Acórdão nº 12700/09.5TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução21 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. 12700/09.5TBVNG.P1 Relator: Fernando Baptista de Oliveira Adjuntos: Des. Ataíde das Neves Des. Amaral Ferreira I. RELATÓRIO Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto B… e C… intentaram acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra D… Pedem: - A condenação da Ré a pagar a cada um dos Autores a importância de €149 630,00, acrescida de juros, à taxa legal, desde 29 de Agosto de 2003 até efectivo pagamento, vencidos à data da propositura da acção, no valor de € 75 490,56, e vincendos até efectivo e integral pagamento, em consequência da nulidade do negócio de compropriedade do estabelecimento comercial da Farmácia E….

Subsidiariamente, caso assim se não entenda, - A condenação da Ré a restituir a cada um dos Autores, com fundamento no enriquecimento sem causa, a quantia por si recebida na venda da Farmácia, no valor de € 488 918,10, deduzida do valor já pago a cada um dos Autores, no montante de 299 240,40, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde 29 de Agosto de 2003 Alegaram, em síntese, que: AA e Ré acordaram entre si adquirirem o estabelecimento de farmácia E…, em comum e partes iguais, tendo, no entanto, a escritura de aquisição sido outorgada apenas pela Ré, uma vez que só ela era licenciada em farmácia, como o impunha a legislação então em vigor. Combinaram, ainda, que a Ré seria directora técnica da farmácia, funções que acumulava com a de professora na L…, cabendo a gerência de facto ao Autor B… e ficando a contabilidade a cargo do Autor C…, Mais tarde, impedindo a legislação que os Directores Técnicos da Farmácia cumulassem funções em cargos públicos, designadamente docência em estabelecimento de ensino público, combinaram AA e R contratar um director técnico e formar uma sociedade por quotas, o que fizeram, constituindo a sociedade Farmácia E…, Lda, com capital social distribuído em duas quotas, uma no valor de 450.000$00, titulada pela Ré, e outra, no montante de 50.000$00, titulada pela Dra. F…, a directora de farmácia contratada. No entanto, mantiveram-se as condições inicialmente acordadas, pertencendo a quota de 450.000$00, em comum e partes iguais, aos AA e R, tendo cada um deles contribuído com as respectivas participações, não figurando os AA, embora sócios de factos, como titulares de quotas sociais, por impossibilidade legal, uma vez que não detinham licenciatura em Farmácia.

Em 29 de Agosto de 2003 a farmácia veio a ser vendida, cedendo a Ré a sua quota pelo valor de € 1.346.754,33 e, simultaneamente, a Dra. F… cedeu a quota de que era formalmente titular pelo valor de €149.639,36.

A Ré obrigou-se a entregar a cada um dos Autores a parte que lhes cabia na venda da quota (448.918,10 €), mas apenas entregou a cada um, em 15.09.2003, €299.297,90, não obstante instada em 8 de Junho de 2009 para efectuar o restante pagamento.

Sustentam os Autores a existência de uma sociedade irregular, constituída entre eles e a Ré, nula, por vicio de forma, e que, sendo impossível a restituição em espécie da quota, lhes assiste o direito de obter daquela o valor correspondente à proporção que lhes cabia na quota formalmente apenas na titularidade da Ré, ou seja, o valor de € 448.918,10, deduzido do montante já entregue por esta, isto é, o valor de €149.620,20.

Subsidiariamente, e para o caso de assim se não entender, as quantias em causa sempre serão devidas pela Ré aos Autores, com base no instituto do enriquecimento sem causa.

A Ré contestou e deduziu reconvenção, pedindo a condenação dos Autores-Reconvindos a pagarem-lhe, cada um deles, a quantia de € 269.368,11, acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento.

Em sede de contestação, por excepção, invoca a prescrição.

Em reconvenção, sustenta que os Autores recusaram a doação, do montante de € 269 368,11, que a cada um deles a Ré efectuou, assistindo-lhe o direito de revogar tais doações e de obter a restituição de tais quantias, acrescidas de juros de mora desde a notificação da reconvenção.

Sem prescindir, invoca que a admitir-se a existência de sociedade irregular, o respectivo contrato sempre seria nulo por falta de forma, o que apenas conferiria aos AA o direito de obter os capitais investidos na dita sociedade, que já receberam.

Os Autores replicaram e houve tréplica (nesta se respondendo à excepção de abuso do direito e se pedindo a condenação dos Autores como litigantes de má fé).

A reconvenção foi admitida.

Procedeu-se à elaboração do despacho saneador e à selecção da matéria de facto, assente e a que constituiria a base instrutória, que foi objecto de reclamação por parte de AA e Ré, parcialmente deferida.

Procedeu-se a julgamento, findo o qual se fixou, sem reclamação, a matéria de facto constante da base instrutória.

Por fim foi sentenciada a causa nos seguintes termos: «A - Julgo a acção parcialmente procedente e condeno a Ré D… a pagar ao Autor B… a quantia de €105.043,00 (cento e cinco mil e quarenta e três euros) e ao Autor C… igual quantia de € 105.043,00, ambas as quantias acrescidas de juros de mora, desde 9.06.2009, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento; B - Julgo a reconvenção improcedente e absolvo os Autores-Reconvintes do pedido formulado na reconvenção; C- Não considero verificada a litigância de má fé de qualquer das partes, absolvendo AA e R dos pedidos que, a este titulo, reciprocamente formularam...».

Inconformada com esta sentença, dela recorreu a Ré D…, apresentando alegações que remata com as seguintes «CONCLUSÕES: a) É ilegal a sentença recorrida que reconhece as autores um direito de crédito quanto a parte do preço da alienação de sociedade comercial Farmácia E… Lda, condenando a ré no pagamento de € 105.043,00 a cada um, acrescida de juros desde a citação; b) Independentemente da impugnação da matéria de facto não é possível identificar escopo societário na relação material que Autores e Ré mantiveram entre 1978 e 2003; c) Foram distintas as actividades exercidas caracterizando-se a da Ré como uma actividade empresarial de natureza capitalista, própria da titularidade da farmácia de que não obteve outros rendimentos e a actividade dos Autores como uma actividade profissional de que obtiveram rendimentos regulares; d) Enferma de erro de julgamento a decisão (i) da matéria de facto provada quanto aos factos 6, 8, 10, 17, 23, 24, 27, 42, 46 e 50, correspondente à resposta aos quesitos n°s 2, 4, 6, 9, 12, 13, 18, 20, 22 e 32 e (ii) da matéria de facto não provada quanto aos quesitos 26 e 27 da base instrutória; e) Devem considerar-se não provados os factos; a. O preço de aquisição de farmácia foi na realidade de 1.800 contos, tendo cada um dos Autores e a Ré participado com o valor de 600 mil escudos; b. Foi por só a Ré ser titular de licenciatura em Farmácia que apenas esta interveio como compradora da escritura referida em 4.; c. A gerência de facto da farmácia ficou a cargo do 1Q Autor; d. As decisões mais importantes relativas ao desenvolvimento do negocio da Farmácia eram tomadas por AA e R em conjunto; e. Face à imposição legal referida em 15. e 16. E porque a Ré não pretendia deixar de leccionar, para que a Farmácia se mantivesse legalmente a funcionar, acordaram então AA e R contratar um director técnico e constituir uma sociedade por quotas; f. Ficando acordado que a quota de 450 mil escudos da titularidade da Ré pertencia em partes iguais à Ré e aos AA. cabendo a cada um deles o valor nominal de 150 mil escudos; g. Tendo cada um dos AA e R contribuído com o referido valor de 150 mil escudos; h. Para conferir segurança à realidade referida em 23. e 24., acordaram AA e R em que fosse outorgada à procuração abaixo referida em 28.; i. As quantias referidas em 41. foram entregues pela Ré aos AA, para pagamento parcial da parte que lhes cabia no preço da cessão de quota referida em 39.

j. A Ré sobre a cessão de quota referida em 39. pagou mais valias que os AA se prontificaram a pagar-lhe, ficando a Ré de descontar as respetivas participações no remanescente que lhes reteve e ainda não entregou.

k. A Ré, até à data da recepção da carta referida em 49. sempre disse a familiares e amigos comuns que iria pagar aos seus irmãos.

f) Devem considerar-se provados os factos: a. A decisão de aquisição da Farmácia por parte da Ré teve também em vista criar um emprego estável ao Autor B…; b. E permitir ao Autor C… auferir, desde logo, uma remuneração equivalente à cobrada num gabinete de contabilidade.

g) A alteração da matéria resulta da correcta valoração dos seguintes meios de prova: a. Declarações em audiência da Ré D…, b. Declarações em audiência do Autor B…, c. Declarações das testemunhas: (i) G…; (ii) H…; (iii) F…; (iv) J…; (v) K….

h) Do regime legal imperativo aplicável em matéria de propriedade da farmácia e de exercício farmacêutico, aprovados pelas leis n° 2125 de 20 de Março de 1965 e Decreto-Lei n° 48547 de 27 de Agosto de 1968, em vigor nos anos de 1978 (da alegada constituição da sociedade irregular), de 1992 (de constituição da sociedade por quotas denominada "Farmácia E…, Lda) e de 2003 (da cessão das quotas da mesma sociedade) resultava que aos Autores estava legalmente vedado aceder à propriedade e exercer a actividade farmacêutica; i) Revestem natureza substantiva, e não apenas formal, os vícios relativos à constituição e exercício da alegada sociedade irregular, pelo que lhe são aplicáveis as regras dos artigos 76º, n° 2 do DL 48547, 280º, 293° e 294º do Código Civil; j) Consequência da nulidade da (alegada) sociedade irregular é a restituição aos autores, exclusivamente, do capital com que entraram para o negócio, devidamente actualizado; k) À relação material controvertida não são aplicáveis as regras dos artigos 980º e 1018° do Código Civil; l) Não pode subsistir a sentença recorrida que reconhece direito de crédito dos Autores, quanto a parte do preço de venda da farmácia, em violação de lei expressa do regime imperativo de direito farmacêutico, em vigor à data dos factos materialmente relevantes; m) Tal...

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