Acórdão nº 401/14.7TTVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução29 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 401/14.7TTVNG.P1 Apelação Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 490) Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, aposentado, residente em Vila Nova de Gaia, veio intentar a presente acção emergente de contrato individual de trabalho contra “CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, SA”, com sede em Lisboa, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe: - A quantia de 6 176,81€, relativa às diferenças remuneratórias correspondentes à média anual das retribuições complementares por ele auferidas nos anos de 1988 a 2013 e que a Ré não incluiu nos pagamentos efectuados a título de férias, de subsídio de férias e de subsídio de natal, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, ter sido admitido ao serviço da Ré como carteiro, sendo que esta nunca lhe pagou o subsídio de natal nos valores devidos, uma vez que nunca integrou em tal remunerações os valores médios das retribuições complementares por ele mensalmente auferidas. O mesmo sucedeu relativamente às remunerações de férias e de subsídio de férias, vencidas até ao ano de 2003, inclusive.

A Ré contestou, invocando a prescrição dos créditos reclamados pelo Autor anteriores a Maio de 1992, período durante a qual as partes mantiveram uma relação jurídica de emprego público, sujeita ao direito administrativo. Invocou ainda a excepção de inexigibilidade dos juros moratórios já vencidos reclamados pelo Autor, defendendo que apenas são devidos juros de mora desde a data do trânsito em julgado da presente decisão ou, na pior das hipóteses, desde a citação. Além disso, e subsidiariamente em relação à excepção anterior, invocou ainda a prescrição dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos.

Apesar de admitir que o Autor auferiu efectivamente complementos remuneratórios regulares, defendeu o entendimento jurídico de que os mesmos não devem ser integrados na remuneração de férias e dos subsídios de férias e de natal.

Concluiu, pedindo a procedência das excepções invocadas, bem como a improcedência da acção.

O Autor respondeu, pugnando pela improcedência das excepções invocadas pela Ré e concluindo como na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador e fixada à acção o valor de €16.105,16.

As partes vieram acordar na matéria de facto que expressamente mencionaram, declarando prescindir da produção de prova e de alegações orais.

Foi então proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “Nestes termos e com tais fundamentos, julgo a presente acção parcialmente procedente, em consequência do que decido condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia global de 4 606,01€, relativa aos créditos salariais referentes aos anos de 1988 a 2013; acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, às sucessivas taxas legais aplicáveis, até integral pagamento.

Custas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento”.

Inconformada, interpôs a Ré o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões: I. É entendimento da recorrente que se impõe a modificação da decisão do Tribunal a quo por inegável erro de julgamento, nos termos do art. 669.º n.º 2, a) e b) do C.P.Civ., por a decisão recorrida ter sido tomada contra legem.

  1. Importa em primeiro lugar, e na análise da natureza jurídica da relação entre a Ré e os seus trabalhadores anterior a Maio de 1992, atender à natureza do vínculo laboral entre a Recorrente e os seus trabalhadores, estabelecidas anteriormente àquela data, pois que a mesma influencia, determinantemente, na possibilidade ou não de o Autor pôr em causa a forma de pagamento do vencimento de férias, subsídios de férias e de Natal anteriores a Maio de 1992.

  2. Até àquele período (e não só, como veremos), a relação jurídica entre Autor e Recorrente estava conformada pelo quadro jurídico estabelecido, nomeadamente, pelos seguintes normativos legais: - D.L. n.º 49368, de 10 de Novembro de 1969 - Portaria n.º 706/71, de 18 de Dezembro; - Portaria de Regulamentação Colectiva de 29.07.1977; - AE de 81 - Portaria n.º 348/87, de 26 de Abril IV. Com o D.L. n.º 49368, de 10 de Novembro de 1969, que criou a empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal, a Apelante assumiu uma tradição de instituição pública e os seus trabalhadores um estatuto típico do funcionalismo público, ainda que com certas especificidades, sendo certo que o regime público se mantém.

  3. De referir que a Recorrente, enquanto pessoa colectiva de direito público – e mesmo após a sua transformação em sociedade anónima – integra a Administração pública em sentido orgânico (ou, pelo menos, constituir uma verdadeira Administração indirecta privada).

  4. Na verdade, através desse diploma legal foi conferido à Recorrente o estatuto de empresa pública regendo-se o seu pessoal por um regime jurídico privativo, de natureza pública, conforme determinava o art. 26.º dos seus estatutos, que veio a ter posterior tradução nomeadamente nos diplomas e normativos acima indicados e que se manteve inalterado pelas disposições consubstanciadas no Acordo de Empresa posteriormente outorgado pela Recorrente.

  5. A evolução do seu perfil organizacional e a sua prévia existência enquanto verdadeira direcção geral, de pleno integrada na administração directa do Estado - a que também não é estranha a fixação de prorrogativas aos seus trabalhadores, no período considerado, que evidenciam poderes de autoridade administrativa (vide art. 28.º do D.L. n.º 49368) - explicam a opção do legislador quando afasta o regime do contrato individual de trabalho, dada a expressa natureza jus-privatística deste último.

  6. Nem os aspectos diferenciadores do regime jurídico estabelecido, de carácter privativo, nem o quadro legal posteriormente fixado pelo D.L. n.º 260/76, de 8 de Abril, procederam à desfuncionalização da relação de emprego público existente, nesse período, nem tiveram por efeito transformar os funcionários ao serviço dos CTT em trabalhadores sujeitos ao regime do contrato de trabalho.

  7. Manteve-se, assim, uma relação jurídica de emprego de cariz público, sujeita ao direito administrativo, a que a natureza empresarial dos CTT nada obstou.

  8. Relembrar que ainda hoje, no AE de 2013 (BTE, 1.ª Série, n.º 15 de 22 de Abril de 2013) e que está em vigor, o poder disciplinar da Recorrente é dualista, o que representa o reconhecimento “no plano da relação contratual, de que os antigos trabalhadores mantém o estatuto decorrente da sua originária inserção numa empresa pública de direito público e assume um valor indiciário próprio no sentido de uma interpretação declarativa das normas em causa.” (sublinhado nosso) – vide Parecer da PGR, de 7 de Outubro de 1998 (voto de vencido do Conselheiro Fernandes Cadilha).

  9. Atentos os fortes traços de direito público de que se reveste o regime jurídico anterior à transformação dos CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos - concretizada pelo D.L. n.º 87/92, de 14 de Maio, tem de entender-se, assim, que em relação às prestações reclamadas por trabalhadores contratados até 19 de Maio de 1992 e as que respeitem apenas a esse período, as mesmas foram determinadas por actos administrativos.

  10. Porque sustentados numa relação jurídica materialmente administrativa, os actos de processamento de vencimentos e demais prestações remuneratórias praticados até essa data (leia-se, 19 de Maio de 1992) entendem-se como actos administrativos.

  11. Tal interpretação foi tecida em parecer jurídico de autoria do Prof. Doutor Sérvulo Correia, que defende que “o processamento automático, através de meios mecânicos ou electrónicos, dos vencimentos dos funcionários da Consulente não esbarra, pois, com a noção, dogmaticamente sedimentada, de ato administrativo.

    Conclui-se assim, eu estamos, efectivamente, perante actos definidores e efeitos jurídicos concretos de conformação de uma relação inter-administrativa, e, como tal, perante atos de eficácia externa que assumem a configuração jurídica de ato administrativo, reunindo todos os elementos essenciais que integram este conceito”, conclusão “corroborada por jurisprudência reiterada e uniforme do Supremo Tribunal Administrativo”.

  12. Conclui, igualmente, o ilustre Professor que os mesmos são “inimpugnáveis e, como tal, definitivamente conformadores das situações jurídicas individuais concretamente abrangidas”.

  13. Ora, não tendo os mesmos sido oportunamente impugnados, nos termos e prazos previstos na lei, não podem, hoje - passados quase de 30 anos, ser objecto de apreciação judicial.

  14. Mas mesmo que se entenda não terem as prestações ora reclamadas até àquela data de 19 de Maio de 1992 sido determinadas por actos administrativos, já inimpugnáveis, forçoso é concluir que as mesmas não se mostram devidas, por já se encontrarem prescritas.

  15. Do quadro jurídico enunciado resulta a expressa definição e vigência, para os trabalhadores dos CTT Correios e Telecomunicações de Portugal, EP, admitidos antes da sua transformação em sociedade anónima de capitais públicos operada pelo D.L. 87/92, de 14 de Maio, de um estatuto próximo dos funcionários públicos mas de natureza híbrida, pública-privada.

  16. Se por um lado, esse regime privativo, especial, assegurava aos trabalhadores dos CTT o recurso aos diversos meios garantísticos de direito público para o exercício dos seus direitos, designadamente de natureza laboral, mediante a aplicação do princípio da legalidade, da hierarquia administrativa e dos esquemas de recurso contencioso, expressa e claramente excluía a aplicação da LCT, como já referido, e consequentemente o regime de prescrição nela estipulado para o contrato individual de trabalho.

  17. Tem sido jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que aos trabalhadores dos CTT e após a entrada em vigor do D.L. n.º 87/92, ou seja, após a transformação de empresa pública em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, se passou a aplicar o regime...

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