Acórdão nº 1112/12.3TJPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução18 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1112/12.3TJPRT.P1 Sumário do acórdão proferido no processo nº 1112/12.3TJPRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: 1. Apesar do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 3/2016, ter subjacente um caso de recusa de pagamento de cheques com fundamento na invocação de vício da vontade, a consequência jurídica nele delineada é inteiramente transponível para o caso de recusa de pagamento de cheques com fundamento na comunicação de extravio dos títulos em causa.

  1. A entrega de cheques para satisfação do preço devido pelos fornecimentos de tabaco que a recorrente fez à chamada presume-se iuris tantum uma dação pro solvendo.

  2. A entrega de cheque pro solvendo visa facultar ao credor um meio mais expedito de satisfação do seu crédito, não tendo, em qualquer caso, como consequência e em decorrência da simples entrega, qualquer efeito extintivo do crédito, o qual apenas se extingue quando e na medida em que for satisfeito.

  3. O não desempenho da função solutória pelos cheques que foram entregues pro solvendo, apenas impede que a facilidade na satisfação do crédito produza os seus efeitos, mas nenhuns reflexos tem sobre a subsistência do crédito que por aquela via se pretendia solver.

  4. É de concluir pela falta de nexo causal entre o facto e o putativo dano sempre que se constate a irrelevância da conduta ilícita do recorrido para o resultado verificado, pois que mesmo que tivesse agido licitamente, o não pagamento dos títulos sempre se verificaria.

    ***Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório[1] Em 21 de junho de 2012, nos Juízos Cíveis do Porto, B…, Lda. intentou a presente ação declarativa sob a forma de Regime Processual Civil Experimental[2] contra Banco C…, SA pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 15.959,52, acrescida de €29,12 de despesas bancárias, no total de €15.988,64, bem como de juros de mora, à taxa legal comercial, desde a recusa de pagamento de cada um dos três cheques até efectivo e integral pagamento.

    Em síntese, alega que é legítima possuidora de três cheques sacados por D…, Lda, sobre uma conta bancária por esta titulada junto do Banco réu, os quais eram destinados ao pagamento de fornecimentos que a autora havia efectuado à sacadora; tendo apresentado os ditos cheques a pagamento dentro do prazo legal de oito dias, foi este recusado com indicação de “extravio”, motivo falso e que o réu não cuidou de averiguar; caso tivesse averiguado a regularidade da ordem de revogação, o réu saberia que a autora há muito mantinha relações comerciais com a sacadora dos cheques, inclusive titulados por cheques sobre a mesma conta, de forma normal e corrente; da recusa de pagamento resultou o não pagamento parcial da dívida que a sacadora dos cheques tinha para com a autora, sendo posta em causa a sua honorabilidade em consequência do alegado extravio para fundamentar a recusa de pagamento dos cheques, resultando da devolução dos cheques despesas bancárias que a autora suportou.

    Citado por carta registada com aviso de receção, o réu contestou, impugnando alguns dos factos por desconhecimento, nomeadamente os danos e sustentou, no essencial, que a sacadora dos cheques, através de serviço pelo réu disponibilizado via internet, procedeu ao cancelamento dos mesmos, pelo motivo de extravio, tendo, por isso, o réu devolvido os cheques, quando apresentados a pagamento, em cumprimento das instruções que lhe foram dadas pela sua cliente, não podendo sindicar as razões que originaram a ordem de cancelamento dos cheques; não se verificam os pressupostos ilicitude e culpa, necessários à afirmação da responsabilidade civil extracontratual; a conta bancária em causa não se encontrava devidamente provisionada para o pagamento dos cheques, pelo que o seu pagamento nunca teria ocorrido, ainda que o réu não acatasse a ordem de não pagamento, o que exclui ainda a verificação do nexo de causalidade adequada entre a actuação do réu e o dano.

    O réu requereu a intervenção acessória provocada da sacadora dos cheques, pretensão a que a autora não se opôs e que veio a ser admitida.

    Efetuada a citação com hora certa da chamada na pessoa da sua gerente, esta não interveio nos autos.

    As partes foram notificadas para os efeitos previstos no nº 4, do artigo 5º da Lei nº 41/2013, de 26 de junho, vindo ambas oferecer os seus meios de prova e opondo-se o réu ao depoimento de parte do réu requerido pela autora.

    A autora foi notificada para, na falta de oposição das partes, responder à matéria de exceção invocada na contestação.

    A autora respondeu impugnando a matéria que considerou constituir defesa por exceção.

    A audiência prévia foi dispensada, fixou-se o valor da causa no montante de € 15.988,64, proferiu-se despacho saneador tabelar, identificou-se o objeto do litígio, organizaram-se os temas de prova e admitiram-se as provas oferecidas pelas partes.

    Após audição das partes sobre a duração previsível da audiência final, designou-se data para o efeito.

    Na data designada para realização da audiência, logo após a sua abertura, além do mais, a autora informou que a chamada se encontra em situação de insolvência, requerendo o adiamento da diligência, a fim de que o Administrador da Insolvência da chamada assuma a sua representação nos autos.

    A Sra. Juíza que presidia à audiência final determinou a solicitação de informações sobre o estado dos autos de insolvência da chamada e sobre a identidade do seu Administrador de Insolvência, decretando a suspensão da instância até que seja definida a posição a assumir pelo Administrador de Insolvência da chamada.

    Obtida a identidade do Administrador de Insolvência da chamada, foi o mesmo notificado da existência destes autos, bem como para assegurar a representação da chamada nos mesmos e para em dez dias requerer o que tivesse por conveniente.

    O Sr. Administrador da chamada nada veio requerer ou dizer nos autos.

    Designou-se nova data para realização da audiência final, vindo após isso o Sr. Administrador da Insolvência da chamada requerer a extinção da instância nestes autos com fundamento em inutilidade superveniente da lide, em virtude de quer a autora, quer o réu se encontrarem reconhecidos como credores da massa insolvente da chamada.

    Realizou-se a audiência final em duas sessões.

    Em 05 de novembro de 2015[3], foi proferida sentença a julgar a ação totalmente improcedente e a absolver o réu do pedido.

    Inconformada com a sentença, B…, Lda.

    interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: “I. A Recorrente intentou o presente recurso por entender que a Meritíssima Juiz a quo não efectuou uma correcta apreciação da prova produzida, nem efectuou uma correcta interpretação e aplicação do direito, razão pela qual não concorda com as conclusões retiradas e que ficaram plasmadas na sentença e, naturalmente, com a decisão recorrida.

    1. Entende a Recorrente que a sentença violou o disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 562.º e 563 do Código Civil, pelo que deverá ser revogada e, em consequência, substituída por outra que faça a correcta interpretação aplicação do direito e, em consequência, condene o banco Recorrido na totalidade do pedido, conforme se demonstrará.

    2. São pressupostos da responsabilidade civil extracontratual pela prática de factos ilícitos: a ilicitude do facto, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, tendo todos eles sido provados pela Recorrente, pelo que o banco Recorrido deveria ter sido condenado no pedido.

    3. O banco Recorrido recusou ilicitamente o pagamento dos cheques de que a ora Recorrente era legítima possuidora, com base numa declaração de revogação falsa - “extravio”.

    4. O banco Recorrido aceitou, sem mais, a revogação dos cheques por alegado “extravio”, tendo descurado as obrigações a que estava obrigado, colocado em causa o regular desempenho da actividade bancária e causado à Recorrente prejuízo patrimonial equivalente ao não pagamento dos montantes titulados pelos cheques.

    5. Nos termos do artigo 32.º da Lei Uniforme sobre os Cheques, “A revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de apresentação”, impondo-se ao banco Recorrido a obrigação de pagar o cheque, ainda que a sacadora “D…” tenha emitido declaração de revogação.

    6. O AUJ do STJ n.º 4/2008, de 28.02.2008, salienta que “uma instituição de crédito sacada que recusa o pagamento do cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 29.º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto da primeira parte do artigo 32.º do mesmo diploma, respondendo por perdas e Decreto n.º 13004 e 483.º, n.º 1 do Código Civil”.

    7. Nos termos do artigo 14.º do Decreto 13004, de 12.01.1927, “se porém o sacador, ou o portador, tiver avisado o sacado de que o cheque se perdeu, ou se encontra na posse de terceiro ou consequência de um facto fraudulento, o sacado só pode pagar o cheque ao seu detentor se este provar que o adquiriu por meios legítimos”, encontrando-se nesta norma a tutela de diversos interesses, a saber: o interesse do portador do cheque, o interesse da segurança nas relações cambiárias – em especial, a credibilidade do cheque – e o interesse do subscritor do cheque.

    8. É no equilíbrio destes três interesses que, é forçoso concluir que a conduta do banco foi ilícita quando recusou, ainda no período legal de apresentação dos cheques, o pagamento dos mesmos, com base na aceitação, sem mais, da fórmula tabelar “revogação com justa causa – extravio”.

    9. Nos termos do referido AUJ, “o motivo da ordem de não pagamento dentro do prazo legal de apresentação tem de ser concretamente alegado e fundamentado pelo sacador, indicando o facto justificante com foros de seriedade (…) dispor de elementos que (…) não se reduzem a uma fórmula ou qualificação jurídica como “extravio”, “furto” ou outras, mas que acrescentem circunstâncias de facto que tornem...

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