Acórdão nº 233/15.5T8PVZ-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelATA
Data da Resolução10 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação 233/15.5T8PVZ-A.P1 Relator: Ataíde das Neves Ex.mos Desembargadores Adjuntos: Amaral Ferreira; Deolinda Varão Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto Os autores B… e C… instauraram contra EP – Estradas de Portugal, SA, e D…, SA, pedindo que sejam os Réus: a) Condenados a reconhecer serem os autores os donos dos prédios descritos nos art. 10º, 11º, 12º, e 27º b) Condenados a entregarem aos Autores os prédios referidos em a), no estado em que se encontravam à data da sua tomada de posse administrativa; Cumulativamente, serem os condenados a pagar aos autores: c) a quantia de €88.532,00 em capital; d) a quantia de €3.235,00 mensais, contados desde Fevereiro de 2015 até à data da entrega dos prédios ou de nova declaração de utilidade pública dos mesmos; e) juros sobre estas importâncias à taxa legal de 4%, contados desde a citação até pagamento.

Para tanto alegam em suma serem os únicos e universais herdeiros de E… e F…. Mais alegam a inscrição de aquisição de alguns prédios reivindicados a favor dos decujos, a sua aquisição derivada, fundada em sucessão, e ainda factos configurativos da aquisição de tais prédios, por usucapião.

As rés D…, S.A. e EP – Estradas de Portugal, S.A. ocuparam parcelas de tais prédios mediante adjudicação em expropriação declarada nula por acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, aí edificando infra-estruturas rodoviárias que passaram a integrar a SCUT do … – … – Sublanço nó do …/… – nó do …, com tal conduta causando prejuízos aos Autores, que estes enumeram, pedindo a condenação das Rés no seu pagamento.

A Ré D… veio invocar a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, pugnando pela sua absolvição da instância Apreciando a excepção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, considerou o tribunal, para além do mais, o seguinte: “… Constata-se assim a incompetência absoluta deste tribunal, em razão da matéria, nos termos e com os efeitos previstos nos art. 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, e 99.º, n.º 1, do CPC, quanto aos pedidos de indemnização supra enunciados em c).

No entanto, esta incompetência absoluta, em razão da matéria, verifica-se apenas em relação a uma parte do objecto da acção, o que nos transporta para a questão a cumulação ilegal de pedidos.

Nos termos do art. 555.º, n.º 1, do CPC, pode o autor deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação.

Nos termos do art. 37.º, n.º 1, do CPC, a coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes ou a cumulação possa ofender regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia.

Deduzindo os autores pedidos da competência dos tribunais comuns cumulados com pedidos da competência dos tribunais administrativos e fiscais, estamos sem dúvida perante uma cumulação ilegal de pedidos nos termos resultantes das disposições supra.

Não acolhemos aqui, em face das normas citadas, a interpretação doutamente sustentada pelos autores, no sentido de que a cumulação destes pedidos levaria a uma absorção do pedido da competência dos tribunais administrativos pelos tribunais comuns, com o argumento de que o pedido de indemnização é acessório do de reivindicação.

Em sentido contrário, e sancionando a interpretação aqui seguida, decidiu o Tribunal de Conflitos em acórdãos de 3/03/1988, proc. n.º 00197, de 15/03/2005, proc. n.º 015/04, e de 28/11/2007, proc. n.º 06/07, disponíveis em www.dgsi.pt.

O acórdão deste mesmo tribunal de 16/02/2012, proc. nº 020/11, disponível na mesma base de dados, citado pelos autores, apreciou sem dúvida uma cumulação entre uma reivindicação de propriedade e um pedido de indemnização por danos derivados da violação de tal direito, mas decidiu que na situação concreta não estava em causa tal cumulação porque o pedido de indemnização não fora formulado. Aliás é aí referido que os autores em tal acção declaravam expressamente pretenderem formular tal pedido de indemnização junto da jurisdição administrativa. O aresto em questão não põe assim em causa o entendimento que aqui se segue.

A lei não é expressa quanto à consequência jurídica emergente da cumulação ilegal de pedidos, mas a maioria da doutrina e jurisprudência inclinam-se para encará-la como excepção dilatória atípica, que leva à absolvição do réu de instância quanto ao pedido em relação ao qual se verifica a incompetência em razão da matéria (António Geraldes, no seu Temas da Reforma de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, p. 148, cita alguns arestos neste sentido, e refere a apologia de Anselmo de Castro, Abílio Neto, Teixeira de Sousa e Castro Mendes).

Aceitamos modestamente esta construção, única que se harmoniza com a clara estrutura de pressuposto processual que assume a legalidade de cumulação de pedidos.” Acabando por decidir nos termos seguintes: “… A) Julgar improcedente a pretendida absolvição total da instância dos réus com fundamento em incompetência absoluta, em razão da matéria; B) Conhecer da excepção de cumulação ilegal de pedidos e, em consequência, absolver os réus de instância quanto ao pedido de condenação dos réus no pagamento de indemnização no valor de €88.532,00, acrescidos de €3.235,00 por mês, desde Fevereiro de 2015 até à data da entrega dos prédios ou de nova declaração de utilidade pública dos mesmos, e ainda juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento, a que se reportam as alíneas C), D), e E), do petitório.” Inconformados com tal decisão, dela vieram os Autores apelar para este Tribunal da Relação, oferecendo as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões: 1.- A competência do tribunal em razão da matéria afere-se pelos termos ou forma como o autor configura a acção, definida pelo pedido e causa de pedir.

  1. - Tendo os recorrentes formulado, como pedido (principal), a condenação dos réus a reconhecerem que aqueles são donos e legítimos possuidores dos prédios identificados na petição inicial, bem como a sua condenação a restituírem os mesmos no estado em que se encontravam à data da posse administrativa, em decorrência da anulação do acto de declaração de utilidade pública da expropriação desses imóveis por Acórdão do Tribunal Central Administrativo, o que determinou a extinção da sujeição à expropriação dos prédios dos Recorrentes, a questão principal traduz-se na reivindicação de propriedade privada.

  2. - Razão por que o conhecimento do pedido formulado cabe na jurisdição do Tribunal Comum.

  3. - Este Tribunal é igualmente competente para conhecer do pedido cumulativo com aquele deduzido de indemnização pela ocupação dos referidos bens.

  4. - Não é a circunstância de ter sido cumulado com o pedido principal um pedido indemnizatório contra as entidades demandadas - pessoas colectivas de direito público e/ou uma pessoa colectiva de direito privado no exercício de prerrogativas de poder público ou regida por normas e princípios de direito administrativo - que impõem concluir-se que a apreciação deste compete à jurisdição administrativa.

  5. - Enquadrando-se o litígio numa acção de reivindicação de um terreno privado intentada contra a Infraestruturas de Portugal, S.A. e a concessionária D…, fundada em violação do direito de propriedade sem que esteja em causa a aplicação de qualquer norma ou princípio de direito administrativo, é irrelevante ter sido cumulado um pedido de indemnização, fundado em responsabilidade extracontratual, não consistindo o ilícito na violação de acto ou norma de direito administrativo.

  6. - A “expressão “incidentes” ínsita no art.91.º/1 do CPC deve ser tomada em sentido amplo, englobando os pedidos dependentes formulados em acumulação real (como acontece no pedido de indemnização em acção de reivindicação), na extensão de competência ou competência conexa.

Nestes termos, deve o douto despacho ser revogado por violação, entre outros, dos arts.1311.º, 483.º, 562.º do CC, 91.º/1 do CPC, e ser julgado o tribunal comum o competente para julgar o pedido indemnizatório formulado pelos Recorrentes.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Apontemos as questões objecto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

I – Em primeiro lugar, considerando que os autores instauram uma acção de reivindicação, haverá que ponderar se quanto ao pedido indemnizatório formulado em c), se, tal como entendeu o tribunal recorrido, se deverá entender-se que o mesmo não tem competência, em razão da matéria, para a sua apreciação e julgamento.

Vejamos: As causas que não sejam atribuídas por lei a alguma jurisdição especial são da competência do tribunal comum atento o preceituado nos arts 66º e 26º, respectivamente, do CPC e da LOFTJ na redacção dada pela Lei nº 52/2008, de 28.08, sendo que a competência se fixa no momento em que a acção é proposta – art. 24º, nº1, da LOFTJ.

Nos termos do art. 212º, nº 3, da CRP, compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

O art. 4º, nº 1, alínea i), do ETAF (Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro alterada pelas Leis nº 4-A/2003, de 19 de Fevereiro e 107- D, de 31 de Dezembro) estabelece que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto (…): al. i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de...

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