Acórdão nº 237/14.5T8MTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução14 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 237/14.5T8MTS.P1 Apelação Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 494) Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, residente em …, Matosinhos, intentou a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C…, UNIPESSOAL, LDA., sociedade unipessoal por quotas, com sede … Lisboa, peticionando a final que o contrato celebrado entre as partes seja declarado como de trabalho e que seja declarada ilícita a sua cessação pela Ré, e que esta seja condenada a pagar-lhe o montante global de € 81.103, 62 relativo a créditos, diferenças salariais e indemnização por despedimento ilícito.

Alegou, em síntese, que celebrou um contrato denominado de prestação de serviços em 2002, com a antecessora da Ré, para o exercício, sob as ordens e fiscalização desta, das funções próprias de inspector, e mediante retribuição. Tal exercício manteve-se com a Ré e prolongou-se até 2013 e quer dos termos do contrato quer do concreto modo de execução das suas funções, resulta que o contrato se deve caracterizar como um verdadeiro contrato de trabalho. Porém, durante o mesmo, a Ré não lhe pagou quantias relativas a subsídio de férias e de Natal e, a final, fê-lo cessar, sem precedência de procedimento disciplinar e sem justa causa.

A Ré, contestou impugnando a factualidade alegada e invocando que o Autor exerceu as funções de inspector enquanto profissional independente, jamais tendo sobre ele quaisquer poderes de direcção ou de fiscalização.

Realizou-se audiência preliminar na qual se verificou a regularidade da instância e se procedeu à fixação da matéria fáctica assente e da matéria controvertida, fixando-se o valor da acção em €81.103,62.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento com gravação da prova nela prestada, tendo sido marcado dia para leitura da decisão sobre a matéria de facto, com anuência dos mandatários das partes. Procedeu-se à leitura da matéria de facto provada e não provada e da respectiva motivação do tribunal, sem que as partes e seus mandatários tivessem comparecido.

Foi seguidamente proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente por não provada, e, consequentemente absolve-se a ré C…, Unipessoal dos pedidos formulados pelo Autor.

Custas a cargo do Autor”.

Inconformado, interpôs o Autor o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões: - A sentença recorrida mostra-se totalmente omissa no que toca à sua fundamentação com base na prova produzida em julgamento.

- Atenta a pertinência e esclarecimentos que vieram trazer os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de Audiência Discussão e julgamento, constatando-se também deficiente motivação a confrontar com os meios de prova não coincidentes, em contradição com o imposto no artigo 607º, nº 4 do CPC.

- Toda a prova feita em audiência de discussão e julgamento e a demais, incluindo documental, carreado nos autos, é suficiente para qualificar o contrato celebrado entre o Autor e a Ré como contrato de trabalho; - Todas as testemunhas inquiridas, assim o comprovaram, afirmando perentoriamente que os inspetores trabalhavam a “recibo verde” por imposição da Ré; - Verifica-se contradição entre os factos dados como assentes e a decisão; - Toda a fundamentação de facto leva à qualificação do contrato celebrado entre o Autor e a Ré, como de trabalho; - Verifica-se contradição entre a Fundamentação de facto e a Douta Decisão; - O Tribunal não valorou o teor do contrato de trabalho junto, nomeadamente a sua cláusula 6ª (exclusividade), tendo decidido em contrário ao aí constante, aceite pelas partes e não impugnado; - São integradores da qualificação do contrato de trabalho, a prestação de trabalho, a retribuição e a subordinação jurídica; - É o relacionamento das partes - a sua subordinação ou autonomia que permite aferir a distinção entre contrato de trabalho ou prestação de serviços; - A dependência económica do Autor e a subordinação jurídica, que se traduz no facto do trabalhador, na prestação da sua atividade, estar sujeito a ordens, direção e fiscalização da Ré, encontra- se devidamente provada nos autos; - As relações estabelecidas entre a A. e Ré e os exportadores, em nada pode interferir nas relações estabelecidas com o Autor; - O Autor nada contratou com os exportadores, nem tão pouco com os Governos dos outros países, nomeadamente de Angola; - Era da Ré que o Autor recebia todos os materiais e instrumentos de trabalho, bem como as instruções para exercer a sua atividade; - A Ré pagava ao quilómetro acima dos 150, percorridos por dia, não podendo ter influência negativa o facto de o veículo, ser propriedade do Autor; - Verifica-se a exclusividade do Autor para com a Ré; - Os rendimentos auferidos pelo Autor eram exclusivamente provenientes da Ré; - Trabalhar a “recibo verde” foi imposição da Ré; - A Ré detinha um poder de direção/poder disciplinar incontrolável e absoluto sobre o Autor e demais inspetores; - O facto de a remuneração ser variável, em nada colide com a qualificação do contrato como de trabalho; - O Autor era avaliado, fiscalizado e classificado pela Ré; - A fundamentação da matéria de facto e demais indícios levam à conclusão que o contrato celebrado entre o autor e a Ré era um verdadeiro contrato de trabalho; - As ilações da Mª Juíza não assentaram em factos ou provas concretas; - A livre apreciação da prova não é sinónimo de apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova de todo imotivável; - A Douta Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 11º e 12º do Código do Trabalho, 1152º do Código Civil, e ainda os artigos, 607º, nº4, 615º, 1, alíneas c) e d) do Código do Processo Civil.

NESTES TERMOS (…) DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO EM CRISE.

Contra-alegou a recorrida, formulando a final as seguintes conclusões: 1.ª Não ficou provado em sede de audiência de julgamento a existência de qualquer indício de que a relação estabelecida entre o recorrente e a recorrida era um contrato de trabalho.

  1. Pelo contrário, resultou, de forma mais que evidente, que na realidade estávamos perante um verdadeiro contrato de trabalho.

  2. Efetivamente, e conforme resulta de forma inequívoca dos depoimentos citados na presente peça, o A. poderia até ter muitas solicitações, mas tinha completa liberdade de as realizar ou não, desconhecendo-se portanto se, face às inspeções que realizou, as mesmas lhe ocupavam a tempo inteiro ou se este teria disponibilidade para o exercício de outra atividade profissional.

  3. Não resultou da prova produzida em sede de audiência de julgamento que existissem quaisquer consequências para a recusa por parte do A. em realizar inspeções. Muito pelo contrário, ficou provado que o A. podia livremente recusar a realização de inspeções, não só não sendo necessária qualquer justificação, como nunca tendo existido qualquer “sanção” ou “castigo”, e consequentemente qualquer poder disciplinar da R. sobre o A.

  4. Jamais a Ré exigiu que qualquer um dos inspetores que teve ao seu serviço trabalhassem em exclusivo para si, sendo certo que existem inspetores que colaboram com a R. nos mesmos moldes que o A. que desempenham outras atividades profissionais.

  5. Por outro lado, refira-se que do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes apenas resulta que o A. apenas não poderia desempenhar uma outra atividade em concorrência com a R.

  6. Quanto as reuniões/formações promovidas pela R., refira-se que os inspetores compareciam às referidas reuniões por terem interesse nas mesmas e não por qualquer obrigação ou imposição, já que as referidas reuniões apenas serviam para informar os inspetores das alterações legislativas em matéria de inspeção de pré-embarque.

  7. Sendo que em nenhumas das ditas reuniões estiveram presentes todos os inspetores ao serviço da R., pelo que ficou plenamente demonstrado que não existia qualquer obrigatoriedade na presença dos inspetores nas referidas reuniões.

  8. Entre as partes existia um verdadeiro contrato de prestação de serviços e, consequentemente, só mediante a emissão de recibos verdes poderia o recorrente regularizar a prestação da sua atividade.

  9. Sendo certo que nunca o recorrente reivindicou a celebração de um contrato de trabalho, pois obviamente bem sabia que a relação que tinha com a R. era de prestação de serviços.

  10. Alega o recorrente que existia uma obrigação de exclusividade na prestação dos serviços do A. à Ré, o que foi contraditado pelas testemunhas ouvidas em julgamento, tendo ficado provado que a cláusula de exclusividade apenas se referia a atividades concorrentes e não a toda e qualquer atividade.

    12.º Sendo que, conforme já referido, da existência do clausulado no contrato de prestação de serviços, conjugado com os depoimentos das várias testemunhas, resulta evidente que o que na realidade existiu entre as partes foi um verdadeiro contrato de prestação de serviços.

  11. Por outro lado, e quanto a férias, provou-se que o gozo de férias por parte dos inspetores funcionava do mesmo modo que as situações de indisponibilidade para a prestação de atividade de inspeções de pré-embarque por qualquer outro motivo, ou seja, os inspetores limitavam-se a comunicar os períodos em que não estariam disponíveis para a realização das ditas inspeções, sendo que durante esses períodos a R. limitava-se a procurar outros inspetores para a realização das mencionadas inspeções.

  12. Ora, dos factos elencados pelo recorrente, no entender da recorrida e do Tribunal a quo, não resultam sequer indícios de uma relação contratual laboral, mas sim de uma verdadeira prestação de serviços, designadamente: a. O local da inspeção era determinado pela entidade exportadora; a Ré limitava-se a transmitir ao A. hora e local em que as inspeções deveriam ser realizadas, segundo o que lhe havia sido comunicado pelo...

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