelo K…; - um pires de café modelo K…; - oito pratos n° 1 modelo K…; - quatro pratos n° 1 modelo L…; - sete pratos n° 3 modelo K…; - dois pratos n° 3 modelo L…; - dois pratos n° 4 modelo L…; - um prato n° 4 modelo K…; - um conjunto de almoçadeira composto por um pires e uma chávena modelo K…; - uma leiteira com um pires modelo K…; - um serviço de café composto por doze chávenas, doze pires, uma cafeteira, uma leiteira e um açucareiro; - um serviço de café modelo M…t, composto por doze chávenas, doze pires, uma cafeteira, uma leiteira e um açucareiro; - um serviço de chá modelo L…, composto por doze chávenas, doze pires, um bule, uma leiteira e um açucareiro; - um bule modelo L…; - uma cafeteira modelo K…; - uma leiteira modelo K…; - um açucareiro modelo L…; - uma concha n° 2 modelo K…; e, - cinco conchas n° 3 modelo K….

2 - As peças de louça descritas em 1 ostentavam a marca D1….

3 - As peças de louça descritas em 1 tinham decorações pintadas à mão.

4 - As peças de louça descritas em 1 tinham a inscrição pintado à mão, aplicado por decalque ou escrito à mão.

5 - As peças de louça descritas em 1 apresentavam: - decorações nunca realizadas pela D1…; - decorações que deixaram de ser executadas pela D1…; - decorações colocadas em modelos diferentes daqueles em que a D1… os colocava; e, - decorações pintadas à mão que a D1… não executava à mão e sim por decalque.

6 - Das peças referidas em 1, a arguida C… pintou quatro chávenas de café e respectivos pires e uma de chá e respectivo pires; cinco pratos; uma leiteira e respectivo pires; e, quatro conchas, tudo em modelo K….

7 - As peças referidas em 6 foram assinadas pela arguida C…, sendo sua prática habitual.

8 - O arguido B… adquiriu as peças referidas em 1, em branco, nos estabelecimentos comerciais N…, S.A. e O…, S.A.

9 - As peças referidas em 6 foram entregues à arguida C… para que as pintasse com motivos da sua autoria.

10 - As demais peças foram entregues a pintor não determinado para que as pintasse.

11 - O estabelecimento do arguido identificado em 1 situava-se no mercado de …, tendo uma dimensão aproximada de 20 a 25 m2.

12 - O estabelecimento do arguido oferecia diversas utilidades para o lar, como sejam, cerâmicas diversas, tachos e panelas, velas para o cemitério, esponjas.

13 - Além da louça referida em 1, o arguido tinha para venda no seu estabelecimento muita louça da D1… branca e pintada genuinamente.

14 - É prática usual há décadas em Ílhavo mandar pintar peças da D1…, adquiridas em branco, ou comprar peças da D1… pintadas fora das instalações da D1….

15 - Os arguidos actuaram no contexto descrito em 14, na convicção de poderem pintar e comercializar a louça descrita em 1.

16 - O arguido B… está reformado auferindo uma pensão de reforma de cerca de 735€ mensais.

17 - O arguido é casado, vivendo com a mulher em casa própria.

18 - O arguido e a mulher são pessoas doentes, gastando mensalmente uma quantia global aproximada de 300€ na sua saúde.

19 - A arguida C… é pintora há décadas, pintando, designadamente, lenços, almofadas e louças.

20 - A arguida C… vive da reforma do marido, no valor de 1.084€.

21 - A arguida C… vive com o marido em casa própria.

22 - Os arguidos não têm antecedentes criminais.

*Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão a tomar, não se provando, designadamente, a seguinte factualidade: a) - as decorações da D1… encontram-se registadas; b) - as peças referidas em 1 têm um valor global de pelo menos 1.840€ (mil oitocentos e quarenta euros); c) - os arguidos agiram visando criar no consumidor final a convicção de as peças referidas em 1 serem originais da D1…; e, d) - os arguidos agiram bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e punidas criminalmente.

*O tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, conjugando as declarações dos arguidos, que se afiguraram honestas, com as declarações das demais testemunhas, no confronto com o auto de apreensão e o relatório pericial.

O tribunal teve por merecedoras de crédito as declarações dos arguidos, quer por fazerem sentido, quer por serem confirmadas pela demais prova testemunhal produzida, de que se destacam as testemunhas da acusação, logrando-se comprovar a factualidade acima elencada.

Na verdade, as testemunhas da acusação foram essenciais a alicerçar a convicção do tribunal no tocante à factualidade descrita acima nos pontos 14 e 15 e que excluiu, por destituída de sentido, a factualidade descrita na acusação que não se considerou demonstrada sob as alíneas c) e d).

Assim, as testemunhas P… e S…, ambos militares da Guarda Nacional Republicana, explicaram que nunca tinham participado numa acção deste tipo na sua carreira, nunca tendo procedido à apreensão de louça alegadamente contrafeita, fosse da D1…, fosse de outra marca. Tais testemunhas também confirmaram que o arguido B… foi colaborante e amável, apesar de se mostrar surpreendido com a apreensão. Estas testemunhas explicaram que as peças de louça em causa estavam expostas para venda espalhadas pela loja do arguido B… e que ficaram convencidas que o arguido ignorava que não podia vender aquela louça.

Por seu turno, as testemunhas T… e U…, respectivamente vendedores de N…, S.A., e de O…, S.A., tendo um profundo conhecimento do mercado da louça, esclareceram que o arguido B… era comprador regular de louça D1…, branca ou decorada, sabendo ambas que era prática corrente em Ílhavo, há décadas, comprar-se louça branca da D1… e mandar pintar fora das respectivas instalações, sendo comum as lojas locais oferecerem esse tipo de louça.

Acresce que estas testemunhas referiram que, para além daquele contexto específico de...

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