Acórdão nº 16943/13.9TDPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução16 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso 16943/13.9TDPRT-A.P1 Origem: comarca do Porto, instância central, 1ª secção de instr.criminal- J1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO Iniciaram-se os autos com denúncia efetuada por B… (ora constituído assistente e recorrente) contra C… – a quem imputou a prática de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365º, nº 2, um crime de falsidade de depoimento, previsto e punido pelo artigo 359º, nº 1, e um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º, todos do Código Penal – e contra D…, a quem assacou um crime de falsidade de depoimento e outro de injúria.

Findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho em que, nomeadamente: - arquivou os autos, por falta de indícios suficientes, na parte respeitante aos crimes de falsidade de depoimento imputados aos denunciados/arguidos; - acusou o arguido C…, imputando-lhe um crime de denúncia caluniosa.

*Não concordando com o assim decidido, o assistente B… deduziu requerimento de abertura de instrução, pretendendo: a pronúncia do arguido C… por mais outro crime de denúncia caluniosa e por três crimes de falsidade de depoimento, previstos e punidos pelo artigo 359º do Código Penal (ou, subsidiariamente, por três crimes de falsidade de depoimento previsto e punido pelo artigo 360º do mesmo diploma); a pronúncia da arguida D… por um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360º do Código Penal.

Por despacho proferido a folhas 1007 a 1009, o Ex.mo JIC indeferiu liminarmente o requerimento de abertura de instrução, invocando como fundamentos quer a falta de legitimidade do assistente – considerou que não tinha legitimidade para requerer a abertura da instrução relativamente àqueles ilícitos (falsidade de depoimento ou de testemunho dos artigos 359º ou 360º do Código Penal), por não ser o titular dos interesses que as normas legais em causa especialmente quiseram proteger – quer a consideração de que o RAI não continha os elementos exigíveis pelo disposto nos artigos 287º, n.º 2 e 283º, n.º 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal.

Refira-se, ainda, que nada disse sobre o segundo alegado crime de denúncia caluniosa.

*Novamente inconformado, veio o assistente interpor o presente recurso, cujos fundamentos sintetizou nas seguintes conclusões «A. Nulidade da sentença: I. O Assistente, no seu RAI (requerimento de abertura de instrução), pugnou pela pronúncia do arguido C…, entre outros, pelo crime de denúncia caluniosa (art. 365º/CP); II. O tribunal recorrido não se pronunciou quanto ao crime de denúncia caluniosa; III. O crime de denúncia caluniosa vem tratado nos artigos 2º a 16º do RAI e o despacho recorrido não tomou qualquer posição quanto a esse pedido; IV. Ao não se ter pronunciado sobre uma questão que devia apreciar/conhecer, incorreu o despacho na nulidade de omissão de pronúncia - art. 379º/1/c do CPP; V. Nulidade da sentença que, desde já, se invoca; B. Da rejeição do RAI, por legalmente impossível VI. Salvo melhor entendimento, errou o tribunal recorrido ao ter rejeitado o RAI, por legalmente impossível; VII. Entendeu o tribunal – mal é certo – que a instrução era inadmissível por duas ordens de razão: a. O assistente não tinha legitimidade para requerer a abertura de instrução, uma vez que não era titular dos interesses que a norma quis proteger; b. o requerimento não continha os elementos essenciais estipulados no art. 287º/2 do CPP; VIII. Quanto ao primeiro argumento, se é certo que os crimes de falsidade de depoimento/testemunho visam proteger o bem jurídico Justiça, em sentido amplo, também não deixa de ser verdade que a prática desses crimes se repercute directamente na esfera jurídica daquele que o autor visou desfavorecer; IX. As normas jurídicas em causa (359º/360º) visam, também, acautelar os interesses daqueles que são prejudicados/desfavorecidos pelo depoimento do autor e, por isso, têm legitimidade para se constituírem assistentes e, consequentemente, para requererem a abertura da instrução.

  1. O assistente tem legitimidade para requerer a abertura de instrução pela prática dos crimes de falsidade de testemunho e depoimento.

  2. Quanto ao segundo argumento (o rai não continha os elementos essenciais), também não assiste qualquer razão ao tribunal recorrido, uma vez que o assistente cumpriu escrupulosamente o previsto no art. 283º/3 “ex vi” 287º/2, ambos do CPP; XII. A decisão recorrida viola, nesta parte, os artigos 283º/3; 287º/1/b; 287º/2/3 do CPP.» Finalizou o assistente o seu recurso requerendo: a. a declaração da invocada nulidade do despacho recorrido (omissão de pronúncia); b. a revogação do despacho recorrido e, em consequência, que seja declarada aberta a instrução.

*Respondendo ao recurso ora em causa, o Ministério Público considerou que: - tendo o crime de denúncia caluniosa sido objeto de acusação pública, não implica nulidade do despacho judicial de rejeição do R.A.I. o não conhecimento expresso da pretensão aí deduzida (de ser reapreciado o mesmo crime em instrução); - o assistente não tem legitimidade para requerer a abertura de instrução relativamente a crimes de falsidade de depoimento ou de testemunho; - no entanto, ainda que se lhe reconhecesse essa legitimidade, no R.A.I. não são alegados factos suficientes para completarem os elementos típicos objetivos distintivos dos crimes de falsidade de depoimento (artigo 359º do Código Penal) e de falsidade de testemunho (artigo 360º) – aqueles elementos que permitiriam distinguir a qualidade em que os arguidos terão efetuado os respetivos depoimentos – ou para consubstanciarem os elementos subjetivos referentes à consciência, pelos arguidos, da falsidade desses depoimentos; - assim, não podendo o juiz de instrução acrescentar os factos em causa sob pena de violação do princípio acusatório, bem andou o Tribunal recorrido ao rejeitar o R.A.I., por ser legalmente inadmissível a instrução.

A final das suas contra - alegações, o respondente concluiu que deve ser negado provimento ao recurso e, em consequência, manter-se integralmente o despacho recorrido.

*Nesta 2ª instância, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer concordante com a posição tomada na resposta.

Cumpre decidir.

*II – FUNDAMENTAÇÃO O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Tendo como ponto de partida o teor do requerimento de abertura de instrução e o despacho que o rejeitou e levando em conta as já conhecidas conclusões de recurso, as principais questões a decidir são as de saber: - se, ao não conter a pronúncia do Tribunal a quo sobre a existência de mais um crime de denúncia caluniosa (além daquele por que o arguido C… foi acusado pelo Ministério Público), o despacho recorrido está ferido de nulidade; - se o assistente tem legitimidade para requerer a abertura de instrução pelos crimes de falsidade de depoimento ou de falsidade de testemunho; - se o requerimento de abertura de instrução contém todos os factos suficientes para configurarem os crimes de falsidade de depoimento ou de falsidade de testemunho pelos quais o assistente pretende ver pronunciados os arguidos.

*Previamente à abordagem dos temas assinalados, mostra-se útil transcrever o despacho do Ministério Público de 13/5/2015, na parte em que configura uma acusação, o requerimento de abertura de instrução e o despacho recorrido, o que se passa a fazer.

Factos e sua qualificação, constantes da acusação de 13/5/2015: «No dia 15.11.2012 cerca das 12.39h., nas instalações do Diap do Porto, o arguido [2] apresentou queixa contra B…, imputando-lhe a falsificação da sua assinatura no contrato de cessão de créditos junto ao processo com o número 270906111.0YIPRT, que correu os seus termos no l° juizo, do Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto.

A denúncia referida veio a dar origem aos processos de inquérito com os números 5247/12.4TDPRT e 14983/12.4TDPRT, tendo este último sido incorporado naquele, o qual correu os seus termos na 3° secção do Diap do Porto e veio a ser arquivado nos termos do art. 227º, n.º 2, do C. P. Penal, em 16.9.2014, como se vê de fls. 827 a 829, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, designadamente por no processo com o número 270906/11.0YIPRT, ter sido realizada perícia à escrita constante do aludido contrato, e se ter apurado no parâmetro do provável, que a assinatura do arguido ali constante, é a dele, como se vê de fls. 670 a 698, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Ainda na sentença proferida no processo com o número 270906/11.0YIPRT, se extraiu como matéria provada, a conclusão de que o documento de cessão de créditos foi assinado pelo arguido, como se vê de fls. 706 a 715, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Bem sabia o arguido que a denúncia que apresentou contra B… não correspondia à verdade, já que não ignorava que havia outorgado o supra referido contrato, apondo nele a sua assinatura.

O arguido agiu com intenção concretizada de vir a ser instaurado procedimento criminal contra B….

Sabia a sua conduta proibida.

Pelo exposto, cometeu, em autoria material, na forma consumada, um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art.º 365°, n° 1, do C. Penal (…)»*R.A.I. do assistente: «ABERTURA DE...

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