Acórdão nº 3274/10.5TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução14 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

3274/10.5TBSTS.P1 Sumário do acórdão proferido no processo nº 3274/10.5TBSTS.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: 1. A falta de consciência da declaração constitui um vício negocial de maior gravidade do que o erro na declaração (veja-se o artigo 246º do Código Civil), pois, segundo uns, determina a nulidade do negócio, enquanto outros sustentam que a consequência jurídica que corresponde a essa patologia negocial é a inexistência jurídica, havendo ainda quem distinga consoante se trate de falta de vontade de ação, hipótese em que a sanção é a inexistência, dos casos em que ocorra falta de vontade de declaração, situação em que a sanção é a nulidade do negócio.

  1. A nulidade decorrente da falta de entrega de um contrato de crédito é atípica, carecendo de ser invocada pelo consumidor e se apenas for suscitada em via de recurso, constitui uma questão nova, insusceptível de ser conhecida pelo tribunal ad quem.

  2. No caso de subscrição de um contrato de crédito junto de outrem que não a entidade financiadora, os deveres de comunicação e de informação do conteúdo das cláusulas contratuais gerais são de impossível cumprimento pela entidade que concede o financiamento.

  3. Só é lícito o recurso ao instituto do abuso do direito quando se esteja perante o exercício de um direito ou de uma faculdade jurídica de que se seja titular, não havendo espaço para o seu funcionamento quando a pessoa contra quem é utilizado não for titular do direito ou da faculdade jurídica invocada.

    *** * ***Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório[1] Em 20 de Julho de 2010, no Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso, B… intentou contra C…, D… e E…, S.A.

    a presente ação declarativa de condenação sob forma de processo sumário, pedindo a anulação do contrato de mútuo celebrado com data de 05 de Dezembro de 2000, com as suas consequências legais, nomeadamente com a entrega ao autor das quantias entregues/penhoradas em virtude do mesmo, a apurar em execução de sentença e a condenação dos primeiro e segundo réus ao pagamento, cada um, de quantia não inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), relativa a danos morais; no caso de se não reconhecer a anulabilidade do contrato em apreço, serem os réus condenados a reconhecerem como únicos mutuários do contrato em apreço a primeira e o segundo réus e, bem assim, a reconhecerem a qualidade pretendida de avalista do autor no mesmo contrato, com as demais consequências.

    Para fundamentar as suas pretensões, em síntese, o autor alegou que a primeira e o segundo réus, no mês de dezembro de 2000, pretendendo comprar um veículo automóvel abordaram o autor no sentido de solicitar ao mesmo que fosse seu fiador num contrato de crédito destinado a tal aquisição; assim, ainda naquele mês, num dia à noite, a primeira e o segundo réus deslocaram-se a casa do autor a pedir que este assinasse uns documentos, ao que este acedeu; no mês de janeiro de 2008, o autor foi citado para os termos da ação executiva para pagamento de quantia certa, no âmbito do processo n.º 18993/04.7TJPRT, do 2.º juízo, 3.ª secção dos 1.º e 2.º juízos de execução do Porto, cujo título executivo é uma livrança atinente ao contrato de mútuo n.º ……, tendo ainda sido penhorado parte do seu salário, o seu único sustento; só em fevereiro de 2010, o autor constata que não é fiador no contrato de mútuo, mas sim mutuário, sendo que em tal contrato sequer figura como mutuário o segundo réu; o autor assinou o contrato de mútuo dos autos em branco, tendo sido aposto posteriormente o seu nome e identificação como mutuário e quando assinou tal contrato estava convicto que o fazia na qualidade de avalista, o que era essencial para si, pois de outra forma nunca teria acedido ao pedido da primeira e do segundo réus; a primeira e o segundo réus enganaram o autor, levando-o a assinar documentos motivado por erro, mais obtiveram a sua assinatura de forma a não lhe dar qualquer possibilidade de melhor analisar os termos em que se iria vincular, pois abordaram-no em sua casa, já à noite e impuseram que tinha que ser efetuada a assinatura na mesma hora, tendo o autor assinado os documentos em causa, no local previamente estipulado pelos mesmos réus; mais, alegou que nunca a terceira ré teve contacto com o autor, nem lhe explicou os termos do contrato que eventualmente seria celebrado; toda a situação acarretou a privação do vencimento que lhe foi sendo penhorado e provocou-lhe ansiedade, tristeza, depressão e temor.

    Efetuada a citação de todos os réus, apenas a primeira e a terceira ré contestaram impugnando, no essencial, os factos alegados pelo autor, pugnando pela total improcedência da ação.

    Realizou-se uma infrutífera tentativa de conciliação.

    Seguidamente, fixou-se o valor da causa no montante de € 21.619,10, proferiu-se despacho saneador tabelar, procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos.

    Após isso, as partes ofereceram os seus meios de prova.

    Realizou-se a audiência de discussão e julgamento em três sessões após se terem frustrado sete datas para a sua realização entre 16 de fevereiro de 2012 e 11 de dezembro de 2014.

    Em 16 de setembro de 2015 foi proferida sentença[2] que julgou a ação totalmente improcedente.

    Inconformado com a sentença, em 03 de novembro de 2015, B… interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: “1ª. O recorrente não se conforma com a decisão proferida.

    1. Os fatos não provados com relevo para a decisão da causa sob alínea a), b), e), f) g) h) i) j) e k) pela conjugação da prova produzida, merecem a prova.

    2. Provado deveria ter ficado também que o contrato dos autos padece do vício de simulação.

    3. Pela conjugação dos fatos provados nos autos impunha-se uma decisão de procedência total da ação, por provada.

    4. O Tribunal a quo errou na apreciação dos factos carreados, peticionados e provados nos presentes autos pelo recorrente e, concomitantemente na aplicação do Direito e solução jurídica apresentada.

    5. O autor contratou baseado em erro na declaração ou falta de consciência na declaração, devendo ter aplicação no caso dos autos o artigo 247º e 286º, 287º e 289º do Código Civil.

    6. Deve ser aplicado ao caso dos autos o Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, no seu artigo 6º, n.º 1, conjugado com o n.º 1 do artigo 8º.

    7. Deve ser aplicado no caso dos autos o regime das cláusulas contratuais gerais (DL nº 446/85, de 25/10, alterado pelo DL nº 220/95, de 31/8 e DL nº 249/99, de 7/7), nomeadamente o artigo 5º, n.º 1 e 3 e ainda o artigo 6º n.º 1 e 2, 8º, n.º 1, com a consequência do seu artigo 9º, n.º 2.

    8. Deve ser aplicado o disposto no artigo 879º e ss. do Código Civil.

    9. Não deve ter aplicação ao caso dos autos o instituto do abuso do direito, previsto no 334º do CC.

    ” Não foram oferecidas contra-alegações.

    Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

  4. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil 2.1 Da reapreciação da factualidade não provada nas alíneas a), b), e), f), g), h), i), j) e k) dos fundamentos de facto da sentença recorrida e da prova da simulação do contrato controvertido nos autos; 2.2 Do erro na declaração ou da falta de consciência na declaração por parte do recorrente; 2.3 Da nulidade do contrato de mútuo por falta de entrega de um exemplar do contrato, por falta de comunicação das cláusulas contratuais gerais, bem como da violação do dever de informação do conteúdo das mesmas cláusulas; 2.4 Da nulidade do contrato de compra e venda por falta de entrega do bem vendido; 2.5 Da inverificação do abuso do direito.

  5. Fundamentos 3.1 Da reapreciação da factualidade não provada nas alíneas a), b), e), f), g), h), i), j) e k) dos fundamentos de facto da sentença recorrida e da prova da simulação do contrato controvertido nos autos O recorrente impugna as respostas à matéria vertida nas alíneas a), b), e), f), g), h), i), j) e k) dos factos não provados e, além disso, afirma que também deveria ter ficado provado que o contrato dos autos padece do vício da simulação.

    As razões aduzidas pelo recorrente para sustentar as suas pretensões são, em síntese, as seguintes: - o depoimento de parte da ré C… que admitiu que o seu então companheiro lhe confidenciou que iria pedir ao autor para ser seu fiador no empréstimo contraído para aquisição de um jipe e que depois de instados pelo autor, chegaram a reembolsá-lo de alguns pagamentos que o mesmo efetuou; - as testemunhas F… e H…[3] confirmaram que a ré C… acompanhou o réu D… quando abordaram o autor para ser fiador: - o autor nas declarações de parte que prestou reafirmou quanto alegou na petição inicial; - ao invés do que foi afirmado pelo tribunal a quo, os depoimentos das testemunhas F… e H… não foram tendenciosos e convergiram com as declarações do autor no sentido da abordagem a este para assinatura de documentação ter ocorrido no exterior da casa; - é visível no documento que titula o mútuo a prévia marcação do local onde o autor devia apor a sua assinatura; - um homem médio, tal como é o caso do autos, não sabe o que é uma livrança, nem um contrato de mútuo; - qualquer pessoa com o salário penhorado fica triste, temerosa e deprimida e tanto mais quanto frustrada foi a confiança do autor, factos corroborados pelos depoimentos prestados pelas testemunhas H… e F…; - da prova produzida em audiência resultou que a entidade que surge como vendedora no contrato não foi...

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