Acórdão nº 1898/09.2JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelNUNO RIBEIRO COELHO
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 1898/09.2JAPRT.P1 Acordam, após conferência, na 1.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO Nestes autos foram as arguidas, (1) B… e (2) C…, condenadas, - a primeira, pela prática, em autoria e na forma tentada, de um crime de homicídio simples, p. e p. pelos Art.ºs 22.º, 23.º e 131.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, subordinada porém a regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, o qual, uma vez homologado, fará parte integrante deste acórdão; e ainda subordinada ao dever de pagar ao assistente/demandante D… a quantia fixada a título compensatória no montante de €3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros) no prazo de 2 (dois anos) a contar do trânsito em julgado deste acórdão; e - a segunda, pela prática, em autoria e na forma tentada, por omissão, de um crime de homicídio simples, p. e p. pelos Art.ºs 10.º, 22.º, 23.º e 131.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, subordinada porém a regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, o qual, uma vez homologado, fará parte integrante deste acórdão; e ainda subordinada ao dever de pagar ao demandante D… a quantia a título da quantia compensatória arbitrada de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) no prazo de 2 (dois) anos a contar do trânsito em julgado deste acórdão.

Também assim, foi julgado procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo mencionado assistente D…, parcialmente procedente, por parcialmente provado e, em consequência, condenar, solidariamente, as arguidas/demandadas B… e C…, no pagamento da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados à taxa legal, desde a notificação e até integral pagamento.

Não se conformando com este acórdão, recorreram do mesmo as arguidas, o Ministério Público e o assistente/demandante.

Assim, a 1.ª arguida, B…, recorreu concluindo da seguinte forma a sua motivação: 1ª - A lei portuguesa não pune a tentativa de instigação. Ora, no nosso caso a Arguida planeou matar o genro D…, e, para o efeito contactou quem, a seu ver, poderia executar materialmente o homicídio, por si. Da parte dos contactados apenas obteve a promessa da concretização do crime, mas estes nunca tiveram a intenção de a efectivar (vejam-se pontos 23° e 34° dos factos dados como provados). Estamos assim, perante um caso de instigação (art. 26° do Código Penal) que não é punível por não ter havido começo de execução.

  1. Perfilhamos a opinião do Sr. Conselheiro Souto Moura que concluiu que o comportamento dos arguidos em situações idênticas à presente revelam perigosidade ¬delinear um plano criminoso no sentido de matar um terceiro contratando para o efeito uma ou duas pessoas, mediante o pagamento de um montante, não obstante o bem protegido nunca ter estado ameaçado de modo penalmente relevante, e por tal motivo, o legislador devia ter previsto e até mesmo punido tais situações. O certo é que o legislador até ao presente não responsabiliza os arguidos por situações como a dos autos, logo, a Arguida B… terá de ser absolvida, sob pena de se violar o princípio da legalidade: "nullum crimen sine lege stricta".

  2. Se assim não se entender, o que se equaciona por mero dever de patrocínio, no nosso caso concreto, podemos concluir que se verificou efectivamente uma situação de compreensível emoção violenta e desespero que importou uma considerável diminuição da culpa da arguida B…, atento o contexto dos factos e as circunstâncias do crime. Na verdade, se atendermos à matéria dada como provada - pontos 2° a 4°; 6° a 8°; 18° e 37°, verificamos que estamos perante uma situação de compreensível emoção violenta e desespero, conducente à integração da conduta da arguida B… no Crime de Homicídio Privilegiado Cfr. 133° do Código Penal), na forma tentada.

  3. A Arguida B… durante cerca de 9 anos assistiu de quinta-feira a domingo o D… a insultar, a agredir fisicamente, a ameaçar com arma de fogo, a violar a sua única filha, C…; em face dos maus-tratos levados a cabo pelo D… a arguida B… sentia-se completamente impotente para fazer cessar esses comportamentos ilícitos e sentia-se desprotegida, vulnerável e sem qualquer tipo de protecção. A Arguida B… face ao seu estado de saúde havia dias de queria que matassem o D…, mas havia outros dias que não queria e atento o quadro de agressões perpetradas pelo B… na pessoa da C…, a arguida B… encontrava-se perturbada emocionalmente e com alteração do estado de consciência (embora, sem perder a consciência da ilicitude). O motivo que determinou a Arguida a perpetrar o Crime foi precisamente assistir reiteradamente e durante um longo período de tempo a maus-tratos por parte do D… em relação à sua filha C… e a mesma actuou num contexto de total desespero - a mesma estava de tal forma desesperada, desprotegida, vulnerável e perturbada emocionalmente, apresentando alterações do estado de consciência que não tinha discernimento para tomar a iniciativa de participar criminalmente do D… às autoridades ou tomar outra conduta. Foi portanto neste estado de compreensível emoção violenta e desespero que a Arguida B… decidiu dizer a terceiros - os contratados - para matarem o D…, pondo fim a 9 anos de sofrimento. Digamos que face ao estado mental em que se encontrava a arguida B… e ao desespero que sentia, não restava para a mesma outra alternativa, senão suprimir a vida do Assistente, como se fosse a única solução naquele momento. Todas estas circunstâncias formam uma imagem global de culpa diminuída da arguida B….

  4. Assim, fácil é de concluir que face ao contexto familiar (violência doméstica) e ao próprio estado de saúde, emocional e psíquico da arguida B…, resulta evidente que a mesma actuou dominada por compreensível emoção violenta e desespero, caracterizada por uma folie e transitória perturbação da afectividade, desencadeada por factos alheios (provocados por D…), sendo a sua reacção uma mera defesa em relação às constantes e sucessivas ameaças de morte, agressões, injúrias, violações à sua filha C…, na presença das suas netas E… e F….

  5. A emoção violenta susceptível de integrar a previsão do Crime de Homicídio Privilegiado, corresponde a uma alteração psicológica, uma perturbação em relação ao seu estado normal, sendo violenta quando faz desencadear uma reacção agressiva do arguido. Assim, existirá "compreensível emoção violenta" quando o agente actua dominado por um estado emocional provocado por factos a que um homem comum e "fiel ao direito" seria sensível, sendo, portanto, atenuada a exigibilidade de conformação com as normas e o "desespero" reconduz-se a situações arrastadas no tempo, fruto de pequenos ou grandes conflitos que acabam por levar o arguido a considerar-se numa situação sem saída, geradoras de um estado de afecto ligados à angústia, à depressão ou à revolta sendo em qualquer caso necessário que a acção revele uma exigibilidade diminuída.

  6. À arguida deverá, ser imputado um Crime de Homicídio Privilegiado, na forma tentada, dado que se verificam no nosso caso factos que fazem subsumir a conduta da arguida B… em tal tipo legal (art. 133° do Código Penal), nomeadamente porque a arguida agiu debaixo de uma compreensível emoção violenta e em desespero.

  7. Sem prescindir, sempre se diga que a pena aplicada à Arguida B… (cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período) é excessiva, desproporcional, ultrapassando a medida da culpa e não foram devidamente ponderados os parâmetros ínsitos nos artigos 40°, nºs. 1 e 2, 70° e 71°, nºs. 1 e 2, todos do Código Penal, preceitos que por isso, foram violados pelo Tribunal "a quo", o que não se aceita.

  8. Deveria ter sido atendido o desespero sentido pela arguida B… para determinar a medida concreta da pena, isto porque a Arguida actuou motivada pelo facto de durante pelo menos 9 anos ter, no período de quinta-feira a domingo, assistido o Assistente a agredir fisicamente a sua única filha C…; a insultá-la, a ameaçá-la de morte, incluindo com arma de fogo; a obrigá-la a manter relações sexuais consigo ... , sentindo-se impotente para fazer cessar os comportamentos de maus tratos do D… à C… e este quadro conduziu a que a Arguida B… se encontrasse perturbada emocionalmente e com alteração do estado de consciência.

  9. Deveria ter sido atendido o facto da Arguida B… não ter antecedentes criminais (ponto 71° dos factos provados) e gozar de um bom comportamento anterior e posterior aos factos, apresentando um percurso de vida conforme á lei e aos ditames da vida em sociedade.

  10. Não ponderou devidamente, o Tribunal "a quo" o facto de a Arguida B… ter confessado os factos, na sua materialidade, de que vinha pronunciada, com relevância para a descoberta da verdade (não obstante, o Tribunal "a quo" ter considerado tratar-se de uma confissão apenas parcial dos factos, dado que a arguida não admitiu "de forma clara que mandou matar o genro admitiu que o poderia ter dito porque estava muito doente com tudo o que este fazia à sua filha").

  11. O Tribunal "a quo" não atendeu ao facto do decurso do tempo que mediou entre os factos e a presente data, isto é, mais de 5 anos sem que sejam conhecidos à arguida B… quaisquer factos que desabonem a seu favor e o facto de cada um (arguida e Assistente) terem seguido as suas vidas, apresentando a arguida B… uma vida actualmente feliz, pois sente paz e não vive perturbada emocionalmente como aconteceu no passado por força das condutas levadas a cabo pelo D… em relação à C….

  12. A arguida B… de acordo com os factos provados dispõe de autonomia a nível habitacional, dispondo de boas condições habitacionais e conforto; beneficia de uma imagem social e familiar que não foi afectada negativamente com os factos em causa nos presentes autos, sendo pessoa vem aceite e integrada no meio social...

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