Acórdão nº 4990/14.8TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Fevereiro de 2016
Magistrado Responsável | TOM |
Data da Resolução | 10 de Fevereiro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
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Secção Apelação n.º 4990/14.8TBVNG.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto***I- Relatório.
B…, residente na Rua…, em Vila Nova de Gaia, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra C…UNIPESSOAL, LDA, com sede na Rua…, Vila Nova de Gaia, e BANCO D…, S.A., com sede na …, pedindo que seja reconhecida a resolução do contrato de compra e venda tendo por objeto o veículo identificado nos autos, a condenação da primeira Ré na entrega da quantia de €16.414,14, bem como no pagamento da quantia de €2.500,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescidas de juros de mora, contados desde a data da citação, que se declare a invalidade do contrato de crédito ao consumo identificado na petição inicial e a condenação da segunda Ré na entrega ao Autor dos juros de mora e das prestações pagos.
Para tanto, e em síntese, alega que celebrou com a primeira Ré um contrato de compra e venda, em 20 de Dezembro de 2012, tendo por objeto um veículo automóvel, de matrícula ..-IJ-.., pelo preço de €15.900,00, cuja quilometragem anunciada era de 93.650Km. Para o pagamento do preço celebrou com a segunda Ré um contrato de crédito ao consumo, no valor total de €16.414,14 e com despesas incluídas. Mas movidos alguns dias, o veículo começou a manifestar problemas mecânicos e que no âmbito das diligências realizadas para apurar a natureza das anomalias constatou que o mesmo à data da compra tinha, pelo menos, 156.884 Km percorridos, sendo certo que não o adquiriria se tivesse tido conhecimento de tal facto. Por força do sucedido sofreu danos de natureza não patrimonial, que enumera.
Regularmente citada, a primeira Ré contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação. Por exceção, para invocar a caducidade do direito do Autor a propor a presente ação. Por impugnação para, negar conhecer qualquer problema relacionado com a viciação da quilometragem e que o Autor o tivesse procurado depois da compra reclamando os vícios apontados, sendo certo que alega que se disponibilizou para anular o negócio, o que não foi aceite pelo Autor, tendo então procedido à revisão completa da viatura. Mais alegou que no momento da compra do veículo não foi a questão da quilometragem apontada pelo Autor como sendo fundamental na sua decisão.
E concluiu pedindo a improcedência da ação e a condenação do Autor como litigante de má-fé.
Também a segunda Ré BANCO D…, S.A. defendendo-se por exceção e por impugnação. Por exceção, para invocar a caducidade do direito do Autor a propor a presente ação porquanto decorreram mais de seis meses entre a data em que lhe denunciou os defeitos e a da propositura da presente ação. Por impugnação, alegou desconhecer os termos do contrato de compra e venda outorgado entre o Autor e a primeira Ré e o estado em que se encontrava o veículo à data da venda. E que o Autor não procedeu à entrega do preço à primeira Ré, motivo pelo qual não pode reaver para si montantes a cujo pagamento não procedeu.
O Autor respondeu às invocadas exceções, pugnando pela sua improcedência.
Saneado o processo, realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, tendo sido, a final, proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e: a) Declarou resolvido o contrato de compra e venda do veículo automóvel identificado; b) Declarou resolvido o contrato de crédito ao consumo celebrado entre o Autor e a segunda Ré; c) Condenou a segunda Ré a entregar ao Autor o valor das prestações já liquidadas, cujo montante será liquidado em sede incidental, acrescido de juros de mora, contados desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento; d) Absolveu, no mais, as Rés do pedido.
Desta sentença veio a 1.ª Ré “C…” interpor o presente recurso, alegando e concluindo nos termos seguintes: 1- A apelante entende que não ficou provada, a essencialidade para o A. do número de quilómetros que a viatura ostentava, para que se decidisse pela compra da mesma.
2-Como também entende a Recorrente, que foi demonstrado documentalmente que a viatura em questão foi por si adquirida em 15 de Novembro de 2012 a um terceiro que lhe garantiu que a mesma tinha 93.600Km.
3-Tendo junto para o efeito documento designado por DOC 1 com a sua contestação, cujo valor provatório não foi posto em causa, não tendo sequer sido impugnado pelo A.
4- Tal documento comprova à saciedade a data da compra da viatura, por parte da R. aqui recorrente, a quem é que a viatura foi adquirida e o nº de Km que o vendedor garantiu por escrito por si assinado, que a viatura ostentava.
5- Salvo o devido respeito, não tendo tal documento sido impugnado, o Tribunal "a quo", não podia sem mais dar tal facto como não provado.
6-Na sentença em crise ficou dado como não provado, que a R. aqui recorrente, soubesse ou tivesse perfeito conhecimento que a viatura tinha mais quilómetros do que os ostentados.
7-Para mais à frente considerar que a recorrente teve "culpa" nesse desconhecimento, porquanto quando adquiriu o veículo tinha a obrigação de diligenciar quais as condições efetivas da viatura, tanto mais que sendo comerciante, tal obrigação seria acrescida.
8-Na verdade, a recorrente, logo na sua contestação alega o total desconhecimento sobre a desconformidade ou viciação de quilómetros, sendo certo que o vendedor da viatura lhe havia garantido por escrito que a mesma tinha os quilómetros que ostentava.
9-O Tribunal “a quo” deveria ter decidido de forma diferente uma vez que o R. não tem culpa.
10-Desde logo quanto à matéria de facto dada como assente, deveria ter sido acrescentada um ponto com a seguinte redação: “A 1ª Ré comprou o veículo em questão em 15 de Novembro de 2012 a um terceiro que lhe garantiu que a mesma tinha 93.600Km”.
11-O que constitui facto extintivo do direito invocado pelo A. e que não foi objeto de impugnação.
12-Por outro lado, e não obstante conhecer da diferença de quilometragem desde Janeiro de 2013, nunca o Autor interpelou o Réu para reparar ou substituir ou reduzir o negócio.
13-O Tribunal “a quo” invoca com o DL 67/2003 de 08/04, como sendo aplicável ao caso. Todavia, com o devido respeito, não a aplicou de forma correta.
14-Efectivamente é esta a legislação aplicável a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a proteção dos interesses dos consumidores.
15-Todavia, ao A. não podia recorrer-se diretamente à resolução contratual, sem antes se terem por verificados determinados circunstancialismos prévios, nomeadamente a hierarquia constante do nº 1 do Art. 4º do DL 67/2003.
16-O nº 1 do Art. 4º do citado DL que dispõe: “Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato” 17-E o nº 5 – “O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou, constituir abuso de direito, nos termos gerais”.
18-Pese embora no art.º 4º DL 67/2003, não se faça expressa referência a esta hierarquia, deverá entender-se que ela resulta dos princípios gerais e que está implícita no preceito, quando se estabelece como limite a «impossibilidade e o abuso de direito.
19-Nos termos da Diretiva 99/44 (transposta para a ordem jurídica interna através do citado DL 67/2003 cuja aplicação aqui se defende), o consumidor não pode escolher livremente entre os direitos. Pelo contrário, existia uma clara hierarquia entre os quatro direitos atribuídos ao consumidor/comprador.
20-Primeiro que tudo, o consumidor deveria solicitar a reparação ou a substituição do bem. E apenas preenchidas determinadas condições, lançava mão dos instrumentos da redução do preço ou rescisão contratual.
21-Assim, o A. ao ter peticionado como o fez, pedindo de imediato a resolução do contrato, sem antes ter esgotado a hierarquização imposta pelo nº 1 do Art. 4º do DL 67/2003, violou tal normativo, assim como o fez igualmente a Mma. Juíza «a quo» ao julgar procedente a pretensão do A.
22-Pois o A. não podia exigir, sem mais, a resolução contrato, conforme fez.
23-Na verdade, o direito que lhe assistia era o de que a viatura fosse reparada ou substituída. Não outro. Para exercer algum dos outros direitos previstos no nº 1 do Art. 4º do DL 67/2003, era necessário, designadamente, alegar e provar que a reparação ou substituição do veículo era impossível.
24-Em conclusão: não assistia ao A. o direito à resolução do contrato – único direito exigido nos presentes autos.
25-É que, mesmo demonstrado que efetivamente a quilometragem foi alterada, também se demonstrou, pela junção do DOC 1 da contestação – E NÃO IMPUGNADO PELO A. – que a R. não teve culpa, pois que se limitou a adquiri-lo com os Km lá indicados.
26-Em suma, o A. deveria ter pedido a condenação da R. na reparação ou substituição do veículo, ao invés optou por exigir dele a resolução do contrato, à qual, face aos factos por si alegados, não tem direito, em virtude da não ocorrência de qualquer dos factos jurídicos que a lei estabelece com indispensáveis para tal.
27-A prova documental, bem como a produção de prova testemunhal, deveria ter levado o...
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