Acórdão nº 3208/10.7TXPRT-V.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelNUNO RIBEIRO COELHO
Data da Resolução27 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 3208/10.7TXPRT-V.P1 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO Nos presentes autos de recurso em separado relativos a internamento do Tribunal de Competência Territorial Alargada de Execuções do Porto, por sentença de 27/11/2015, foi negada a liberdade ao aqui recorrente/internado B…, com os demais sinais dos autos, mantendo-o na situação de execução de medida de segurança de internamento em que se encontra, aplicada no NUIPC 214/05.7GAARC do extinto TJ Arouca actual TJ Comarca Aveiro – Santa Maria da Feira – IC, 2.ª SCr J3, a qual se mantém pelo período legal de dois (2) anos – Art.ºs 91.º, n.º 2, 92.º, n.ºs 1 a contrario e 93.º, todos do Código Penal vigente, a contar de 27/11/2015. Mais foi determinado fixar, pela mesma sentença, que, sem prejuízo do n.º 1 do Art.º 93.º do Código Penal, opera nova revisão no período legal de 2 anos sobre a decisão que mantém o internamento, ou seja, em 27/11/2017 (cfr. Art.º 93.º, n.º 2 do Código Penal), sem prejuízo de alteração desta data no caso de recurso improcedente, caso em que será a data que se vença 2 anos sobre essa decisão que será de considerar.

Inconformado, recorre o dito internado, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte: 1. A decisão recorrida enferma do vício de nulidade previsto no art.º 379 n.º 1a) do C.P.P, porquanto deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar ou conheceu de questões que não podia tomar conhecimento.” Mais violou o preceituado no art.º 504 n.º 3 e 508 n.º 4 do C.P.P.

  1. O Julgador “a quo” inscreveu no relatório da decisão: “ Não se procedeu à audição do internado (atendendo ao teor do relatório pericial com indicação de juízo negativo sobre a capacidade para prestar declarações).” 3. Ora, do teor do relatório pericial resulta claro e inequívoco na última linha do documento e sob o ponto 3 (três) das conclusões que: “Pode Prestar Declarações”.

  2. Aqui chegados nada impedia que o internado fosse ouvido nestes autos de revisão da medida de internamento, como aliás assim sucedeu.

  3. O Meretíssimo Juiz “a quo” designou o dia 19 de Outubro, pelas 9:30h no EP de afetação, in casu, na Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental do Estabelecimento Prisional de C…, audição na qual esteve presente o internado, acompanhado do seu mandatário.

  4. A decisão recorrida omitiu claramente as declarações prestadas pelo internado no dia agendado para o efeito, como se as mesmas não tivessem ocorrido, como se o internado não tivesse sido ouvido, mas mais grave ainda, como se não tivesse condições para as prestar, o que pelas razões supra melhor explanadas assim não sucede.

  5. E se é verdade que ao juiz cabe, dentro do poder de discricionariedade de que dispõe, analisar todas as provas e decidir em consciência, valorando umas em detrimento das outras, é igualmente verdade que as declarações prestadas pelo internado na revisão da medida de internamento são importantes e pertinentes na tomada de decisão e deveriam nela ser repercutidas, sob pena da mesma ser nula como sucede, nulidade que se invoca nos termos do preceituado no art.º 379 n.º 1 al) c do C.P.P.

    SEM PRESCINDIR, 8. A decisão recorrida padece de Erro notório na apreciação da prova, nos termos do art.º 410 n.º 2 c) do C.P.P 9. Entende o recorrente que o Tribunal “a quo” retirou da prova produzida a manutenção integral do estado de perigosidade do internado, o que pelas razões que ao diante melhor se explanarão não poderia ser retirada, incorrendo por isso em erro notório na apreciação da prova. Vejamos, 10. Na motivação dos factos com relevo para a decisão a proferir o Tribunal “a quo” valorou em particular a Certidão da decisão condenatória, Certidão da liquidação da medida de segurança, CRC (ou referência em sede de decisão condenatória do condenado Print do SIP do Condenado.

  6. Sendo que da análise dos mesmos resulta inequivocamente que: • Por decisão proferida em 02/11/2006 no âmbito do processo 214/05.7GAARC do extinto Tribunal Judicial de Arouca foi o internado declarado inimputável perigoso e viu ser-lhe aplicada uma medida de segurança de internamento pelo período mínimo de 3 anos e máximo de 10 anos.

    • O internamento teve início em 23 de Novembro de 2006, sendo que o internado esteve sujeito a prisão preventiva desde Outubro de 2005.

    • Gozou de uma Licença em 26 de Fevereiro de 2007, da qual não regressou, sendo recapturado em 21 de Janeiro de 2009.

    • O limite mínimo fixou-se então em 08/08/2010 e o máximo atingir-se-á em 08/08/2017.

    • Em 11 de Junho de 2013 foi-lhe negada a liberdade para prova.

    • O internado não tem outros antecedentes criminais.

    • Para além da licença que lhe foi concedida em 26 de Fevereiro de 2007, o internado não gozou de qualquer outra licença de saída jurisdicional.

    • Encontrando-se ininterruptamente internado na Clínica de Saúde Mental do Estabelecimento Prisional de C… desde 21 de Janeiro de 2009, ou seja há 6 (seis) anos, 10 (dez) meses e 20 ( vinte ) dias, sem usufruir de qualquer licença de saída jurisdicional, sem fazer uma aproximação gradual à vida em sociedade e à sua reintegração como assim apontava o Plano terapêutico elaborado nos termos do n.º 2 do art.º 128 do CEP e homologado pelo Tribunal “a quo”, constante do apenso K destes autos e datado de 06/09/2012 e que referia expressamente que: “Deverá ser programada aproximação gradual à comunidade, apoiada por voluntários, ou em ações programadas no estabelecimento, iniciando-se eventuais concessões de licença de saída por algumas horas” 12. Mas o julgador valorou também o Relatório de perícia psiquiátrica; Relatório da DGRS sobre a análise do enquadramento sócio - familiar e profissional do internado e a avaliação das suas perspetivas e necessidades de reinserção social; relatório de avaliação sobre a evolução clínica e comportamental do internado.

  7. Importa agora aferir se cessou ou não o estado de perigosidade criminal do internado nos termos e para os efeitos do preceituado no art.º 92 n.º 1, mas também se houve alteração para efeitos do art.º 94 do Código Penal por forma a permitir que o internado possa beneficiar do regime de liberdade para prova, sendo para tal necessário que atentemos no teor do relatório de perícia psiquiátrica que nas suas conclusões diz o seguinte: • “ 1- O Examinando B… padece de Atraso Mental Ligeiro e de Personalidade do Tipo Esquizóide; mantêm ideação delirante residual de natureza persecutória e auto-referencial.

    • “2 – À data não apresenta sinais nem sintomas que indiciem perigosidade, por se encontrar compensado dos seus surtos psicóticos e de cumprir com a medicação com rigor no ambiente institucional protegido onde se encontra internado. A sua perigosidade potencial em meio «livre» não é de negligenciar, pelos antecedentes do examinando, pela debilidade intelectual de que enferma e ausência de suporte e retaguarda familiar adequado.

    • “… poderá beneficiar de liberdade para prova se estiverem garantidos, o adequado enquadramento familiar, rigorosa supervisão pela equipa de reinserção social e do acompanhamento regular em consulta de psiquiatria, fundamentais para que se mantenha compensado.” 14. Pese embora se refira expressamente à perigosidade potencial abstrata em meio livre, certo é que refere o facto de B… não apresentar à data sinais de perigosidade que indiciem perigosidade por se encontrar compensado e aponta claramente que o internado poderá beneficiar de liberdade para prova se estiverem garantidos o adequado enquadramento familiar, rigorosa supervisão pela equipa de reinserção social e do acompanhamento regular em consulta de psiquiatria, fundamentais para que se mantenha compensado.

  8. A decisão recorrida retirou do relatório, tão só, conclusões como aquelas que se encontram vertidas nos pontos 10 e 11 dos factos com relevo dados como provados: “Face à personalidade que apresenta potencia a retoma dos comportamentos dissociais tão logo obtenha liberdade, o que decorre das limitações intelectuais pessoais de que padece” e “ Mantêm-se a sua perigosidade latente, tal qual o quadro de inimputabilidade.” 16. Como se na verdade o relatório fosse omisso quanto à possibilidade de o internado beneficiar do regime de liberdade para prova, desde que cumpridos determinados requisitos, como se o documento não dissesse expressamente que: “À data não apresenta sinais nem sintomas que indiciem perigosidade, por se encontrar compensado”.

  9. Ao decidir valorar apenas frases avulsas do relatório de psiquiatria, o Tribunal “ a quo” não respeitou o princípio da unidade do documento, da mesma forma que não respeitou o princípio da proporcionalidade e da subsidiariedade, enveredando pela manutenção do internamento “Tout Court” em detrimento do regime de liberdade para prova, com imposição dos requisitos necessários ao caso concreto.

  10. É que, conforme assim refere (Cristina Líbano Monteiro em Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, p. 132) “… se uma medida menos gravosa serve de finalidade de proteção comunitária, a mais gravosa há-de considerar-se desnecessária.” 19. Como refere F. Dias [Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, p. 446] “a matéria relativa à aplicação de medidas de segurança deve subordinar-se estritamente ao princípio da subsidiariedade: uma medida de segurança não deve ser aplicada quando outras medidas menos onerosos constituam uma proteção adequada e suficiente dos bens jurídicos face à perigosidade do agente.” 20. E mesmo que o Meretíssimo juiz “a quo” entendesse, como aliás assim sucedeu na decisão recorrida, que o estado de perigosidade se mantinha, sempre deveria ter enveredado pelo regime de liberdade para prova, porquanto o relatório de perícia para além de afirmar que “À data não apresenta sinais nem sintomas que indiciem perigosidade…”; afirma igualmente que: “poderá beneficiar de liberdade para prova se estiverem garantidos, o adequado enquadramento familiar, rigorosa supervisão pela equipa de reinserção social e do acompanhamento...

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