Acórdão nº 3238/15.2T8PRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução17 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 3238/15.2T8PRT-A.P1 Sumário do acórdãoI - O aval representa uma obrigação cambiária que tem por finalidade garantir ou caucionar obrigação cambiária idêntica e preexistente do signatário da letra de câmbio ou da livrança, assumindo a obrigação do avalista, duas características essenciais: é autónoma, subsistindo mesmo no caso de a obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não um vício de forma (art. 32.º, n.º 2, da LULL); e é solidária, respondendo o avalista a par dos demais subscritores pelo pagamento integral do título (art. 47.º, n.º 1, da LULL).

II - Tendo sido imposta ao credor/exequente, no âmbito de um processo de insolvência, a conversão do crédito em participações sociais da sociedade insolvente (apesar de ter votado contra o referido plano), tal conversão não pode ser validamente invocada pelo avalista/executado, na execução instaurada pelo credor, face à imperatividade do disposto no n.º 4 do artigo 217.º do CIRE.

Acordam no Tribunal da Relação do PortoI. Relatório Por apenso aos autos de execução instaurados pela exequente Banco B…, SA, os executados C…, D…, E… e F… deduziram oposição por meio de embargos de executado, alegando em síntese: o requerimento executivo é inepto por no campo destinado à exposição dos factos a exequente não ter justificado o preenchimento das livranças e a falta de título executivo e por não ter sido apresentada a convenção de preenchimento; o crédito exequendo encontra-se extinto, face à conversão da quantia de € 58.465,78, em 5.846.578 ações integrantes do capital social da sociedade G…, SA, efetuado no âmbito do processo de insolvência nº 413/13.8TYVNG; o preenchimento das livranças dadas à execução é abusivo no que respeita aos valores nelas inscritos e às datas de vencimento; a embargada é responsável pelos danos causados aos embargantes; a embargada litiga de má-fé.

Posteriormente, juntou aos autos o parecer jurídico de fls. 127v a 142.

Notificada, a exequente apresentou contestação, pugnando pela improcedência das exceções invocadas e a consequente manutenção dos títulos dados à execução, mais alegando, em síntese: os avalistas não se obrigaram perante o avalizado mas sim perante o titular das livranças, constituindo uma obrigação autónoma e independente e respondendo como obrigado cartular pelo pagamento da quantia titulada na livrança; a conversão dos créditos em capital social da empresa insolvente não pode ser entendida como causa de extinção do crédito, mas tão só como uma via para que tal possa vir a ocorrer, através do recebimento de dividendos ou pela venda das participações sociais, o que até agora não se concretizou e poderá nunca se concretizar.

Em 17.12.2015 foi realizada a audiência prévia (ata de fls. 153), tendo sido proferido despacho saneador no âmbito do qual foram desde logo julgadas improcedentes as invocadas exceções de ineptidão do requerimento executivo e de falta de título executivo, após o que foram afirmados pela positiva todos os pressupostos processuais, identificando-se o objeto do litígio, enunciando-se os temas da prova e programando-se os atos da audiência, sem reclamação.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que, em 14.04.2016, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Assim, em face de todo o exposto, decide-se julgar improcedentes, por não provados, os embargos de executado deduzidos pelos embargantes C…, D…, E… e F… e, em consequência, determinar o prosseguimento da ação executiva intentada pela embargada Banco B…, SA.

Custas pelos embargantes (artigo 527º, nº 1, do Código de Processo Civil)».

Não se conformaram os embargantes e interpuseram o presente recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais, formulam as seguintes conclusões: I. Os Apelantes vêm recorrer da decisão do tribunal a quo que julgou improcedentes os Embargos de Executados, por considerar que a dívida exequenda não foi extinta pela sua conversão em capital social da devedora principal operada em processo de insolvência, continuando a ser exigível aos Apelantes, avalistas, por força do n.º 4 do artigo 214.º do CIRE e por considerar que o preenchimento das livranças dadas à execução não foi abusivo.

  1. Independentemente do entendimento que possa ser sufragado quanto à natureza da conversão dos créditos em capital social (cessão de créditos seguida de confusão, dação em pagamento, compensação ou outros entendimentos híbridos), certo é que todos conduzem ao mesmo resultado: a extinção do crédito originário.

  2. A disposição legal vertida no n.º 4 do artigo 217.º do CIRE não pode ser lida e aplicada de forma simplista, porquanto a mesma tem uma finalidade específica de tutela dos credores que não deve, contudo, ser extravasada, sob pena de subverter a sua verdadeira ratio e permitir o abuso de direito.

  3. O legislador pretende com o n.º 4 do artigo 217.º do CIRE salvaguardar os direitos dos credores da insolvência contra os codevedores ou garantes dos efeitos de duas típicas providências com incidência no passivo, eventualmente concedidas ao insolvente no âmbito do plano: o perdão e a redução do valor dos créditos. Nos restantes casos, os efeitos da aprovação e homologação do plano de recuperação estendem-se à relação dos credores com os codevedores e terceiros garantes (neste sentido, vide CATARINA SERRA, “Nótula sobre o artigo 217.º n.º 4 do CIRE”, em Estudos dedicados ao professor Dr. Luis A. Carvalho Fernandes, Vol. I, pg. 381 e 382).

  4. O n.º 4 do artigo 217.º não tem aplicação no caso concreto dos autos, onde o crédito do Banco Recorrido foi convertido integralmente em participações sociais da devedora principal.

  5. Por um lado, o n.º 4 do artigo 217.º, in fine, refere que os codevedores ou os terceiros garantes “apenas poderão agir com o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvente pudesse exercer contra ele os seus direitos”, o que se traduz num direito de regresso. A Sentença proferida pelo tribunal a quo invoca na sua decisão, equivocadamente e sem nenhuma base legal, a existência de um direito de sub-rogação quando refere: “a exequente não poderá receber duas vezes o mesmo crédito, pelo que após o seu recebimento por qualquer uma das referidas vias, deverá abrir mão das ações em benefício do devedor sub-rogado ou da sociedade, consoante o caso (...).

  6. O direito de regresso, que se encontra referido no n.º 4 do artigo 217.º do CIRE não é uma subrogação, pois são institutos jurídicos diferentes. (Vide a este propósito o Ac. do TRC de 24.01.2012, Proc. 644/10.2TBCBR-A.C1) IX. Por esse motivo, não e não sendo aplicável a sub-rogação, não poderão os aqui Avalistas assumir a posição de acionistas da Sociedade G…, S.A., sendo que não existe qualquer meio para o exercício do direito de regresso previsto na citada norma legal para os casos da conversão de créditos em capital social, o que evidencia a não aplicabilidade da norma no caso em análise.

  7. A participação numa sociedade é um ato voluntário, segundo o qual ninguém pode ser obrigado a tornar-se sócio de uma sociedade, o que decorre de princípios do Direito Comunitário, do n.º 2 do artigo 46.º da Constituição da República Portuguesa, do princípio da autonomia da vontade, da autonomia privada e da liberdade contratual prevista no artigo 405.º do Código Civil e ainda do artigo 7.º do CSC, pelo que os aqui Apelantes não se podem tornar sócios de uma sociedade contra a sua vontade.

  8. A decisão recorrida lança mão de uma série de presunções equivocadas, sobre as quais não podia de forma alguma fundar a decisão.

  9. O Tribunal a quo assume erradamente que o Banco Recorrido viu o seu crédito convertido contra a sua vontade e que a quantia exequenda é superior ao do crédito reclamado.

  10. Na verdade o Banco Recorrido apenas votou negativamente à aprovação do plano de recuperação na sua generalidade, não se opondo nem recorrendo da homologação e execução do referido plano e o valor do crédito exequendo apenas é superior ao crédito convertido em capital social porquanto o Banco procedeu à contabilização de novo juros, penalizações e comissões aquando do preenchimento das livranças dadas à execução, em 22.01.2015, conforme é possível aferir pela diferença de valores patente na carta interpelatória remetida pelo Banco e datada de 14.01.2015 junta nos autos, sendo que o capital em dívida é o mesmo e decorre dos mesmos contratos.

  11. O tribunal a quo pressupõe também de forma infundada na sua Sentença que o Banco Exequente recebeu ações de uma sociedade insolvente e que existe uma forte probabilidade de “nos tempos mais próximos não terem correspondência com o seu valor facial”.

  12. Esta conclusão não deve colher, na medida em que a sociedade, mediante a execução do plano de recuperação deixou de se encontrar em situação de insolvência, passando a não deter passivo, pelo que se encontra numa posição privilegiada no mercado editorial português.

  13. O Tribunal não pode sustentar a sua convicção em suposições infundadas, baseado em suposições, sendo que a determinação do valor das participações sociais só pode ser realizada por Relator Oficial de Contas ou perito idóneo, o que não foi requerido pelo Banco Recorrido nem pelo Tribunal.

  14. A extinção de um crédito mediante a sua conversão em participações sociais de uma sociedade, esgota neste ato a obrigação existente. Coisa diversa é o interesse económico que neste caso o Banco Recorrido possa perseguir, e que poderá, ou não, alcançar ou até superar por meio da sua qualidade de sócio. (Neste sentido, Cfr. LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Editorial Qui Juris?, 2015, pg. 747) XVIII. O crédito, em sentido obrigacional, já se extinguiu com a sua conversão em capital social.

  15. Ainda que a solução apontada no...

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