Acórdão nº 1170/14.6TAVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução15 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1170/14.6TAVFR.P1 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I.

RELATÓRIO No processo comum n.º 1170/14.6TAVFR, da Comarca de Aveiro – Santa Maria da Feira – Instância Local – Secção Criminal – J1, o Ministério Público, fazendo uso do disposto no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, acusou B…, divorciado, corticeiro, nascido a 25 de Abril de 1960, em …, Ovar, filho de C… e de D…, residente na Rua …, n.º …, em …, Ovar, pela prática, a) de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, n.º 4 e n.º 5 do Código Penal; b) de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d), n.º 2, n.º 4, n.º 5 e n.º 6 do Código Penal.

O Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal e no artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, pediu a condenação do Arguido a pagar: - a E…, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, quantia não inferior a € 50 000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até efetivo e integral pagamento; - a F…, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, quantia não inferior a € 50 000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a notificação até efetivo e integral pagamento.

E…, devidamente identificada nos autos, constitui-se neles Assistente.

Apresentou o Arguido contestação escrita, onde oferece o merecimento dos autos.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada em 11 de novembro de 2015, foi decidido: «1) Julgo procedente a acusação pública deduzida nos autos contra o arguido e, em consequência, condena-se o arguido B…, como autor material de dois crimes de violência doméstica, previstos e punidos pelo artigo 152º, nº1, alíneas a) e d) e n.º 2 do Código Penal, nas penas de respectivamente, três anos e cinco meses de prisão e de dois anos de prisão, sendo que em cúmulo jurídico de tais penas parcelares se condena o arguido na pena única de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão, sendo a sua execução suspensa por igual período, sujeitando-se o arguido ao cumprimento das seguintes regras de conduta, cujo cumprimento deverá ser fiscalizado pela equipa do DGRS: 1.º - Submissão do arguido a acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, de acordo com as prescrições médicas julgadas adequadas ao perfil do arguido e cumprimento das prescrições médicas que forem dadas no âmbito de tais acompanhamentos; 2.º- Submissão do arguido a tratamento de dependência alcoólica de acordo com diagnóstico médico a ser efectuado para tal efeito, devendo o arguido seguir as prescrições médicas que forem dadas nesse âmbito; 3.º - Frequência de programa adequado a ser indicado pela equipa do DGRS e direccionado para a prevenção da Violência Doméstica.

2) Condeno ainda o arguido-demandado a pagar à ofendida E… uma indemnização no montante de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida tal quantia de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar desde a presente data até integral pagamento, absolvendo-o do demais pedido; 3) Condeno ainda o arguido-demandado a pagar ao ofendido F… uma indemnização no montante de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida tal quantia de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar desde a presente data até integral pagamento, absolvendo-o do demais pedido; 4) Condeno o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se em 4 U.C. de taxa de justiça nos termos da tabela III a que se refere o artº 8º, nº 5 do Regulamento das Custas Judiciais, mais sendo o arguido demandado condenado no pagamento das custas cíveis em proporção ao decaimento.

» Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «1.ª O Recorrente foi condenado pela prática de dois crimes de violência doméstica: um contra a ex-mulher E…, e outro contra o filho menor F….

  1. Face à factualidade dada como provada, o Recorrente não aceita que tenha cometido algum daqueles crimes.

  2. Quanto ao crime contra a ex-mulher E…, cujo inconformismo se restringe à matéria de direito, analisando a factualidade dada como provada nos pontos 4 a 11, tal não corresponde a factos concretos, mas antes a imputações genéricas, com utilização de fórmulas vagas e imprecisas, temporal e factualmente indefinidas, não permitindo um efectivo contraditório e impossibilitando uma cabal defesa.

  3. Logo, tais imputações genéricas, sem uma precisa especificação das condutas e do tempo e do lugar em que ocorreram, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado (art.º 32º n.º 1 da CRP), não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente, devendo ser tidas por não escritas, como é entendimento jurisprudencial generalizado, nos termos exemplificados e transcritos supra.

  4. Dando-se por não escritas, face à alteração da matéria de facto verificada, restam como suporte à qualificação jurídica da conduta do Recorrente as situações descritas nos pontos 12, 13, 14 e 16, da matéria de facto dada como provada.

  5. E, quanto a este último, o ponto 16, a dar-se por provado que o Recorrente puxou os dedos da E… para trás, “com o propósito de os partir”, tal entendimento é meramente conclusivo, sem nenhum suporte factual que possa levar a essa conclusão. Logo, nunca poderia ser dado como provado tal “propósito”.

  6. E será a factualidade apurada nos pontos 12, 13, 14 e 16 (neste último, considerando o supra ressalvado) suporte bastante parta qualificar a actuação do Recorrente como a de autor de um crime de violência doméstica cometido sobre E…? Entendemos que não, pois, nenhum daqueles factos, cada um por si ou em conjunto, têm “gravidade” suficiente para integrar um crime de violência doméstica.

  7. Pois, sendo o bem jurídico tutelado por este crime a proteção da pessoa individual e a sua dignidade humana, bem como, a sua saúde física, psíquica e mental, não são todas as ofensas, corporais e/ou outras, que cabem na previsão criminal do referido art.º 152º, do CP, mas apenas aquelas que se revistam de uma certa gravidade, que traduzam crueldade ou insensibilidade por parte do agente, consubstanciando-se na perpretação de qualquer acto de violência que afecte a saúde física, psíquica e emocional do cônjuge vítima, diminuindo ou afectando a sua dignidade enquanto pessoa inserida num contexto conjugal. (a este propósito, veja-se Ac. Rel. Lisboa de 08/11/2014, in Colectânea de Jurisprudência, pág. 330, TomoV/2014, referido supra) 9.ª Assim, os factos descritos nos pontos 12, 13, 14 e 16, da matéria de facto provada, embora não desprovidos de censura, não assumem a gravidade que se exige por forma a poder concluir-se que o recorrente atentou contra a dignidade da ofendida, não sendo, por isso, tais factos aptos a lesar o bem jurídico protegido pelo crime em apreço – a saúde física, psíquica e emocional e a dignidade da pessoa humana.

  8. Pelo exposto, entende-se que o Recorrente não cometeu o crime em que foi condenado contra E….

  9. Tendo, por isso, sido violado o comando legal previsto no art.º 152º, do CP, uma vez que a factualidade provada não integra a previsão desta norma. Tal factualidade seria passível de integrar, outrossim, o crime da ofensa à integridade física simples, p. e p. no art.º 143º, do CP, em relação ao qual o crime de violência doméstica se encontra numa relação de especialidade.

  10. Nessa conformidade, deverá o Recorrente ser absolvido do crime de violência doméstica contra E…, em que foi condenado e, consequentemente, absolvido da indemnização que lhe foi arbitrada, por falta dos pressupostos de que depende a sua procedência.

  11. Quanto ao crime contra o filho menor F… - cujo inconformismo diz respeito á matéria de facto e matéria de direito - começando pela vertente matéria de direito: mesmo que se aceitasse a matéria de facto dada como provada, tais factos seriam insusceptíveis de integrar a qualificação do crime de violência doméstica, entendendo-se por violado o estatuído no art.º 152º, do CP, por incorrecta integração. Isto porque, 14.ª O descrito na matéria de facto dada como provada nos pontos 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 20, não é susceptível de integrar a qualificação de um crime de violência doméstica sobre o menor F….

  12. Objectivamente, o F… foi atingido por um pontapé numa ocasião, e sofreu um arranhão na mão, noutra.

  13. Porém, como já se referiu atrás, não são todas as ofensas corporais que cabem na previsão criminal do art.º 152º, mas apenas aquelas que se revistam de uma certa gravidade e que traduzam crueldade ou insensibilidade, ou até vingança do agente, e que sejam aptas a lesar o bem jurídico protegido com o crime de violência doméstica – a saúde física, psíquica e emocional e a dignidade da pessoa humana. (como, por exemplo, tão bem resume o citado Ac. Rel. Lisboa, de 08/11/2014, in Colectânea de Jurisprudência, pg. 330, Tomo V/2014) 17.ª Por isso, nenhum dos factos ali descritos e dados como provados são suficientemente graves a, cada um por si ou em conjunto, integrar o crime de violência doméstica.

  14. Acrescendo que, quanto ao elemento subjectivo deste tipo de crime, exige-se o dolo.

  15. Ora, como facilmente se alcança, com simples recurso à experiência comum, da dinâmica de cada um dos acontecimentos, nenhuma das ofensas físicas sofreu lhe eram dirigidas, nem foram intencionais. Foram actos reflexos e/ou involuntários.

  16. Inexistindo, assim, quer o elemento objecto, quer o subjectivo do tipo de crime.

  17. Existiu ainda errónea interpretação no estatuído no n.º 2, do art.º 152º, do CP, que tem enquadramento apenas enquanto agravante da moldura penal do crime de violência doméstica, sendo que, a qualificante integradora do crime, está reservada ao seu n.º 1.

  18. Quanto à...

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