Acórdão nº 2050/14.0T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução20 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 2050/14.0T8PRT.P1-Apelação Origem: Comarca do Porto-Porto-Inst. Central-1ª Secção Cível-J1 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Sousa Lameira Sumário: I- Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.

II- A prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, razão pela qual será normalmente insuficiente para a prova de um facto essencial à causa de pedir que surja desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie.

III- O contrato de mediação imobiliária é um contrato bilateral e oneroso: o mediador obriga-se a procurar interessado e a aproximá-lo do comitente para a realização do negócio no sector imobiliário e este último obriga-se a remunerá-lo pelo serviço prestado.

IV- Em princípio, no contrato de mediação, a remuneração apenas é devida ao mediador com a conclusão e perfeição do negócio.

V- Todavia, tendo o contrato de mediação sido celebrado em regime de exclusividade em que as partes não fazem depender o pagamento da remuneração da efectiva outorga de qualquer contrato, é a mesma devida desde que o negócio visado esteja acertado, isto é, que haja um interessado efectivo para o mesmo que aceite as condições do vendedor ainda que aquele não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário (artigo 19.º, nº 2 da 15/2013, de 8/02).

VI- Tendo os Réus recorridos aceitado o negócio, aceitado o preço de venda proposto pela interessada angariada pela imobiliária Autora, discutido o valor da comissão que foi aceite por esta e tendo dado início às diligências necessárias com a solicitação de documentos da interessada que foram fornecidos e tendo-se, ao fim de dois meses, recusado a vender sem qualquer justificação, forçoso é concluir o negócio visado só não se veio a concretizar por causa imputável àqueles.

VII- Verifica-se que há, assim, sem qualquer dúvida, uma manifesta contrariedade directa entre o primeiro e o segundo comportamento existindo, no caso concreto, uma necessidade ético-jurídica de impedir a conduta contraditória, designadamente, por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo dos confiantes, e por a situação conflituar com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correcta e honesta, com os ditames da boa fé em sentido objectivo.

VIII- Os danos não patrimoniais em virtude de o prestígio, imagem e bom nome de um contratante terem ficado afectados podem ser ressarcidos em sede de responsabilidade contratual.

IX- Porém, tratando-se de uma pessoa colectiva, embora seja dotada de personalidade jurídica, não se concebe que possa sofrer danos morais decorrentes daquela ofensa, razão pela qual nestes casos poderemos estar, sim perante o que a doutrina usualmente denomina de danos patrimoniais indirectos, ou seja, um género de danos morais com reflexos patrimoniais.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: “B…, Lda.”, com sede na …, nº.., R/chão, Marco de Canaveses, veio instaurar o presente processo de declaração, contra C… e mulher D…, residentes na …, nº …, .º E, Estoril.

Termina pedindo: - que a presente acção seja julgada procedente por provada e em consequência:

  1. Declarar-se definitivo e culposo o incumprimento do contrato de mediação por parte dos RR.; B) Condenar-se os RR. a pagarem à A. a quantia de EUR: 46.231,71, acrescida de IVA à taxa legal de 23%, no montante de EUR: 10.633,29, bem como juros vencidos e vincendos, desde 6 de Junho de 2014, à taxa legal em vigor, os quais nesta data somam a importância de EUR: 658,64, até integral e efectivo pagamento.

ou caso assim se não entenda, C) Condenar-se os RR. a pagarem à A a indemnização que venha a ser julgada ao abrigo da equidade, mas desde já se calcula em montante nunca inferior de EUR: 56.865,00.

em qualquer dos casos, D) Condenar-se os RR. no pagamento da quantia de € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vincendos a contar da citação dos RR.

*Citados os Réus, apresentaram contestação.

Concluem, pedindo que:

  1. Deve a acção ser julgada totalmente improcedente por não provada e, em consequência, serem os RR. absolvidos dos pedidos, com as legais consequências.

  2. Deve a A. ser condenada no pedido de litigância de má-fé em montante até € 10.000,00.

*Realizou-se Audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador com identificação do objecto do litígio e, bem assim, dos temas da prova.

*Teve lugar a audiência de julgamento com as formalidades legais tendo, a final, sido proferido decisão que julgou a acção totalmente improcedente por não prova absolvendo os Réus dos pedidos contra eles formulados.

*Não se conformando com o assim decidido veio a Autora interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte: 1.-Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que não se provou que a aceitação por parte da interessada do preço pretendido pelos recorridos tenha sido, de novo, imediatamente comunicado àqueles, os quais deram o negócio por concluindo, e que a recorrente tivesse recebido ordens daqueles no sentido de exigir a celebração do contrato promessa, com a entrega de um cheque no montante de EUR: 50.000,00 a título de sinal (artigo 17° e 18° da petição inicial).

  1. -Considerou, ainda, não terem sido dado como provado que o sócio gerente da recorrente tenha telefonado pessoalmente ao recorrido marido, avisando-o" de que já estava redigido, tendo aquele pedido que as cláusulas do referido contrato promessa lhe fosse de imediato transmitido verbalmente o que de facto aconteceu, tendo, nessa altura, o recorrido declarado aceitar as ditas cláusulas constantes do dito contrato promessa, impondo que aquele fosse, primeiro, assinado pelo promitente comprador para depois ser assinado pelos recorridos e que só depois de ter a anuência dos recorridos é que tal contrato foi transmitido à interessada, (artigo 20° a 24°, 25° da petição inicial).

  2. -Considerou, ainda, como não provado que a recorrente se viu forçada a aceitar reduzir a sua comissão para o valor de EUR: 50.000,00 já com IVA incluído e que os recorridos impediram a recorrente de poder concretizar o negócio de venda já discutido a acertado (art° 45° e 70° da petição inicial).

  3. -Em declarações de parte do sócio gerente da recorrente, Dr. E…, perguntado sobre o mail de 07-06-2014, documento 6 junto à petição inicial, este respondeu: "Para além destas alterações deve a B… declarar que o valor de venda é 850 mil euros e o valor da sua comissão como intermediaria é de 56.865 já com IVA incluído". 00:09:2 a 00:09:29 5.-Perguntado se nesse dia 7 de Junho, o contrato promessa já estava assinado, este respondeu " No dia 7 de Junho havia já um contrato promessa assinado pelo comprador". 00:09:34 a 00:09:40 6.-Perguntado se o recorrido sabia desse contrato, este respondeu: "Sabia, sabia". 00:09:42 a 00:09:43 e continuou "Mas depois decidiu por be introduzir outras cláusulas, que foram reintroduzidas" 00:09:44 a 00:09:50 e ainda "Já sabia que o contrato promessa, já sabia que havia um chegue de 50 mil euros da empresa, passado ao seu nome" 00:09:55 a 00:10:04.

  4. -Perguntado se tinha aceite o preço de EUR: 850.000,00, este respondeu: "Não, não, ele não ê questão de pôr em causa, ele aqui pede até para nós confirmarmos que o negócio são 850 mil e a comissão são 56865,00. Dra. Ele fala aqui nos 56865,00 porque isto foi alvo de uma negociação. Se nós tirarmos 6% de 850 não dá mais IVA, mais IVA, não dá 56865,00".00:10:10 a 00:10:33, e continua: "Dá um pouco mais, dá um pouco mais. E portanto, foi renegociada a nossa comissão. Talvez, este, esta, esta necessidade de passar a escrito a nossa comissão" 00:10:35 a 00:10:48 E mais à frente refere: "Se eu tirar os 23% do IVA digamos que dá 60 e qualquer coisa mil euros. O que ficou, acordado entre a B… e o Sr. C… é que nós suportaríamos metade do IVA e ele suportaria a outra metade. Porque o Pr. C… não queria pagar o IVA. Mas nós gostamos sempre de pagar o IVA" 00:11:04 a 00:11:26.

  5. -Perguntado se o negócio havia sido aceite pelo recorrido, este respondeu: "Eu não posso ter um contrato promessa de um cliente assinado, onde a pessoa me diz para o assinar, me confirma mesmo que é isso mesmo, e depois me muda o valor de comissão. Mas eu ainda assim, talvez por saber que não tinha alternativa, de fazer o contrário, porque tenho uma marca de reputação máxima, eu represento a F… e portanto ele sabia disso, por isso é que o imóvel dele estava lá, e eu não posso ter danos de imagem". 00:15:38 a 00:15.01.

  6. -Confrontado com a data do contrato promessa e do cheque de 06/06 e da data do envio do contrato ao recorrido, e se tal procedimento é normal, este respondeu: "Não. Não é normal, eu posso-lhe explicar o que é que aconteceu. O Pr. C… falou comigo ao telefone. O negócio estava fechado. Eu disse Pr. eu vou ter, o comprador, poderei ter o comprador, ele ia para fora, tinhamos ali uma janela temporal muito apertada. E ele disse feche o negócio. Feche o negócio, receba o cheque. E eu disse oh Pr. e a minuta? Leia-me a minuta E eu li-lhe a minuta. Ao telefone eu li-lhe a minuta toda. E depois de estar assinado ele disse bom então introduza mais isto". 00:14:19 a 00:18:02.

  7. - Perguntado se era normal um comprador entregar um sinal com um contrato promessa não assinado pelo vendedor, este respondeu: "É". 00:19:38 e continua "É, exactamente porque o Pr. C… estava em … e dizia: ok recolha o sinal, que deixem o cheque, e depois eu vou aí e assino. Foi isso que se passou. Fazemos isso todos os dias Sr. Pr.. É sempre assim, praticamente. Aliás, a nossa clientela muitas vezes até envia os sinais para a nossa conta, porque é uma clientela internacional. E depois são entregues aos compradores, aos vendedores, peço desculpa". 00:19:40 a 00:20:07.

  8. -Perguntado se é normal submeterem...

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