Acórdão nº 5544/11.6TAVNG-L.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Março de 2016

Data da Resolução16 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal 5544 11.6TAVNG-L.P1 Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1.

Relatório O Ministério Público junto da Comarca do Porto, Instância Central Criminal, inconformado com o despacho proferido nos autos acima referenciados (Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 17.11.2015) que, nos termos dos artigos 206º nº 1 do Código Penal e art. 87º do Regime Geral das Infracções Tributárias, julgou extinto o procedimento criminal relativamente ao arguido B… (acusado da prática do crime de burla tributária p. e p. pelo artigo 87º do RGIT), recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1º O Ministério Público discorda da decisão que determinou a extinção do procedimento criminal contra o arguido B… e o consequente arquivamento dos autos por força da aplicação do disposto no art. 206º do Código Penal aos crimes de burla tributária, p. e p. pelos arts. 87º nº 1 e 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, de que vinha acusado, por força da aplicação subsidiária àquele diploma legal avulso das disposições legais enunciadas no Código Penal, conforme art. 3º a) do RGIT.

  1. O Ministério Público defende que o disposto no art. 206º do Código Penal não é aplicável aos ilícitos criminais tipificados no Regime Geral das Infracções Tributárias porquanto sendo uma lei especial a mesma não contempla a possibilidade de aplicação do mencionado normativo, tipificado no Código Penal apenas para crimes contra o património e propriedade, e sem remissão da sua aplicação a crimes tipificados em legislação avulsa, ainda que de natureza análoga aos tipificados na legislação comum.

  2. A remissão realizada pelo art. 3º a) do RGIT contempla apenas uma remissão para as normas gerais do Código Penal passíveis de aplicação a qualquer ilícito criminal, ainda que tipificados em legislação avulsa, e não para normas específicas, como é o caso do art. 206º do Código Penal, aplicável a um núcleo restrito de ilícitos comuns.

  3. O bem jurídico protegido no crime de burla tributária à Segurança Social de que os arguidos se encontram acusados, p. e p. pelo art. 87º do RGIT, não visa apenas a protecção do património do Estado, como parece ter sido o entendimento perfilhado no despacho recorrido, e, por isso, passível de ter um tratamento idêntico ao património e propriedade dos particulares afectados pelo acto criminoso, mas antes a protecção do erário público enquanto interesse da pessoa ou da comunidade na manutenção ou integridade de um certo Estado, a quebra da relação de confiança em que assenta a relação fiscal entre o beneficiário e o Estado, não se limitando o legislador a criminalizar o recebimento indevido de um beneficio, para o qual a lei prevê a utilização dos cabais mecanismos em sede de execução fiscal, mas sobretudo o sancionamento criminal de comportamentos dolosos dos contribuintes que atentem contra a lealdade e cooperação para com o Estado.

  4. A reparação dos prejuízos causados pelos arguidos à Segurança Social pela sua actuação apenas poderia ter sido objecto de valoração no âmbito do regime consagrado pelos arts. 22º e 44º do RGIT que prevêem expressamente a possibilidade de uma aplicação aos arguidos do instituto da dispensa de pena, ou porventura, a atenuação especial da mesma ou o arquivamento com dispensa de pena.

  5. Se fosse intenção do legislador permitir a extinção do procedimento criminal nos ilícitos de natureza fiscal tipificados no RGIT e, mormente no caso em apreço, da burla tributária, por força da aplicação do art. 206º do Código Penal, expressamente o teria feito consignar no corpo do art. 87º do RGIT acrescentando um novo número àquele normativo ou introduzindo no corpo daquele art. 206º do Código Penal um número que permitisse a sua aplicação subsidiária aos crimes nele tipificados em legislação avulsa de natureza análoga.

  6. A aplicação do disposto no art. 206º do Código Penal há-de resultar de factos que inequivocamente exprimam um sentimento espontâneo, livre e não pressionado ou determinado por condicionalismos exógenos de restituição ou de reparação, como sucedeu, no caso do arguido em que que subjacente à aludida reparação esteve sobretudo procurar obter a regularização da sua carreira contributiva junto da Segurança Social em ordem a que no futuro continuasse a poder beneficiar do pagamento de prestações contributivas e não a expiação da sua culpa pela reparação do mal causado e reconhecimento do desvalor da sua acção.

  7. Ainda que porventura fosse passível de aplicação o disposto no art. 206º do Código Penal aos crimes de burla qualificada tributária de que o arguido se encontrava acusado, o que só por mera hipótese se pode considerar, sempre se nos afiguraria ser indispensável a realização quanto ao mesmo de julgamento pelos factos de que o mesmo se encontrava acusado porquanto sempre a actuação do mesmo seria passível punição pelo eventual crime de falsificação de documento consubstanciado no envio de declarações de remunerações falsas ao Instituto de Segurança Social, do qual poderia vir a resultar, em sede de uma alteração da qualificação jurídica a operar nos termos do art. 358º do Código de Processo Penal, a condenação daquele, tal como previsto pelo art. 87º nº 4 do RGIT.

  8. ...

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