Acórdão nº 4573/14.2T8LOU-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Julho de 2016
Magistrado Responsável | AUGUSTO DE CARVALHO |
Data da Resolução | 07 de Julho de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Apelação nº 4573/14.2T8LO-A.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhes move B… – Instituição Financeira de Crédito, S.A., vieram os executados C…, S.A., D… e E…, alegando, em síntese, que as condições particulares foram previamente acordadas antes da assinatura do contrato.
As condições gerais estavam pré-impressas à negociação e assinatura do contrato.
Não foi explicado aos executados o conteúdo e alcance das cláusulas contratuais relativas às obrigações do locatário, à mora e à rescisão do contrato e respetivas consequências, tudo se passando como se tais cláusulas não existissem.
A exequente não informou, nem comunicou aos executados o conteúdo das cláusulas 7ª, alínea h), 13º, nº 1, e 14º, nº 4, das condições gerais do contrato, e que agora invoca com o preenchimento da livrança.
Caso não se entenda que tais cláusulas são nulas, as executadas também não aceitam pagar à exequente os valores a calcular nos termos daquelas cláusulas, por os considerar manifestamente excessivos.
Com efeito, se o contrato tivesse sido cumprido, a exequente receberia a quantia de €73.532,00, proveniente de 60 prestações, e a quantia de €6.958,33, proveniente do valor residual, o que perfaz o valor total de €80.490,33.
Ao invés, o ganho resultante do incumprimento do contrato, compreenderá a quantia de €56.373,88, relativa a 46 rendas pagas pela 1ª executada, a quantia de €40.000,00, relativa ao valor comercial que o veículo tinha, quando a 1ª executada o entregou à exequente em 24.4.2014, e ainda o valor de €17.708,07 com que a exequente preencheu a livrança dada à execução.
No entanto, àqueles valores haveria que descontar o valor de €4.515,27, relativo às rendas 47ª a 49ª vencidas e não pagas.
Assim, o ganho que resultaria do incumprimento do contrato seria de €109.56,68 (€56.373,88 + €40.000,00 + €17.708,07 + €4.515,27), o que é manifestamente excessivo.
A exequente contestou, invocando, em síntese, que houve possibilidade de negociação e, portanto, não existem cláusulas contratuais gerais.
A livrança foi preenchida, conforme o acordado.
Conclui pela improcedência da oposição.
Procedeu-se a julgamento e, a final, proferida sentença, na qual a oposição foi julgada parcialmente procedente, não sendo devida a quantia peticionada, a título de penalização pela mora na entrega do veículo, de €5.819,68 e eventuais juros que sobre a mesma tenham recaído, que deve ser reduzida à quantia exequenda.
Inconformadas, as executadas recorreram para esta Relação, formulando as seguintes conclusões: 1. A livrança dada à execução foi preenchida com base no contrato de locação financeira celebrado entre a exequente e as executadas.
-
O tribunal a quo considerou, e bem, que o dito contrato contém cláusulas gerais pré-elaboradas pela exequente, que estão sujeitas ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais, estatuído no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro; 3. De acordo com o estabelecido nos artigos 5º e 6º, do citado diploma legal, a exequente tinha de comunicar, de modo adequado e com a devida antecedência, ao aderente do contrato as cláusulas gerais pré-estabelecidas, devendo informá-lo dos aspetos nela compreendidos cuja aclaração se justificasse; 4. O cumprimento desse dever de comunicação e de informação devia ter sido provado pela exequente, tal como determina o n.º 3, do mencionado artigo 5º.
-
No caso em apreço, a exequente não provou que tenha comunicado, nos termos legais, as cláusulas gerais que pré-estabeleceu no contrato celebrado com os executados.
-
A falta de comunicação das cláusulas contratuais gerais ao aderente, nos termos previstos no artigo 5º, implica a exclusão das mesmas cláusulas do contrato, conforme o previsto na alínea a) do artigo 8º.
-
Não obstante essa cominação legal para a falta da prova do cumprimento desse dever de comunicar, os executados, nos embargos que deduziram à execução vieram impugnar apenas a validade e aplicação ao contrato das seguintes cláusulas gerais pré-estabelecidas pela exequente: 7ª, alínea h), 13ª, nºs 1 e 2, e 14ª, nº 4; 8. Dado que o tribunal a quo decidiu afastar, por “manifestamente excessivo”, a aplicação do previsto no nº 2 da cláusula 13ª, o que se discute no presente recurso fica limitado à pretensão de serem desconsideradas no contrato as restantes cláusulas impugnadas – 7ª, alínea h), 13ª, nº 1, e 14ª, nº 4.
-
O tribunal a quo concluiu, ainda, que, no caso presente, as referidas cláusulas estão sujeitas ao regime das cláusulas contratuais gerais, ou seja à cominação prevista na alínea a) do artigo 8º, todavia decidiu paralisar a aplicação desta norma legal por via do instituto do abuso de direito, previsto no artigo 334º do C.C.
-
É neste ponto que os executados não se conformam com a douta decisão recorrida.
-
No caso em apreço, os executados reduziram a discussão, tão só, à falta de comunicação do conteúdo das cláusulas 7ª, alínea h), 13ª, nº1 e nº2 (e, neste recurso, limitada ao nº 1), e 14ª nº 4 das Condições Gerais do contrato, logo apenas parte das cláusulas gerais que foram invocadas pela exequente para o preenchimento da livrança; 12. As cláusulas gerais impugnadas pelos executados são aquelas em que a exequente pré-fixou as consequências para as situações de incumprimento do contrato.
-
As executadas não questionam as cláusulas gerais atinentes ao regular andamento e cumprimento do contrato, apesar de o poderem ter feito, à luz do disposto na alínea a) do artigo 8º.
-
Não o fizeram, porque, aí sim, poderia eventualmente configurar-se uma situação de abuso de direito.
-
As cláusulas que os executados impugnam e pretendem ver excluídas do contrato são aquelas que foram invocadas pela exequente para romper o contrato e exigir a indemnização que ela pré-estabeleceu (sem as ter comunicado e esclarecido aos executados) pelo incumprimento.
-
São cláusulas que, além de não terem sido comunicadas, nunca foram chamadas à colação no decurso da vida do contrato, 17. Com as quais, por norma, qualquer contraente apenas se confronta quando o contrato cessa ou entra em crise.
-
Por isso, não se pode dar como seguro ou sequer como provável que os executados criaram na exequente a convicção de que sempre souberam e aceitaram que as consequências pela falta do cumprimento pontual do contrato não eram as que resultam das regras gerais (“o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” – artigo 798.º, do Código Civil), mas antes aquelas que estavam pré-estabelecidas pela exequente nas cláusulas contratuais gerais do aludido contrato de locação financeira.
-
Da materialidade de facto apurada, não resulta que os executados tivessem agido de modo a frustrar uma expectativa criada na contraparte, na qual esta houvesse legítima e razoavelmente confiado; 20. Pelo contrário, no caso vertente, vemos uma relação comercial onde é patente a desigualdade de meios entre os contraentes, sendo que a recorrida exequente ao atuar como atuou, prevaleceu-se de superioridade negocial, em relação aos executados, que recorreram ao seu crédito, não tendo provado, como lhe competia, que cumpriu os deveres de comunicação e de informação das cláusulas gerais do contrato por si pré-determinadas; 21. Deste modo, a responsabilidade pela situação criada (falta de comunicação e de informação das cláusulas em crise) cabe à exequente, não podendo os executados serem penalizados por essa falta da exequente; 22. Para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder.
-
É preciso, como acentuava M. de Andrade, que o direito seja exercido, em termos clamorosamente ofensivos da justiça.
-
Levando em conta as específicas cláusulas gerais impugnadas e o comportamento da exequente, profissional no mercado de crédito, com o arsenal de meios logísticos, marketing e publicidade de que dispõe, o circunstancialismo em que os executados (a parte mais fraca no contexto negocial, repetimos), invocam a exclusão das cláusulas 7ª, alínea h), 13ª, nº1, e 14ª, nº 4, do contrato, não exprime abuso de direito.
-
Ao decidir de modo diverso, o tribunal a quo exorbitou o âmbito de aplicação do instituto do abuso de direito, previsto no artigo 334º do C.C.
-
Assim, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que, julgando procedentes os embargos dos executados, determine a redução do valor do título executivo dado à execução para a quantia exequenda de €4.609,97.
A exequente interpôs recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões: 1.
Veio a sentença a quo afastar a aplicação da cláusula 13.ª, n.º 2 do contrato, declarando nulas as cláusulas inseridas no contrato assinado pelas recorrentes, por considerar que a recorrida não fez prova nos autos de ter cumprido os seus deveres de comunicação e informação. Por outro lado, afastou os efeitos da nulidade, porquanto considerou que as recorrentes agiram em abuso de direito na vertente de venire contra factum proprium.
-
Assim sendo, não podendo todas as cláusulas serem consideradas nulas, o tribunal a quo dissertou sobre validade das cláusulas 13.ª, n.º 2 [indemnização pela mora na entrega da viatura] e 14.ª n.º 4 [pagamento de 20% do capital vincendo], qualificando ambas como cláusulas penais.
-
Quanto à cláusula 14.ªn.º 412 [pagamento de 20% do capital vincendo], o tribunal a quo entendeu, e bem, que a mesma é válida.
No entanto, não admite a cumulação da cláusula 14ª, nº 2, com a cláusula 13ª, nº 2 [indemnização pela mora na entrega da viatura], afastando a aplicação desta.
-
Por não se conformar com o seu decaimento, vem a recorrida [recorrente no presente recurso subordinado] impugnar a sentença a quo na parte em que (i) considera nulas as cláusulas por violação dos deves de informação e comunicação impostos à locadora por...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO