Acórdão nº 1206/14.0T8MTS-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelDOMINGOS MORAIS
Data da Resolução29 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1206/14.0T8MTS-A.P1 Origem: Comarca do Porto, VNGaia-Inst. Central-3.ª Secção Trabalho – J 2.

Relator: Domingos Morais – R 566 Adjuntos: Paula Leal de Carvalho Rui Penha Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1.

– B…, nos autos identificada, apresentou o formulário a que reportam os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo de Trabalho (CPT), na Comarca do Porto-VNGaia-Instância Central-3.ª Sec. Trabalho-J2, contra 2. – C…, nos autos identificado, frustrada a conciliação na audiência de partes, apresentou o articulado para motivar o despedimento, excepcionando erro na forma de processo, e alegando, em resumo, que a autora foi admitida verbalmente ao serviço do réu, viúvo, de 83 anos, para lhe prestar, com carácter regular, na residência deste, actividades destinadas à satisfação das necessidades próprias e específicas do agregado familiar do réu, nomeadamente vigilância e assistência, alimentação, cuidados de higiene e acompanhamento nocturno; que o contrato celebrado entre as partes foi um contrato de serviço doméstico, ao qual é aplicável o regime previsto no DL 235/92, de 24 de Outubro (artºs 1º e 2º, nº1 al.s d) e h)); que a autora estava encarregada do turno da noite, pelo que iniciava o trabalho pelas 18h00 e saía de casa do réu pelas 9h00 do dia seguinte, com excepção do Domingo que entrava ao serviço em casa do Réu pelas 21.00 horas, auferindo, por esse trabalho, a retribuição mensal ilíquida de € 1.770,00, tendo o réu acordado com a autora que, por virtude da sua situação de incapacidade e de residir sozinho, lhe entregaria essa quantia mensalmente, ficando a cargo da autora o pagamento de todas as contribuições devidas à Segurança Social, quer pelo empregador, quer pelo trabalhador; que comunicou à autora a rescisão do contrato de serviço doméstico com justa causa, indicando os respectivos fundamentos.

Termina: “devem ser julgadas procedentes as excepções de nulidade e erro na forma do processo invocadas e, por conseguinte, ser o réu absolvido da instância; quando assim não se entenda, deve a presente acção de impugnação do despedimento ser julgada totalmente improcedente e não provada e ser declarada a regularidade e licitude do despedimento da Autora.

”.

  1. – Notificada, a autora contestou e reconveio, alegando, em resumo, que “é manifesta a falta de conteúdo (factos concretos) do documento de rescisão, limitando-se apenas a transcrever conceitos legais, consagrados no art.º 30º do Decreto-Lei nº. 235/92 de 24 de Outubro, sem que para tal tenha concretizado, no tempo e no lugar quais os factos eventualmente praticados pela A. integradores dos referidos conceitos legais;” e que o presente processo especial tem aplicabilidade plena no presente caso.

    Termina: “deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência ser decretada a ilicitude do despedimento e o réu condenado a pagar à A. a quantia de € 108.930,70, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação do réu, até efectivo e integral pagamento, custas e demais encargos.”.

  2. – O réu respondeu à contestação e reconvenção da autora, concluindo pela improcedência das excepções alegadas e pela sua absolvição do pedido reconvencional.

  3. – No saneador/sentença, a Mma Juiz decidiu: - “Julgar improcedente a invocada excepção do erro na forma de processo; - Julgar a acção parcialmente procedente, sem prejuízo do prosseguimento dos autos para apreciação dos demais pedidos formulados pela autora, e em consequência decido: I – declarar a ilicitude do despedimento da autora B… promovido por C…, II – absolver o réu do pedido relativo ao crédito de formação.

    ”.

  4. - O réu, inconformado, apresentou recurso de apelação em separado, concluindo: “A- Assente nos autos que o contrato celebrado entre Autora e Réu era um contrato de serviço doméstico, a especificidade do seu regime e o carácter particular das relações estabelecidas impõem alguma cautela na articulação do regime do DL 235/92, de 24 de Outubro, e as regras gerais do Código do Trabalho.

    B- A acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento não se adequa ao regime jurídico do contrato de serviço doméstico.

    C- Tal acção, aplicável aos casos em que há um despedimento e em que a decisão foi comunicada por escrito, destina-se e foi pensada para as situações em que o despedimento seja precedido de determinado procedimento ou de certas formalidades prévias.

    D- Essa a razão pela qual o legislador determina que, frustrada a tentativa de conciliação, na audiência de partes, o juiz proceda à notificação do empregador para, além de apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas (artº 98º-I, nº4 a) do CPT).

    E- Se o empregador não apresentar esse articulado (para motivar o despedimento) ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara (logo) a ilicitude do despedimento do trabalhador, com as consequências previstas no artº 98º-J, nº3 do C.P.T.

    F- A cessação do contrato de serviço doméstico com alegação de justa causa não está sujeita ao cumprimento da formalidade de instauração de prévio procedimento disciplinar, nem de qualquer outra formalidade para além da comunicação por escrito dos fundamentos da rescisão do contrato (artº 29º do DL 235/92).

    G- Não podendo o empregador cumprir o disposto no artº 98º-J, nº3 do C.P.T., tal implicaria o absurdo de que este despedimento, impugnado através desta acção especial, teria de ser sempre declarado ilícito por estar previsto que o empregador junte o procedimento disciplinar (no caso de despedimento com justa causa) ou o cumprimento das formalidades exigidas (no caso de despedimento por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação) e o empregador não poder, nesta hipótese, proceder a essa junção.

    H- E não se diga que a “formalidade prévia” é apenas a comunicação escrita ao trabalhador dos factos e circunstâncias que o fundamentam, pois a decisão do despedimento é obrigatoriamente junta pelo trabalhador com o requerimento do qual consta a declaração de oposição ao despedimento (pelo qual se inicia esta acção especial), sob pena de recusa do formulário pela secretaria (artº 98-E do CPT).

    I- E o trabalhador só pode instaurar esta acção se tiver sido notificado da decisão de despedimento proferida por escrito, sendo que a prova de que a recebeu é precisamente o facto de ter sido ele próprio a proceder a essa junção.

    J- Não havendo outra formalidade a cumprir (a não ser a entrega da comunicação escrita), estando em causa o despedimento do trabalhador do serviço doméstico, a entidade empregadora nada tem a juntar aos autos com o seu articulado que não conste já do processo (por ter sido junto pelo trabalhador).

    K- No primeiro anteprojecto estava previsto (artº 98º-C) que a acção destinada a apreciar a regularidade e licitude do despedimento fosse a “acção de apreciação judicial da regularidade e licitude do despedimento precedido de procedimento instrutor”.

    L- Apesar de o que acabou por ficar a constar da versão final do Código de Processo do Trabalho ter sido “acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento”, a verdade é que o legislador pressupôs que a decisão de despedimento comunicada por escrito tem por base um procedimento prévio – que pode não ter sido cumprido pelo empregador, mas que estava legalmente previsto.

    M- A razão de ser da junção do processo disciplinar por parte do empregador tem em vista a apreciação da regularidade do mesmo, decisão esta que fica esvaziada de sentido no caso da rescisão do contrato de serviço doméstico.

    N- A junção do procedimento disciplinar interno permite ao trabalhador a sua consulta e o acesso a toda a informação relevante para organizar a sua defesa e permite ao juiz a verificação da legalidade dos actos praticados no procedimento, nomeadamente, se a decisão disciplinar e o articulado inicial se situaram dentro dos limites dos factos elencados na nota de culpa – tudo razões que não têm aplicação no regime do contrato de serviço doméstico; O- Diversamente do que sucede no regime geral do contrato de trabalho, o regime jurídico do serviço doméstico, quando se refere à forma de cessação do contrato, não alude a “despedimento” do trabalhador, mas sim a “rescisão com justa causa” por qualquer das partes (artº 27º do DL 235/92).

    P- A revisão ao Código de Processo do Trabalho teve o objectivo de consagrar um mecanismo processual adequado às alterações...

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