Acórdão nº 46/14.1T9MCN.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelRAUL ESTEVES
Data da Resolução23 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam em Conferência os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1 Relatório Nos autos nº 46/14.1T9MCN.P1 que correram os seus termos na Comarca de Porto Este, Tribunal de Marco de Canavezes, Instância Local, Secção Criminal J1, foi proferida sentença que decidiu: Condenar o arguido B…, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de violação da obrigação de alimentos, previsto e punível pelo artigo 250.º, nº 1, 2 e 3, do Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à razão diária de €7,00 (sete euros), o que perfaz um total de €770,00 (setecentos e setenta euros) Não conformado veio o arguido interpor recurso, alegando para tanto o que consta de fls. 273 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, concluindo nos seguintes termos: 1) A queixosa/assistente viu reconhecido o direito a alimentos a cargo do arguido/recorrente em acções cíveis, cujas sentenças transitaram em 05/06/2011 e 01/12/2013, respectivamente, no montante de Euros 200,00 |duzentos euros| por mês; 2) A queixosa/assistente instaurou a acção executiva para cobrança coerciva dos alimentos em 23/09/2011; 3) A queixosa/assistente instaurou o presente processo-crime em 08/10/2014 que depende de queixa – artigo 250.º, n.º 5, do Código de Penal; 4) Até à presente data, o arguido não efectuou qualquer pagamento à queixosa/assistente a título de alimentos, nem o Tribunal em sede executiva; 5) A queixosa/assistente aufere do Rendimento Social de Inserção (RSI) a quantia mensal de Euros 178,15 |cento e setenta e oito euros e quinze cêntimos| desde 01/04/2011, como resulta de fls. 210 dos autos; 6) Na execução de sentença instaurada em 23/09/2011, apesar das sucessivas penhoras e da falta de oposição do executado, ora recorrente, ainda não foram vendidos quaisquer bens para pagamento da quantia exequenda, situação absurda e injustificável; 7) O inventário para partilha de bens comuns do casal instaurado no Cartório Notarial em Marco de Canaveses em 2013, continua pendente, sem qualquer decisão que permita registar bens provenientes da partilha acordada e, por isso, não é possível a sua alienação e obtenção de liquidez; 8) O arguido/recorrente constituiu com a queixosa/assistente hipoteca voluntária sobre a casa de morada de família para pagamento do débito bancário em 20/03/2013 |cfr. fls. 180|; 9) O arguido/recorrente não paga a pensão de alimentos por falta de liquidez e devido à morosidade anormal dos processos em Tribunal e no Cartório Notarial, o que é do conhecimento geral; está manietado pela inoperância do sistema judiciário; 10) Os factos em causa – não pagamento de alimentos – revestem simultaneamente ilícito cível e penal, verificados os respectivos pressupostos; 11) A queixosa/assistente privilegiou sempre o recurso às acções cíveis e só em 2014, face à morosidade anormal daquelas, recorreu à via crime que decidiu em menos de dois anos, permanecendo ainda aquelas e continuando por pagar os alimentos; 12) A queixosa denunciou o contrato de intermediação imobiliária e assim impediu a realização de liquidez; 13) O recorrente invocou, face à situação concreta, o princípio geral que dimana do artigo 72.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, documentando nos autos e instauração dos competentes processos cíveis; 14) O Tribunal “a quo” numa interpretação ilegal redutora e restritiva desta disposição legal considerou-a inaplicável na situação em apreço; 15) Esta interpretação do artigo 72.º, n.º 2, do Código de Processo Penal é materialmente inconstitucional por violar os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da protecção da confiança, previstos nos artigos 2.º, 13.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa, ínsitos na ideia de Estado de Direito Democrático; 16) Tal disposição legal deve ser interpretada de forma abrangente e inclusiva de todas as situações, face à “ratio legis” e à realidade das situações de facto que em abstracto e em concreto, constituam, simultaneamente, ilícito civil e ilícito criminal dependente de queixa; 17) O processo-crime é irrelevante quanto ao pagamento pretendido pela queixosa/assistente e, como tal, puro abuso de direito, como meio de pressão inidóneo e de “pura chantagem” que o torna ilegítimo e, como tal, irrelevante no domínio criminal; 18) Ao recorrente aproveita o disposto no n.º 2 do artigo 72.º do Código de Processo Penal; 19) A conduta do recorrente foi entendida como consubstanciando a prática de um único crime, tendo por base uma única resolução e factos endógenos relativos ao mesmo recorrente; 20) Contudo, a considerar-se a existência de matéria crime – o que se não concede – o certo é que por força do Rendimento Social de Inserção (RSI) recebido desde 01-04-2011, a mesma sempre se enquadrará no disposto no artigo 250.º, n.ºs 1 e 2, por ser suposto não ocorrer a situação de necessidades fundamentais, por se encontrar o Estado a suprir as suas próprias deficiências na área da Justiça; 21) A concessão do Rendimento Social de Inserção (RSI) assenta na satisfação das necessidades fundamentais do beneficiário – artigo 63.º, n.º 3, da Constituição e 22.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos; 22) A situação discutida nos presentes autos, considerada no seu todo e dentro da unidade da ordem jurídica, não envolve qualquer ilicitude criminal, face ao que se dispõe no artigo 31.º, n.º 1, do Código Penal e, especialmente, ao abuso do direito, também invocável no caso presente; 23) Violou a aliás doutíssima sentença o disposto nos artigos 31.º, n.º 1, 250.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Penal, 72.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e 2.º, 13.º e 18.º e 63.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa; O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso, tendo pugnado pela sua improcedência, concluindo nos seguintes termos: 1. Nos presentes autos a ofendida C… intentou execução comum contra o ora arguido, aí executado, por requerimento executivo datado de 23-09-2011, que deu origem ao Processo nº 1126/10.8TBMCN-C que corre termos pela Instância Central, secção de família e menores, J3, de Paredes, sendo que serviu de título executivo a sentença proferida no processo de alimentos provisórios intentado em incidente nos autos de acção de divórcio, com o mesmo número.

  1. Os presentes autos tiveram origem na queixa apresentada pela denunciante em 08-10-2014.

  2. Ora, conforme resulta evidente não foi deduzido qualquer pedido de indemnização, muito menos perante tribunal cível, nem sequer fundado em responsabilidade civil, mas antes foi instaurada a competente execução para cobrança coerciva de alimentos, tendo por base uma sentença...

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