Acórdão nº 2872/15.5T8PNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelSOUSA LAMEIRA
Data da Resolução07 de Julho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

RECURSO de APELAÇÃO Nº 2872/15.5T8PNF.P1 Relator: Sousa Lameira ( ) Adjuntos: Dr. Oliveira Abreu (n.º) Dr. António Eleutério (n.º) Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO 1- No Tribunal da Comarca do Porto Este, Penafiel - Inst. Central - Secção Cível - J3 o Autor B…, intentou a presente acção comum de declaração contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, alegando resumidamente: Que, em virtude de ter ocorrido um acidente de viação, instaurou uma acção contra a Seguradora, acção essa que foi julgada improcedente apenas devido a erro judiciário do Supremo Tribunal de Justiça.

Conclui pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 245.700,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.

2 – O R., apresentou contestação, impugnando os fundamentos da acção e concluindo pela sua improcedência.

3 – O processo prosseguiu termos e findos os articulados foi proferido despacho a convidar as partes a apresentar alegações de direito uma vez que a questão a decidir era meramente de direito.

Após a apresentação das alegações foi proferida a competente sentença que julgou «a presente acção totalmente improcedente e, consequentemente absolveu o Réu do pedido.

4 – Apelou o Autor, nos termos de fls. e ss, formulando as seguintes conclusões: 1. As normas nacionais sobre o seguro obrigatório automóvel devem ser interpretadas à luz das Directivas Comunitárias que o regulam, quando transpostas para a ordem jurídica interna ou decorrido o prazo para a respectiva transposição (Ac. S.T.J. de 14-1-2010, Proc. 1331/03.3TBVCT.G,S1; Ac. S.T.J. de 16-1-07, Proc. 06A2892 e de 22-4-08, Proc. 088742, todos acessíveis em www.dgsi. pt).

  1. O Supremo Tribunal violou censurável e frontalmente o Direito Comunitário aplicável in casu, ao fazer errada interpretação e aplicação das chamadas 2ª e 3ª Directiva Automóvel, por si e através dos diplomas legais que a transpuseram para o nosso direito interno.

  2. A função jurisdicional gera responsabilidade, desde logo quando haja violação do Direito Europeu, com a consequente obrigação para o Estado-Membro de ressarcir os danos causados, desde que a norma violada se destine a conferir direitos aos particulares, a violação seja suficientemente caracterizada e exista um nexo de causalidade entre a violação e o dano sofrido pelo particular.

  3. No caso em apreço é inquestionável que o artigo 3º da 2ª Directiva (84/5/CEE) e o artº 1º da Terceira Directiva Automóvel (90/232/CEE) atribuem direitos aos particulares, garantindo aos passageiros transportados em veículo a motor, que não o condutor, através do sistema de seguro obrigatório, o ressarcimento dos danos de carácter pessoal que hajam sofrido em consequência de acidente de viação.

  4. A violação do direito comunitário está suficientemente caracterizada, quer porque se fez errada interpretação do artigo 3º da Segunda Directiva e do art. 1º da Terceira Directiva, sobrepondo-lhe o quadro dogmático-normativo do direito interno anterior, em sede de responsabilidade civil automóvel, sem a preocupação de se interpretar o direito diferido, entretanto transposto (pelo DL 130/94), à luz das novas realidades contempladas em tal directiva, quer porque se violou, de modo manifesto, a obrigação que impende, máxime, sobre o órgão jurisdicional nacional que decide em última instância, de suscitar a questão prejudicial junto do TJCE, tanto mais que foi instado pelo Autor, na respectiva acção, para tal, cfr. se decidiu no Acórdão Traghetti del Mediterraneo, de 13.06.2006, do TJUE.

  5. E no Acórdão Köbler, o órgão jurisdicional nacional que se deva pronunciar sobre um pedido de reparação deve atender a todos os elementos que caracterizam a situação que lhe é submetida, designadamente o grau de clareza e de precisão da regra violada, o carácter intencional da violação, o carácter desculpável ou não do erro de direito, a atitude eventualmente adoptada por uma instituição comunitária, bem como o não cumprimento pelo órgão jurisdicional em causa da sua obrigação de reenvio prejudicial por força do art. 267º/3 do TCE.

  6. De facto, o tribunal nacional fica dispensado da obrigação de reenvio, apenas no caso de a aplicação correta do direito da União Europeia ser de tal modo evidente que não deixe lugar a nenhuma dúvida razoável sobre o modo de resolver a questão suscitada.

  7. Acresce que o direito da União Europeia utiliza uma terminologia própria, não necessariamente coincidente com a nacional, devendo cada disposição do direito ser colocada no seu contexto e interpretada à luz das suas finalidades – Ac. Cilfit (06.10.82, procº 283/81, nºs 16-20).

  8. Pelo que, pedido o reenvio, o Tribunal deve sempre cumpri-lo, já que a certeza exigida para a sua dispensa, não é muito dificilmente atingível.

  9. O tribunal de que se recorre, ao decidir que para ser apreciada a responsabilidade civil do Estado é necessário que a decisão danosa seja revogada, está a coarctar os direitos dos cidadãos à justa reparação em caso de violação de um direito pelos órgãos jurisdicionais.

  10. Não pode colher o argumento da incidência do princípio da autoridade do caso julgado na situação em causa no processo principal, já que o reconhecimento do princípio da responsabilidade do Estado decorrente da decisão de um órgão jurisdicional nacional decidindo em última instância não tem, em si, por consequência, pôr em causa a autoridade do caso definitivamente julgado de tal decisão.

  11. O princípio da responsabilidade do Estado inerente à ordem jurídica da União exige o ressarcimento pelo dano causado ao cidadão, mas não a revisão da decisão judicial que o causou (v. acórdão Köbler, C‑224/01, EU:C:2003:513, n.° 39).

  12. Como se escreveu no acórdão do TJUE C-160/14:”O direito da União e, em especial, os princípios formulados pelo Tribunal de Justiça em matéria de responsabilidade do Estado por danos causados aos particulares em virtude de uma violação do direito da União cometida por um órgão jurisdicional que decide em última instância devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que exige como condição prévia a revogação da decisão danosa proferida por esse órgão jurisdicional, quando essa revogação se encontra, na prática, excluída”.

  13. O argumento da sentença de que se recorre, ainda que em defesa do princípio da segurança jurídica, teria como consequência, quando uma decisão proferida por um órgão jurisdicional que decide em última instância e se baseie numa interpretação manifestamente errada do direito da União, impedir o particular de invocar os direitos que lhe são reconhecidos pela ordem jurídica da União e, especialmente, os que decorrem do princípio da responsabilidade do Estado.

  14. O princípio da segurança jurídica nunca poderia pôr em causa o princípio da responsabilidade do Estado pelos prejuízos causados aos particulares por violações do direito da União que lhe sejam imputáveis, sendo o princípio da responsabilidade civil do Estado inerente ao sistema dos Tratados em que se funda a União (v., neste sentido, acórdão Specht e o., C‑501/12 a C‑506/12, C‑540/12 e C‑541/12, EU:C:2014:2005, n.° 98 e jurisprudência referida).

  15. Nestas circunstâncias, um obstáculo importante, como o que resulta da regra do direito nacional em causa no processo principal, à aplicação efectiva do direito da União e, designadamente, de um princípio tão fundamental como o da responsabilidade do Estado por violação do direito da União, não pode ser justificado pelo princípio da autoridade do caso julgado, nem pelo princípio da segurança jurídica.

  16. Por tudo o supra exposto, requer-se, nos termos do artº 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, seja feito pedido de decisão prejudicial com o seguinte objecto: “O postulado nas Segunda e Terceira Directivas relativas à aproximação das legislações dos Estados- Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis se opõe a que a legislação nacional preveja a indemnização do condutor culposo por danos patrimoniais em caso de falecimento do cônjuge que seguia no veículo como passageiro, cf. Previsto no artº 7º nº 3 do DL 522/85, de 31 de Dezembro, com a redacção dada pelo DL 130/94, de 19 de Maio?”.

    Conclui pedindo a procedência do recurso devendo ser revogado a sentença recorrida com a consequente condenação do Estado Português.

    Se assim não se entender deve ser deferido o pedido de reenvio ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

    5 – O Réu/recorrido apresentou contra-alegações formulando as seguintes conclusões: 1.

    A douta sentença sob recurso não merece qualquer censura, porquanto se mostra conforme ao Direito; 2.

    Para efeitos de responsabilidade civil por erro judiciário, releva apenas o erro manifesto ou grosseiro, extraído do juízo relativo à relevância jurídica do dano, de proporcionalidade e de repartição dos custos e encargos com o sistema de justiça (o dano indemnizável), sem prejuízo da relevância de qualquer erro para efeitos de revogação da decisão danosa; 3.

    Ao decidir-se pelo não reenvio prejudicial ao TJUE, como o fez, o STJ não violou quaisquer normas de direito comunitário, não se podendo considerar que essa mais que duvidosa violação tenha carácter manifesto, não se descortinando desvalor jurídico na actuação do STJ.

  17. Nada impedia que os Senhores Juízes Conselheiros entendessem, como entenderam, que a interpretação do artigo 7º, números 1 e 2, alínea a), do DL 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção introduzida pelo DL 130/94, de 19 de Maio, não suscitava “justificadas dúvidas” e que, com esse fundamento, recusassem o reenvio prejudicial.

  18. À semelhança do que a Lei nº 67/2007 estipula para a verificação de responsabilidade civil por decisões judiciais que apliquem o direito interno, a afirmação dessa responsabilidade por decisões judiciais que apliquem o direito da UE só se verifica se e quando a violação das suas normas seja manifesta, caso em que a mesma se apresenta suficientemente...

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