Acórdão nº 439/15.7T8VFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução03 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 439/15.7T8VFR.P1 – 3ª Secção (apelação) Comarca de Aveiro – St. Mª Feira – Inst. Local – Secção Cível Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Pedro Martins Adj. Desemb. Judite Pires Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B…, casado, residente na Rua…, n.º …, freguesia de …, Santa Maria da Feira, instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra C…, divorciado, e D…, também divorciada, ambos residentes na Travessa…, da referida freguesia de …, Santa Maria da Feira, alegando essencialmente que ficou titular de um crédito contra o 1º R., na sequência do qual, por o conhecerem e se furtar o primeiro ao respetivo pagamento, ambos os RR., casados que estavam um com o outro em comunhão de adquiridos, se divorciaram e partilharam de imediato os bens comuns do casal, ficando a R. na titularidade de todos os bens móveis e imóveis, tendo-se declarado na escritura púbica de partilha que o 1º R. (apenas) recebia tornas no valor de € 18.024,56.

A facilidade com que se dissipa o dinheiro acarreta a impossibilidade de o A. vir a obter daquele devedor a realização do seu crédito, sendo, aliás, essa a intenção de ambos os RR.

Mas, mais do que isso --- acrescenta o A. --- a partilha declarada pelos RR. e formalizada na referida escritura é um negócio simulado porque nunca pretenderam partilhar o património do casal nem, por tal via, celebrar qualquer outro negócio. Nenhum valor de tornas ali referido foi efetivamente pago, nem houve qualquer outra atribuição patrimonial de parte a parte, mas apenas o propósito de impedir, por completo, o pagamento do crédito de que ambos sabiam ser titular o A. E também o divórcio não passou de uma mera formalidade para viabilizar a falsa partilha e enganar o A., pois que eles, nada querendo partilhar, continuaram a viver na mesma casa, fazendo vida em comum, designadamente, o R. continuou a utilizar todo o património do casal --- de valor muito superior ao declarado na escritura de partilha ---, incluindo os veículos que, supostamente, teriam ficado propriedade exclusiva da ex-mulher.

Remata o articulado com o seguinte pedido, ipsis verbis: «Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência:

  1. Ser declarada a ineficácia em relação ao Autor do acto de partilha referido em 32.º desta petição inicial, e reconhecer-se ao Autor o direito de praticar actos de conservação de garantia patrimonial autorizada por lei e executar os ditos bens/direitos no património da segunda ré, na medida do necessário para obter a satisfação integral do crédito, com as demais consequências legais.

  2. Ser declarado nulo o negócio titulado na aludida escritura de partilha, com fundamento em simulação absoluta.

» (sic) Citados, os RR. deduziram autonomamente as suas contestações.

O R. C…, além de ter impugnado parcialmente os factos, invocou algumas exceções, discutindo discriminadamente a nulidade da citação, o valor da causa, a existência da dívida, a anterioridade do crédito, a intenção de prejudicar o credor, a impossibilidade de satisfação do crédito e os pressupostos da simulação negocial.

Aquando da análise que fez da simulação, sob os artigos 90º, 91º e 92º, diz o contestante: «90. O autor cumula o pedido de impugnação com o pedido de declaração de nulidade da partilha por simulação.

  1. Pedidos que nos parecem incompatíveis porquanto a procedência da impugnação determina não a nulidade do acto, mas a sua ineficácia.

  2. Na verdade, os bens não têm de sair do património do obrigado à restituição, podendo o credor executar os bens propriedade do terceiro.

    » (sic) Termina assim o seu articulado: «Termos em que a acção terá de ser considerada improcedente por não provada e, consequentemente, o Réu deverá ser absolvido do pedido por caducidade da interposição da acção pauliana, ou caso assim não se entenda, por não se verificarem os requisitos da mesma e muito menos da simulação.

    » (sic) Na sua contestação, a R. impugnou a maior parte dos factos alegados na petição inicial e defendeu que não ocorrem os pressupostos da impugnação pauliana nem da simulação negocial.

    Não suscitou qualquer questão atinente à cumulação de pedidos na petição inicial.

    O A. apresentou depois um pedido de retificação da petição inicial nos seguintes termos: «1- ao formular os pedidos, no final da petição inicial, o A. optou por fazê-lo, organizando-os pelas alíneas a) e b).

    2- Porém, entre uma e outra alínea, por lapso, nenhuma expressão intercalou, sendo verdade que pretendia intercalar a conjugação “ou”.

    3- Na verdade, era e é vontade do A. formular o pedido contido em b) como pedido alternativo, a ser apreciado e decidido no caso de sucumbência do pedido formulado em a).

    4- Pelo lapso de escrita que se descreve, torna-se necessário vir esclarecer os autos para que não subsistam dúvidas acerca da real intenção e vontade do A. aquando da formulação dos pedidos.

    Termos em que requer a V. Exa se digne relevar o erro de escrita acima alegado e ordenar que entre as alíneas a) e b) dos pedidos seja intercalada a conjugação “ou”.

    » (sic) O A. respondeu às matérias de exceção invocadas nas contestações.

    No uso do contraditório, o R. veio dizer que do articulado inicial não resulta uma relação de subsidiariedade entre os pedidos, não podendo constatar-se qualquer conjunção ou expressão que permita a suposta intenção de deduzir pedidos alternativos, tais como “sem prescindir”, “sem conceder”, sendo aqueles pedidos inconciliáveis e incompatíveis entre si.

    Conclui que não há qualquer lapso de escrita a retificar, por o A. nunca ter querido deduzir pedidos alternativos ou subsidiários, devendo ser indeferida a sua pretensão.

    A R. nãos e pronunciou quanto a esta questão processual.

    Notificado da resposta do R. C…, o A. insistiu no sentido de lhe ser possível aperfeiçoar a petição inicial, se não for pela via da correção de lapso de escrita, deverá sê-lo ao abrigo do art.º 590º do Código de Processo Civil, fazendo o Juiz uso dos seus poderes de gestão processual.

    Teve lugar a audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador em cujo âmbito o tribunal conheceu do pedido de retificação apresentado pelo A., indeferindo-o com fundamento em inexistência de qualquer lapso de escrita.

    Passou depois o tribunal a averiguar da eventual ineptidão da petição inicial por incompatibilidade entre os pedidos da ação --- de impugnação pauliana e de simulação negocial ---, ao abrigo da al. c) do nº 2 do art.º 186º do Código de Processo Civil. Concluiu então que a petição inicial é inepta, com o seguinte dispositivo, ipsis verbis: «Pelo que, pelos fundamentos expostos, julgo verificada a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, decorrente da incompatibilidade substancial das causas de pedir e de pedidos, em consequência do que, declaro nulo todo o processado, e absolvo os RR. da instância, nos termos dos artigos 186, nº 1 e 2, c), 278º, nº 1), b), 577º, b) e 578º, todos do C.P.C.

    Custas pelo autor.

    » Inconformado, com a decisão sentenciada o A. interpôs apelação, admitida, com as seguintes CONCLUSÕES: «A. A M.ª Juiz a quo aplicou incorrectamente no despacho recorrido, o artigo 249.º do Código Civil quando, com base nele, veio considerar não haver qualquer “lapso de escrita”.

    1. Ao invés, deveria ter aplicado o recente artigo 146.º, mais concretamente o seu n.º2, e, considerando que o Autor, quando se apercebeu do cometimento da omissão do vocábulo “ou” entre os pedidos, logo apresentou requerimento em que o afirma e impetra a sua rectificação, que a omissão é puramente formal, praticada sem dolo ou culpa grave e cuja correcção não implica prejuízo relevante para o regular andamento da causa e admitir a correcção.

    2. Mesmo da aplicação do n.º1 do citado normativo e de uma correcta interpretação do artigo 249.º do Código Civil deveria resultar a admissão da correcção da omissão verificada, porquanto da peça processual apresentada resulta, para além da inexistência de qualquer incompatibilidade de causas de pedir, observado o disposto no artigo 615.º, n.º1 do Código Civil, a não cumulação, no valor a dar à causa, do valor dos pedidos, fazendo-se uso do artigo 301.º, n.º1 e não do artigo 297.º, n.º2 do C.P.C. e a manifestação de vontade inserta no formulário...

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