Acórdão nº 4463/14.9TBVNG-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução06 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 4463/14.9TBVNG-A.P1 Sumário do acórdão: I. No instituto de resolução ou modificação do contrato, previsto no artigo 437.º do Código Civil, baseado na alteração anómala das circunstâncias, confrontam-se dois princípios: o da autonomia privada, que impõe o cumprimento pontual do contrato, e o da boa fé, que visa assegurar o equilíbrio das prestações de modo a que a uma das partes não seja imposta uma desvantagem desproporcionada que favoreça a contraparte.

  1. A crise económica e financeira dos anos de 2008 e 2009, desencadeada pela chamada crise do subprime, iniciada em 24 de julho de 2007 com a queda abrupta do índice Dow Jones, poderá representar uma alteração anormal das circunstâncias presentes ao tempo da conclusão dos diversos contratos celebrados, como tem sido defendido por alguma doutrina e jurisprudência.

  2. Provando-se que entre o exequente (entidade bancária) e os executados, existem relações contratuais desde 2007, ano em que celebraram um “Contrato de Empréstimo sob a Forma de Abertura de Crédito”, com conta corrente caucionada, que em novembro de 2012 as partes celebraram um novo contrato, denominado “Contrato de Empréstimo sob a Forma de Mútuo com Aval”, nos termos do qual o exequente concedeu à executada um “empréstimo no montante de € 500.000,00, sob a forma de mútuo, tendo por finalidade a liquidação, pagamento e respetivo cancelamento da Conta Corrente Caucionada”, que no âmbito deste último contrato foi emitida a livrança dada à execução, que as partes vieram a celebrar um aditamento ao novo contrato em abril de 2013 e que o incumprimento ocorreu em junho de 2013, deverá entender-se inaplicável à situação descrita, o instituto previsto no artigo 437.º do Código Civil, dado que o ambiente económico do ano de 2007 era muito diferente do que se vivia no final do ano de 2012 (ano da data de celebração do contrato no âmbito do qual foi assinada e entregue a livrança que constitui o título executivo).

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório B… PLC – sucursal em Portugal, instaurou na Instância Central (1.ª Secção de Execução – J9) da Comarca do Porto, execução com processo comum, contra C…, S.A., sociedade anónima com sede na Rua …, nº … – sala …, ….-… Matosinhos (antes designada D…, S.A.) e E…, residente na Rua …, nº .., casa … – …, ….-… Vila Nova de Gaia, para cobrança da quantia de € 522.584,14 (quinhentos e vinte e dois mil quinhentos e oitenta e quatro euros e catorze cêntimos), apresentando como título executivo uma livrança.

    Em 14.04.2015, os executados deduziram embargos, alegando em síntese que a impossibilidade no cumprimento das obrigações que assumiu para com o embargado resulta da alteração das circunstâncias em que se fundou o contrato, nomeadamente da crise financeira internacional do subprime e da recessão económica que lhe seguiu, bem como dos aumentos excessivos do spread levados a cabo pela exequente que igualmente não atendeu ao seu pedido de reestruturação da dívida o que lhe permitiria cumprir as responsabilidades assumidas. Concluem pedindo que se julgue verificada a alteração anormal das circunstâncias e a inexigibilidade e iliquidez da quantia exequenda.

    Recebidos os embargos, foi notificado o exequente, que veio deduzir oposição em articulado apresentado em 17.06.2015, na qual alega que o embargante opoente E… não pode prevalecer-se de eventuais vícios do negócio subjacente atenta as características da literalidade e abstração do título dado à execução e que os embargantes distorcem os factos, uma vez que o pedido de reestruturação nada teve a ver com o aumento dos spreads da conta caucionada, tendo esta sido liquidada através do empréstimo que está subjacente à livrança dada à execução e que foi reiteradamente incumprido. Conclui pela improcedência dos embargos.

    Em 4.01.2016, foi proferido despacho no qual se fixou o valor da causa em € 522.584,14, se concluiu não existirem exceções dilatórias, nulidades processuais ou quaisquer outras questões prévias que obstassem ao conhecimento do mérito dos embargos, e se definiram as seguintes questões a decidir: saber se o embargante E… se pode apor à execução nos termos em que se pode opor a subscritora da livrança dada à execução e se a dívida exequenda é inexigível por força da alteração das circunstâncias.

    Na mesma data foi proferida sentença, na qual foram os embargos julgados improcedentes.

    Não se conformou a embargante C…, S.A., e interpuseram recurso de apelação, apresentando alegações nas quais formulam as seguintes conclusões: 1 – A Recorrente alega e demonstra, inclusive por prova documental e pondo à disposição do tribunal a prova testemunhal, que existiu uma série de sucessivos aumentos de spreads e de comissões, o que levou ao pedido formal de reestruturação de operações a 12/12/2013.

    2 - A Recorrente aceitou, em estado de necessidade, os aumentos sucessivos e demais condições impostos pela aqui Recorrida.

    3 - A actividade da Recorrente centra-se no sector da construção civil e obras públicas, dependendo integralmente do poderio económico-financeiro, assim como dos ditames do mercado e dos dizeres do governo.

    4 - A crise financeira, conhecida de todos, pôs em causa o sector da construção civil e com o tempo (já lá vão cerca de 8 anos) as condições económico-financeiras não se alteraram de forma positiva como o esperado, o que levou a ter reflexos negativos na economia portuguesa, em particular no sector em que se insere a recorrente.

    5 - A Recorrente ficou impossibilitada de cumprir as suas obrigações bancárias devido a factos externos (e que determinam a crise económica e financeira e estão na origem da recessão económica), factos esses que influenciam, mas que não são passíveis de poderem ser revertidos apenas pela intervenção e vontade da recorrente; ou seja, o incumprimento é resulta da alteração anormal das circunstâncias em que a recorrente fundou a sua relação contratual com o banco recorrido.

    6 - A possibilidade de modificação ou alteração dos contratos, por apelo ao art. 437º, nº1, do Código Civil, confronta dialecticamente dois princípios: o da autonomia privada, que impõe o cumprimento pontual do contrato e o princípio da boa fé, pelo que na análise e apreciação se atende, como ponto de partida, à base do negócio, ao circunstancialismo em que as partes assentaram a decisão de contratar.

    7 – Verificando-se na execução do contrato o surgimento de fatores que afetem, de maneira anómala, imprevista, aquela base negocial e que tornem intolerável a manutenção do contrato tal como foi inicialmente querido e gizado pelos contraentes, por ser patente o desequilíbrio das prestações, sendo agora excessivamente onerada uma parte e mantendo a outra a situação inicial, como se nada tivesse ocorrido, está-se em presença de uma alteração anormal das circunstâncias que o Direito acolhe.

    8 - A recorrente e a recorrida iniciaram o contrato em 20/07/2007 e, em 16/11/2012 (aditado em 16/04/2013), alteraram aquele mesmo contrato, dando-lhe um outro nome e outras condições, sendo sempre a mesma relação e realidade contratual, que a recorrente se viu obrigada a aceitar, sempre esperando pela melhoria de condições.

    9 – É no período de vigência do contrato que ocorrem alterações anormais das circunstâncias a nível dos mercados, em particular no da construção civil; na verdade, a crise financeira internacional e nacional, que deu origem à recessão económica tem de se considerar como representação de anormal alteração das circunstâncias – como diz Carneiro da Frada: “a forma inopinada e profunda, como a actual crise eclodiu, com a surpresa de muitos ou de quase todos, mesmo especialistas, parece apontar nesse sentido. Entre os factores a ponderar, há que considerar a dimensão da sua ocorrência, a sua não antecipabilidade generalizada e o facto de radicar em causas interdependentes múltiplas que ultrapassam o poder de actuação e influência dos actores económicos singulares...” e “a alteração anormal das circunstâncias’ deverá corresponder a uma ‘modificação brusca das condicionantes estruturais...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT