Acórdão nº 577/10.2TBSJM-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução17 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 577/10.2TBSJM-B.P1 (apelação) Comarca de Aveiro – Oliv. de Azeméis – Inst. Central – 3ª Secç. - Execução Relator: Filipe Caroço (por vencimento) Adj. Desemb. Pedro Lima Costa Adj. Desemb. Pedro Martins Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B…, S.A., instaurou no dia 30.6.2010 execução para pagamento de quantia certa contra C…, S.A. e D… e mulher, E…, a fim de cobrar a quantia de € 54.677,04, acrescida de juros.

Em 11.9.2012, a sucursal em Portugal do F…, reclamou, no âmbito da execução, o crédito de € 310.268,70, acrescido de juros, crédito esse garantido por duas hipotecas a favor do F…, as quais oneram um prédio penhorado e pertencente aos executados D… e mulher, E….

Tal crédito veio a ser reconhecido e graduado em primeiro lugar na sentença de 13.11.2012.

No dia 24.1.2014, marcou-se o dia 6.3.2014 para a abertura de propostas em carta fechada, no âmbito da venda do prédio, mas, no ato de abertura, constatou-se que não existiam ofertas de compra e que o credor hipotecário F…, nesse mesmo dia, tinha requerido que o prédio lhe fosse adjudicado pelo preço de € 223.000,00, com dispensa do correspondente depósito.

Ainda naquele ato, foi proferido o seguinte despacho: “Face à inexistência de proposta e tendo em conta que a adjudicação requerida não cumpre o valor mínimo de venda, deverá a agente de execução prosseguir para a realização de venda por negociação particular, nos termos do n° 2 do art. 822, da al. d) do art. 832 e do art. 833, todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo de findos 30 dias sem que nenhuma proposta seja apresentada, remeter os autos para apreciação da adjudicação requerida pelo credor reclamante”.

Em 8.4.2014, a Agente de Execução informou que não tinha recebido qualquer proposta para a venda do imóvel, pelo que, tendo decorrido mais de 30 dias desde a diligência de abertura de propostas, requereu que o tribunal tomasse posição.

Por despacho de 27.5.2014, determinou-se que se desse conhecimento aos executados do requerimento da agente de execução de 8.4.2014.

No despacho de 25.6.2014 exarou-se o seguinte: “por ter cometido um lapso no agendamento, adia-se a diligência para o dia 8/7/2014, às 10 horas.

Notifique da forma mais expedita”.

A agente de execução publicou em 27.6.2014 que se realizaria a venda do prédio, por propostas em carta fechada, no dia 8.7.2014, às 10 horas, pelo valor de € 267.750, informando no anúncio que existia proposta de aquisição pelo credor reclamante pelo preço de € 223.000,00.

Por despacho de 30.6.2014, com o fundamento de não ter sido obtida melhor oferta, deferiu-se o requerimento de 6.3.2014 em que o F… solicitava a adjudicação do prédio a ele próprio pelo preço de € 223.000, com dispensa do correspondente depósito.

Ainda no despacho de 30.6.2014, considerou-se que o transcrito despacho de 25.6.2014 não deveria ser considerado, por se reportar a expediente que não se reportava aos autos de execução (este expediente constituiu a folha 58 dos autos principais).

Com data de 21.7.2014, foi emitido título de transmissão do prédio ao F…, indicando-se como razão de transmissão a adjudicação e como preço a verba de € 223.000,00.

A aquisição do prédio pelo F… ingressou no registo predial em 24/7/2014.

No dia 6.4.2015, I…, mãe do executado D…, considerando que está em tempo, por o bem não ter sido entregue ao credor hipotecário, requereu a aquisição do prédio por ela própria, a título de direito de remição, oferecendo imediatamente, através de cheque visado, a verba de € 223.000,00 e o acréscimo de 5% dessa mesma verba, acréscimo este destinado a indemnizar o F… com despesas em que tenha incorrido por via do exercício do direito de adjudicação.

O F… pugnou pelo indeferimento do requerimento de 6.4.2015.

Por despacho de 13/7/2015, foi indeferido o requerimento de 6.4.2015, julgando-se intempestivo, e por isso legalmente inadmissível, o exercício do direito de remição.

*Inconformada com a decisão, dela apelou I…, defendendo a sua revogação, com as seguintes CONCLUSÕES: «1. Foram omitidas ao executado notificações essenciais ao exercício do direito de remição, nomeadamente a notificação do despacho de adjudicação do imóvel.

  1. O executado não é “o comum cidadão e pessoa de formação mediana”, mas antes um pai de família profundamente assustado, desorientado e perturbado com o risco de perda do imóvel que é o lar dos seus dois filhos menores, que esteve sempre desacompanhado de mandatário judicial e que não tem a clareza de espírito, nem a capacidade de raciocínio, que lhe permita avaliar e ponderar convenientemente o que quer que seja.

  2. O cumprimento do ónus de inteirar os titulares do direito de remição pressupõe que o executado disponha de toda a informação necessária ao seu exercício, e que dela disponha em termos de esse exercício poder objectivamente ocorrer no período legalmente previsto.

  3. O executado “é sempre notificado do despacho determinativo da venda”.

  4. No caso concreto, o exercício do direito de remição pressupunha que o executado tivesse sido notificado do despacho de adjudicação em termos de o direito de remição poder objectivamente ser exercido até ao momento legalmente previsto para o efeito.

  5. É unanimemente reconhecida ao direito de remição a natureza de “especial direito de preferência” ou de “direito de preferência qualificado”.

  6. Como é unanimemente reconhecido que o mesmo “funciona como um direito de preferência dos titulares desse direito relativamente aos compradores ou adjudicatários” e “consiste essencialmente em se reconhecer à família do executado a faculdade de adquirir, tanto por tanto, os bens vendidos ou adjudicados no processo de execução”.

  7. O direito de remição é exercido em face de um negócio de adjudicação ou venda acertado e consumado, consistindo simplesmente na substituição ou investidura do remidor na posição do comprador ou adjudicatário.

  8. O exercício só pode ocorrer num prazo muito apertado, entre a notificação do despacho de adjudicação e a assinatura do título que documenta essa adjudicação.

  9. Tem sido entendido que no caso de adjudicação de imóvel, como aqui, o direito deve ser exercido até ao momento da assinatura do título, não obstante a o art. 843 n° 1 al. b) do CPC dispor: “o direito de remição pode ser exercido, nas modalidades de venda que não a por proposta em carta fechada, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta”.

  10. Tão curto prazo justifica-se pela ponderação da salvaguarda dos interesses da família do executado, por um lado, e das legítimas expectativas na validade e eficácia do negócio que o adquirente celebra, por outro.

  11. A posição do adquirente merece especial tutela quando este, de boa-fé, é estranho ao processo, como normalmente acontece na venda por negociação particular.

  12. No caso, o adjudicatário é o próprio banco credor hipotecário, que concedeu o mútuo para a aquisição do imóvel.

  13. O credor reclamante foi dispensado do pagamento do preço e nenhum prejuízo terá com o exercício do direito de remição pela requerente, porquanto, não tendo despendido qualquer quantia para a respectiva aquisição (que até se encontra isenta de IMT), vê-se embolsado da quantia líquida que reclamou nos presentes autos, acrescida de 5% de multa, mais do que suficiente para salvaguardar os custos que teve com o pagamento das obrigações fiscais e de registo.

  14. Deve ser especialmente mitigada a ponderação das exigências de protecção dos direitos do credor adjudicatário, que no caso se encontram consideravelmente diminuídas.

  15. O executado não foi notificado do douto despacho de adjudicação em termos de o direito de remição poder objectivamente ter sido exercido até ao momento da assinatura do título que documenta a transmissão do imóvel.

  16. O executado foi notificado do douto despacho de adjudicação num momento processual em que formalmente já não seria possível o exercício do direito de remição, quando há mais de cinco meses se encontrava emitido o título de adjudicação e registado o imóvel a favor do banco credor hipotecário.

  17. No caso, a janela de oportunidade para exercício do direito não existiu.

  18. Nada adiantaria ao exercício do direito de remição que o executado tivesse informado a recorrente da existência e desenrolar do presente processo em momento anterior à notificação do despacho de adjudicação, atenta a natureza e modo de funcionamento do direito de remição.

  19. Não ocorreu ainda a entrega do imóvel, onde o executado vive com a sua família e onde nasceram, cresceram e se habituaram a viver os seus filhos menores.

  20. O exercício do direito de remição constitui para a recorrente a única e derradeira hipótese de preservar o imóvel no património familiar, sobretudo dos seus dois netos menores.

  21. No caso, é de admitir o exercício do direito de remição até ao momento da entrega do bem, porquanto essa maior amplitude conferida ao direito de remição da requerente não comprime ou limita, antes salvaguarda, o direito do adquirente, que assim vê realizado no processo o direito que aqui pretendeu exercer.

  22. A douta decisão sob recurso viola princípios constitucionais fundamentais.

  23. Viola, nomeadamente, a protecção conferida à família pelo art. 67 da CRP, no âmbito da qual se inscreve o reconhecimento do direito de remição.

  24. Viola a garantia de um processo subordinado ao princípio da igualdade, do contraditório, e do direito a um processo justo e equitativo, previsto no art. 20 da CRP.

  25. Restringe de forma desproporcionada o direito de acesso à justiça e aos demais princípios ínsitos naquele normativo, e como tal de forma proibida, atento o disposto nos n°s 2 e 3 do art. 18 da CRP.

  26. Viola um “princípio da funcionalidade e proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostas pela lei às partes”.

    28 O juízo de proporcionalidade “tem de tomar em conta três vectores essenciais: (i) a justificação da exigência processual em causa; (ii) a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; e (iii) a gravidade das consequências ligadas ao...

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