Acórdão nº 113/15.4T8MCN.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução07 de Julho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 113/15.4T8MCN.P1 [Comarca Porto Este/Inst. Local/M. Canavezes/Sec. Cível] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, com o NIF ………, residente em Marco de Canaveses, intentou acção declarativa contra C…, com o NIF ………, e D…, com o NIF ………., residentes em Marco de Canaveses, pedindo que se desconsidere ou levante a personalidade jurídica da sociedade comercial “E…, Lda.” e se condenem os réus a pagarem-lhe a quantia de €45.917,00, acrescidos de juros de mora desde o fim de Dezembro de 2014 até integral pagamento.

Para o efeito, alegou que até 27.10.2004 foi sócia da sociedade E…., Lda., pessoa colectiva n.º ………, com sede em …, altura em que dividiu a sua quota no valor nominal de €50.000 em duas e cedeu-as C… e F…, sócios gerentes da dita sociedade, os quais, aquando da cessão das quotas, em representação da sociedade outorgaram um documento escrito no qual a sociedade se reconhecia devedora à autora da quantia de €91.834,00 a título de suprimentos realizados pela autora à sociedade e se obrigava a pagar à autora esse valor até Dezembro de 2014, sem juros. Em 16.06.2006, a autora teve conhecimento que o estabelecimento que a sociedade explorava e onde se encontrava a sua sede tinha encerrado, estando a funcionar nesse espaço outra sociedade. O sócio F…, contactado pela autora, prontificou-se a pagar-lhe metade do valor uma vez que tinham vendido a empresa, repartido entre si de igual forma o produto da venda e usado capitais da sociedade para fins pessoais, com o intuito de prejudicar a aqui autora. A sociedade não possuiu, nem possuía à data do seu encerramento, mais nenhum estabelecimento ou negócio, nem abriu a sua actividade em qualquer outro local, deixando, após o encerramento do estabelecimento de ter qualquer património susceptível de satisfazer minimamente as obrigações assumidas no acordo. Aquando da outorga do acordo o réu já teria em mente não proceder ao pagamento dos suprimentos com o objectivo de prejudicar a autora e encerrou a sociedade propositadamente para concretizar essa intenção e ficar com o respectivo capital para seu proveito.

Os réus contestaram a acção, arguindo a excepção da ilegitimidade da ré mulher e impugnando os factos alegados pela autora, alegando basicamente que quem assumiu a responsabilidade perante a autora foi a sociedade e não o réu, que a sociedade teve sucessivos prejuízos, encerrando a sua actividade para efeitos de IVA em 2006 e de IRC em 2013, o seu capital foi consumido com o pagamento de dívidas sociais, a cessão de exploração do estabelecimento da sociedade não gerou nenhum proveito tendo a cessionária assumido em contrapartida dívidas da sociedade, a sociedade foi dissolvida em 2013.

Após julgamento foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo os réus do pedido.

Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: I – Na Sentença em crise existem determinadas enxertos, que articulados e concertados entre si levaram à sua prolação que entendemos sem qualquer razão, que denotam a forma errada da divisão do ónus da prova, referindo: “(…) Donde se conclui que a imputação da elaboração de um plano ardiloso para se apoderar do dinheiro da Autora, a consciência prévia de que iria ser esvaziada a sociedade do seu património e o intuito de não a reembolsar teria necessariamente de ser feita não só em relação ao réu marido, mas também em relação ao outro sócio, F…. Ambos o assinaram e ambos a ele vincularam, de igual forma, a sociedade que aí – de forma expressa – estavam a representar. Se a actuação de ambos os sócios foi exactamente idêntica, porque é que a Autora imputa apenas ao aqui réu um plano engenhoso para se enriquecer pessoalmente à sua custa?” II - Mais adiante refere que: “.” A autora também escamoteia que entre a data da assinatura do acordo – 2004 – e a transmissão do estabelecimento comercial – em 2006 – mediaram cerca de dois anos. Pergunta-se: então em 2004, ambos os sócios já sabiam, já estavam em negociações para vender o estabelecimento? Nada disso se provou, sequer se demonstrou indiciariamente.” III - Na mesma senda: “Assim como não produziu a mínima prova de que o réu usou o dinheiro da Autora para fins pessoais. O que resulta dos autos é que tal dinheiro foi usado no âmbito da via empresarial da sociedade. Que uso particular e pessoal deu o réu, ou ambos os réus, aos empréstimos efectuados pela Autora? Se bem atentarmos na petição, verificamos que a Autora alega essa “confusão”, mas não a descreve com factos concretos. Tal dinheiro foi usado pelos réus para comprar carros pessoais? Para fazer férias? Para pagar despesas da casa? Não se sabe, porque nada se alegou e, mais ainda, nada disso sequer se indiciou em sede de julgamento.” IV - Nenhuma prova testemunhal apresentada pelos réus foi ouvida em sede de audiência de julgamento.

V - Conforme é alegado, a autora recorreu ao mecanismo da “desconsideração da personalidade jurídica”, referindo ter havido mistura de patrimónios. Só existe “mistura de patrimónios” para efeito de “desconsideração de personalidade” da sociedade comercial se a autonomia patrimonial da mesma – a separação entre o património da sociedade e o património dos sócios, ou sócio neste caso – não tiver sido respeitada, sendo ainda exigível que não seja possível identificar/individualizar os actos pelos quais não foi respeitada a separação entre esses patrimónios (ou seja, “opacidade” contabilística).

VI - Aí, a par de outros meios, se a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade já estivesse previamente desconsiderada, por força da inexistência da respectiva autonomia patrimonial. Na verdade, a mistura de patrimónios, assim definida, constitui um típico grupo de casos neste contexto, única solução na qual é de afirmar sem reservas a insubsistência da personalidade jurídica da sociedade para, consequentemente, fazer os sócios responder perante os credores sociais (de facto, uma vez posta em causa a autonomia patrimonial da sociedade comercial, fica arredada a possibilidade de se afirmar a personalidade jurídica desse ente.

VII - A questão da tutela dos credores sociais é geradora, nestas situações específicas da “mistura de patrimónios” de algumas perplexidades. Desde logo, porque à aqui autora está vedado o acesso a uma informação completa e fidedigna acerca da factualidade relevante, suficiente para que a situação em causa possa ser reconduzida a este “grupo de casos”: uma vez que faz parte do seu quadro caracterizador o facto de existir “opacidade contabilística”, é impossível que a realidade patrimonial e empresarial da sociedade seja suficientemente conhecida da autora, atente-se à data da sua cedência de quotas, a data da cessação da actividade, a data da venda do estabelecimento e a data do vencimento da obrigação.

VIII - Então a questão da distribuição do ónus da prova assume um papel essencial, à qual o recurso ao disposto no artigo 344.º n.º 2 do Código Civil permite dar resposta adequada: deve deslocar-se para a esfera jurídica da parte “que tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado” a prova de demonstrar que a autonomia patrimonial ainda existe. Por outras palavras: perante indícios seguros da existência de comportamento dos sócios que impliquem o desrespeito pela separação de patrimónios (e há e são reconhecidos pelo Tribunal “a quo” e por um dos sócios) e uma vez que a autora não se encontra em condições de fazer a prova de factos relevantes (as perguntas feitas na Sentença), deverá caber aos réus a quem tais comportamentos são imputados, a fim de evitarem consequências que eventualmente venham a ser estabelecidas para o caso de “mistura de patrimónios”, fazer a prova que os comportamentos que atentaram contra a separação patrimonial podem ser individualizados, e os respectivos efeitos no património social neutralizados através do recurso às soluções do direito civil e/ou societário positivo.

IX - Caso os réus não façam prova, como não fizeram, pode afirmar-se a insubsistência da determinação exacta daquele que seria o património social na ausência dos referidos comportamentos pelos réus. Em suma, pode afirmar-se a existência de uma situação de “mistura de patrimónios”, para o efeito de fazer o património dos Réus responder pelas obrigações sociais. Neste caso, já não subsistindo a personalidade jurídica – instituto que não prescinde da existência da autonomia patrimonial dos réus – responderão os réus que constituem o substrato pessoal da sociedade, ou seja, os sócios. Cabe ainda...

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