Acórdão nº 1987/11.3TAMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL SOARES
Data da Resolução23 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 1987/11.3TAMAI Comarca do Porto, Tribunal da Maia Instância Local, Secção Criminal, J3 Acórdão, deliberado em Conferência 1. Relatório 1.1 Decisão recorrida Por sentença proferida em 24MAI2016 foi o arguido B… condenado por um crime de usurpação de funções e por um crime de falsificação de documento, previstos respectivamente nos artigo 358º al. b) e 256º als. c), d) e e) do CP, nas penas de 140 dias e 110 dias de multa, ambas à taxa diária de €7,00, e na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de €7,00. Foi também condenado a pagar à assistente Ordem dos Advogados a indemnização de €400,00 por danos patrimoniais e de €1.500,00 por danos não patrimoniais e à demandante C… a indemnização de €3.412,00 por danos patrimoniais e de €1.800,00 por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a notificação do pedido quanto aos primeiros e desde a sentença quanto aos segundos.

1.2 Recurso O arguido recorreu da sentença, invocando para tanto, em suma, os seguintes fundamentos, ordenados por sequência lógica: - Os demandantes civis são parte ilegítima para formular pedidos de indemnização civil, uma vez que o interesse tutelado no artigo 358º al. b) do CP são os dos utentes dos serviços profissionais, na sua qualidade de consumidores; - A sentença é nula por falta de fundamentação, em violação do disposto nos artigos 97º nº 5 e 374º nº 2 do CPP e do artigo 205º nº 1 da Constituição; - A sentença é também nula por não se ter pronunciado sobre factos alegados na contestação, relevantes para a decisão da causa, e por não ter apreciado a arguição de inconstitucionalidade do artigo 358º al. b) do CPP formulada na contestação, em violação do disposto no artigo 379º nº 1 al. c) e 410º nº 2 al. a) do CPP; - Há vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão porque nada foi apurado sobre a situação económica e social do arguido, o que era relevante para a fixação dos danos com base em critérios de equidade, o que integra o vício previsto no artigo 410º nº 2 al. a) do CPP.

1.3 Respostas O Ministério Público respondeu alegando em síntese que a sentença não padece dos apontados vícios porque nela se indicam as provas que o tribunal examinou criticamente e com fundamentação suficiente e porque o tribunal não tem de se pronunciar sobre factos alegados na contestação que sejam irrelevantes para a decisão, como é o caso.

A assistente Ordem dos Advogados respondeu também, dizendo que o recurso da sentença na parte referente ao pedido de indemnização civil por si formulado é irrecorrível dado que os valores do pedido e da condenação não excedem os limites definidos no artigo 400º nº 2 do CPP. Respondeu também aos outros fundamentos do recurso mas como veremos essa parte da resposta vai ficar prejudicada.

1.4 Parecer do Ministério Público na Relação Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, remetendo para as alegações do Ministério Público no Tribunal recorrido. Acrescentou ainda, quanto à insuficiência dos factos para a decisão, que o arguido não deu cumprimento às prescrições do artigo 412º nº 2 do CPP e que o tribunal apenas tem de se pronunciar sobre factos relevantes, tendo em qualquer caso dado como provados os factos da acusação que são contrários aos alegados na contestação.

  1. Questões a decidir no recurso As questões que temos de decidir no recurso são sequencialmente as seguintes: - Recorribilidade da sentença, na parte em que julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela Ordem dos Advogados; - Legitimidade processual dos demandantes civis; - Nulidade da sentença por falta de fundamentação; - Nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por não haver decisão sobre factos alegados na contestação e sobre a inconstitucionalidade também aí suscitada.

    - Insuficiência para a decisão do pedido de indemnização civil da matéria de facto provada sobre a situação económica e social do arguido.

  2. Fundamentação 3.1. Questão prévia: admissibilidade do recurso da sentença, na parte em que julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela Ordem dos Advogados A Ordem dos Advogados formulou um pedido de indemnização no valor de €5.000,00, tendo o mesmo sido julgado parcialmente procedente na sentença, com a condenação do arguido no pagamento da indemnização de €1.900,00.

    O artigo 44º da lei nº 62/2013, de 26AGO, estabelece a alçada dos tribunais de primeira instância em €5.000,00, dispondo ainda que é esse o valor a considerar para a admissibilidade do recurso em matéria civil nos processos criminais.

    O artigo 400º nº 2 do CPP não admite o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil nos casos em que o valor do pedido não exceda a alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada não seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da mesma. Portanto, é evidente que a condenação do arguido no pagamento de indemnização à Ordem dos Advogados é irrecorrível, uma vez que são inferiores àqueles limites quer o valor do pedido quer o valor da sucumbência.

    A admissão do recurso em primeira instância não vincula o tribunal da Relação, como decorre do disposto nos artigos 405º nº 4 e 417º nº 6 al. b) do CPP. A decisão de rejeição pode ser tomada por decisão do relator em despacho autónomo no momento do exame preliminar, do qual caberia reclamação para a conferência, ou no próprio acórdão deliberado em conferência.

    Em face do exposto, tem de ser rejeitado por legalmente inadmissível o recurso da sentença, na parte em que condenou o arguido a pagar indemnização à Ordem dos Advogados.

    3.2. Legitimidade processual da demandante civil A apreciação deste fundamento do recurso quanto à legitimidade da Ordem dos Advogados está prejudicada, visto o recurso ter sido rejeitado nessa parte. Temos assim apenas de analisar a legitimidade processual da outra demandante.

    Diz-se no recurso que a demandante não é parte legitima porque os interesses protegidos na norma incriminadora são os dos utentes dos serviços prestados com usurpação de funções. É evidente que o arguido invocou a ilegitimidade de ambos os demandantes com fundamentos pensados para a constituição da Ordem dos Advogados como assistente, que não são aplicáveis à demandante C…. Ademais, o recurso confunde as questões legitimidade para a constituição de assistente com a legitimidade para a dedução de pedido de indemnização civil, tratadas separadamente nos artigos 68º e 74º nº 1 do CPP.

    Independentemente de saber qual é o bem jurídico protegido pela norma incriminatória, que não temos de apreciar por não estar em causa a constituição da demandante como assistente, é manifesto que a mesma se tem de considerar lesada para os efeitos daquele artigo 74º nº 1. Foi na sua esfera patrimonial e não patrimonial que se verificaram os danos causados pela acção do arguido qualificada como crime, em resultado dos serviços que lhe prestou arrogando-se uma qualidade profissional que não tinha.

    É assim improcedente este fundamento do recurso.

    3.3. Matéria de facto da sentença Antes de passarmos à análise dos alegados vícios da sentença e do julgamento da matéria de facto, importa enunciar os factos provados e não provados que constam na sentença recorrida, no que respeita à matéria criminal e ao pedido de indemnização formulado pela demandante C…: (transcrição) Factos provados Da acusação pública:

    1. O arguido é licenciado em direito e exerceu funções de magistrado do Ministério Público entre 1 de Outubro de 1987, data em que tomou posse como delegado do procurador da República em regime de estágio, e 20 de Dezembro de 2000, quando foi demitido do exercício dessas funções, por deliberação da Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público, de 15 de Junho de 2000, confirmada em Plenário do mesmo órgão, em 13 de Dezembro de 2000.

    2. O arguido nunca esteve inscrito na Ordem dos Advogados, motivo pelo qual, como ele bem sabia, não podia exercer actos próprios dos advogados, nem intitular-se como advogado.

    3. Apesar desse conhecimento, no dia 11 de Fevereiro de 2010, num escritório de advogados, nesta comarca da Maia, o arguido, intitulando-se advogado, atendeu D… e E… a quem explicou quais os procedimentos e documentos necessários para intentar uma acção de divórcio em representação da filha de ambos, C1... (actualmente C…), à data a residir em Inglaterra.

    4. No final dessa consulta, o arguido solicitou para despesas a quantia de €600,00 (seiscentos euros) que D… lhe entregou através de cheque à ordem do arguido.

    5. No dia 23 de Março de 2010, no escritório de advogados da sociedade "G…, RL", sita na Rua …, nº …, .º andar, sala ., na Maia, o arguido atendeu o referido casal e entregou-lhes um documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça relativamente à acção de divórcio da filha de ambos que havia já sido proposta, solicitando-lhes a quantia de €2.035,00 para pagamento da referida taxa de justiça e honorários, o que eles pagaram através de cheque à ordem do arguido.

    6. Nos dias 30 de Junho e 9 de Setembro de 2010, mais uma vez no referido escritório, o arguido atendeu a C… e os pais desta, tendo-lhes explicado o estado do processo de divórcio e solicitado da primeira vez a quantia de €700,00 e da segunda a quantia de €686,00, o que eles pagaram através de dois cheques emitidos à ordem do arguido.

    7. Para justificar os honorários solicitados, o arguido, sem o conhecimento e contra a vontade do Dr. H…, único sócio e gerente da sociedade "G…, RL", utilizando papel timbrado da aludida sociedade, forjou uma nota de despesas e honorários que assinou onde solicitou à C… a quantia de €2.710,40.

    8. Recebido o referido montante a título de honorários, o arguido, mais uma vez sem o conhecimento e contra a vontade do Dr. H…, preencheu e assinou o recibo nº ….., cuja cópia se encontra a fls. 26, referente à actividade de advocacia, onde declarou que a sociedade "G…, RL", através da aposição do referido carimbo recebeu a quantia de €2.710,40...

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