Acórdão nº 409/14.2TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação n.º 409/14.2TBSTS.P1 1.ª Secção Cível Acordam no Tribunal da Relação do Porto: ***I – Relatório B… e C… e mulher, D…, todos com os sinais dos autos, intentaram [1] ação declarativa de condenação com processo comum contra E…, também com os sinais dos autos, pedindo: a) Seja declarada a resolução do contrato de arrendamento relativamente ao prédio urbano identificado em 1.º da petição inicial (doravante, p. i.), com fundamento na al.ª d) do n.º 2 do art.º 1083.º do Código Civil (doravante, CCiv.); b) Condenando-se e fixando-se prazo para a R. entregar, de imediato, o locado, livre de pessoas e bens; c) Condenando-se a R. no pagamento de sanção pecuniária compulsória, nos termos do disposto no art.º 829.º do CCiv., no valor de € 50,00 por cada dia de incumprimento da obrigação de restituição do prédio, a contar da data a ser fixada na sentença a proferir.

Para tanto, alegaram, em síntese, que: - por contrato verbal, celebrado em 10/07/1974, o antecessor dos AA. e seu avô, F…, deu de arrendamento para habitação a G… – pai da aqui R. –, pela renda mensal de 700$00, o prédio urbano sito na Travessa …, n.º .., em …, Trofa; - por força do óbito daquele locatário, o arrendamento transmitiu-se para a ora R., sua filha, a qual, porém, desde junho de 2012, deixou de usar o prédio para a sua habitação, dele tendo retirado toda a sua economia doméstica, passando a residir e a centrar toda a sua vida quotidiana e familiar em Lisboa, na Av.ª …; - a R. não só não reside no arrendado, como, desde junho de 2012, o abandonou, estando o mesmo devoluto e em processo de degradação.

Citada, a R. contestou, impugnando os factos articulados pelos AA., assim afirmando que mantém residência permanente no locado, ali fazendo a sua vida diária, e concluindo pela total improcedência da ação.

Saneado o processo, realizou-se depois a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença – datada de 08/10/2015 e conhecendo de facto e de direito –, julgando a ação procedente, por provada, com o seguinte dispositivo: «(…) declaro: a) A resolução do contrato de arrendamento dos autos com o fundamento previsto na alínea d) do n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil e, em consequência, ordeno o despejo imediato da Ré do locado, deixando-o livre de pessoas e bens.

b) Condeno a Ré no pagamento da quantia de €50 (cinquenta euros), a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na entrega do locado, a contar da data do trânsito em julgado da presente sentença.» (fls. 279 v.º, com negrito subtraído).

Da sentença veio a R. interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões «A) A Ré impugna a decisão sobre a matéria de facto, considerando incorretamente considerados provados os factos 8º a 11º, B) Impugnando de direito, entende que a sentença recorrida viola o disposto no n.º 2 do artigo 1083º do C. C., com a redação que lhe foi dada pela Lei 6/2006, de 27/2.

  1. Para decidir nos termos em que o fez o Tribunal a quo baseou a sua convicção, essencialmente, nos depoimentos das testemunhas dos Autores, que considerou sérios e isentos.

  2. A Ré entende que os depoimentos das testemunhas F… e H…, não se mostraram desinteressados e isentos, aliás o interesse que demonstraram na causa, abala o rigor que a Mma Juiz lhes confere.

  3. A Mma Juiz não valorou do mesmo modo os depoimentos das testemunhas da Ré, para tanto referindo que depuseram todas no sentido dos factos alegados pela Ré em sede de contestação.

  4. Acrescenta que os seus depoimentos, no que respeita a tentarem demonstrar que a Ré reside de forma habitual e permanente na casa arrendada não são compatíveis com as regras da experiencia e do normal acontecer e com os consumos de eletricidade.

  5. Contudo, as testemunhas I…, J…, L… e M… eram visitas da casa da Ré, sendo que todas elas, por razões de vizinhança mostraram ter mantido com a Ré uma relação de intimidade e conhecimento direto dos factos, tendo os seus depoimentos sido credíveis, objetivos e isentos.

  6. Em síntese, disseram as testemunhas dos Autores que se consta que a Ré vive em Lisboa, porque existem indícios que não habita o locado. Divergentemente, disseram as testemunhas da Ré que, apesar da mesma se deslocar com frequência a Lisboa, como já acontecia em vida dos seus Pais, para visitar os seus familiares, que são de Lisboa, a vêm e contactam com frequência no lugar do locado e que sempre teve lá a sua residência, onde dorme, cozinha, tem os seus móveis, roupas, plantas e animais.

  7. De tal divergência resulta uma séria e fundada reserva sobre a verdade dos factos 8º a 11º, que a sentença recorrida deu como provados, em face do que haveria, como há, lugar ao acolhimento do princípio que consagra que, na dúvida, se decida favoravelmente ao Réu. Não foi isso que fez a sentença recorrida.

  8. Dos depoimentos das testemunhas da Ré conjugados com os documentos de fls. 50, 51, 120, 245 a 252, deveriam ter sido dados como não provados os factos 8º a 11º, aliás, no seguimento do que aconteceu com os factos dados como não provados 1º a 6º.

  9. Existe uma contradição entre os factos 8º a 11º dado como provados e os factos 1º a 6º que dão como como não provado que a Ré residisse em Lisboa (…) que a Ré abandonou o locado para passar a residir em Lisboa. Provado que não residiu nem residia aqui, resulta lógica a conclusão de que reside no locado.

  10. Os documentos de fls. 183 e 184, também elementos de suporte da decisão recorrida, apenas provam que, no locado, os consumos de eletricidade eram os que constam dos registos presentes em tais documentos. Não provam que a Ré não tivesse aí a sua residência. Dos baixos consumos verificados, numa pequena amostra de períodos selecionados no interesse dos Autores, não se infere o abandono do locado.

  11. A Ré nunca abandonou o locado e sempre foi nele que teve a sua residência desde o tempo em que os seus pais eram vivos, nem fez deste a sua residência intermitente. No entanto, refere a Mma Juíz na douta sentença, na pagina 11, que apesar de não ter ficado demonstrado que a Ré passou a residir em Lisboa, o facto daquela se deslocar com frequência a Lisboa, em visitas de familiares, permite concluir que o locado passou a ser a residência não permanente da Ré.

  12. O conceito de residência permanente deve ser equacionado com as condições de vida e familiares do arrendatário. Para que um local possa ser considerado residência permanente de alguém não é necessário que a pessoa ali permaneça todos os dias 24h dia, basta que, tendo ali uma permanência mínima, esse local possa ser considerado aquele em que tenha centrada a sua vida familiar (acórdãos da Relação de Évora, de 18.5.89, BMJ 387, pág. 675, e de 28.9.89, BMJ 389, pág. 666).

  13. Contrariamente ao entendimento da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, entende a Ré que não se provou o fundamento invocado pelos Autores para a resolução do contrato de arrendamento, na medida em que conforme resulta dos pontos 2 e 3 dos factos não provados, não resultou provado que: - a ré deixou de ter no arrendado os seus bens pessoais, tais como calçado e vestuário; - aí a ré, há mais de um ano reside, a título permanente: aí pernoita, toma as refeições, recebe os familiares e amigos e faz toda a sua vida quotidiana; (…) P) A Autora pediu a resolução do contrato de arrendamento e o despejo com fundamento na alínea - d) do n.º 2 do artigo 1083º, do Código Civil.

  14. De acordo com o disposto no n.º 2 desse normativo, com a redação que lhe foi dada pela Lei 6/2006, de 27/02, só é fundamento de resolução contratual, pelo senhorio, o incumprimento que pela sua gravidade ou consequências torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.

  15. Trata-se de uma condição que engloba, também a alínea - d) do n.º 2 do referido artigo.

  16. Não foi arguida, nem a gravidade, nem as consequências do alegado não uso do locado e o Tribunal não conheceu, nem podia conhecer, de tal matéria.

  17. O Tribunal recorrido deu como provado o não uso do locado e declarou resolvido o contrato, ordenando o despejo imediato, justificando, apesar de não alegada pelos Autores que a causa resolutiva pelo não uso do locado por mais de um ano assenta na proteção dos interesses do senhorio de não assistir à degradação do seu imóvel, por desocupação.

  18. No entanto, ficou demostrado pelas testemunhas da Ré, nomeadamente, no depoimento da testemunha L…, que realizou no locado várias obras de manutenção e melhoria (nomeadamente uma casa de banho em condições anteriormente não existentes, muros e tectos em pladur no 1º andar). Aliás, a própria testemunha dos Autores H… confirma que a Ré fez obras no locado.

  19. Sendo tal conhecimento uma exigência legal e condição para a procedência da resolução contratual, a sentença recorrida violou o disposto no n.º 2 do artigo 1083º, do C.C.

  20. Mesmo que se admita como provado o não uso do locado, seja, que a Ré não tinha nele a sua residência permanente, o certo é que a Ré apresentou factos, que foram dados como provados, que traduzem a não gravidade do seu incumprimento, pelo que sempre seria de indeferir o pedido dos Autores.

  21. Das provas produzidas nos autos decorre, ainda, que os A.A. não necessitam do locado e que a resolução contratual comportaria para a Ré, que vive sozinha, encontra-se desempregada e portadora de cancro maligno, consequências particularmente nefastas e gravosas o que, em face da mencionada condição geral do n.º 2 do artigo 1083º do C. C., reforça a falta de fundamento para a resolução do contrato”.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a douta sentença, absolvendo-se a Ré do pedido».

Os Recorridos contra-alegaram, pugnando pela confirmação do decidido.

***O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (cfr. fls. 319), tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT