Acórdão nº 60079/14.5YIPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 60079/14.5YIPRT.P1-Apelação Origem: Comarca de Aveiro-Oliveira Azeméis-Inst. Local-Secção Cível-J1 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Rita Romeira 2º Adjunto Des. Caimoto Jácome Sumário: I - Só há lugar à inversão do ónus da prova (artigo 344.º, nº 2 do CCivil) se o onerado não pode produzi-la por culpa da contraparte, de que tenha resultado, para o vinculado, a impossibilidade ou, ao menos, a grave dificuldade dessa prova.

II - Por essa razão, não pode ocorrer tal inversão pelo facto de o Autor ter intentado a acção cerca de 12 anos depois dos fornecimentos feitos à Ré (invocando esta a destruição dos documentos contabilísticos decorrido 10 anos após a sua emissão), pois que, o factor tempo apenas tem repercussões nas relações jurídicas nos casos tipicamente previstos na lei, nomeadamente nas situações em que esta lhe confere um efeito preclusivo, como sucede nas hipóteses de caducidade ou de prescrição de direitos, mas já não pode conduzir à inversão das regras do ónus da prova.

III - Aos atrasos de pagamento em transacções comerciais é aplicável o DL n.º 62/2013, de 10/05, razão pela qual se do contrato não constar a data ou o prazo de vencimento, são devidos juros de mora após o termo dos prazos referidos nas várias alíneas do nº 3 do artigo 4º do referido diploma, os quais se vencem automaticamente sem necessidade de interpelação.

IV - Todavia, para que tal aconteça é necessário que se trate de uma transacção comercial e entre empresas nos termos atribuídos a tais conceitos pelas alíneas b) e d) do artigo 3.º do citado diploma.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, residente…, Oliveira de Azeméis intentou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, decorrente do Decreto-Lei n.º 269/89, de 1 de Setembro, na qual pede a condenação de C…, residente na Rua da …, a pagar-lhe a quantia, a título de capital, de € 4.825,84, acrescida dos correspondentes juros vencidos e vincendos desde a data do vencimento das respectivas facturas até efectivo e integral pagamento.

*A Requerida deduziu oposição, alegando, em síntese, que nada deve ao Requerente e invoca, ainda, a prescrição dos juros de mora posteriores aos últimos cinco anos a contar da citação, nos termos do artigo 310.º, al. d), do Código Civil.

*O Requerente pronunciou-se pela não verificação de tal excepção, em face do respectivo prazo ter sido interrompido nos termos do disposto no artigo 325.º do Código Civil.

Peticiona, ainda, a condenação da Requerida como litigante de má-fé.

*Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, a qual decorreu com observância de todo o formalismo legalmente previsto.

*A final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente, por provada, a presente acção e consequentemente condenou a Ré a pagar ao Autor: a) - a quantia de € 4.825,84 (quatro mil, oitocentos e vinte e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos), a título de capital; b) – a quantia de € 1.906,30 (mil, novecentos e seis euros e trinta cêntimos), a título de juros de mora vencidos, contabilizados desde 4 de Maio de 2009 até 29 de Abril de 2014 (data da entrada do requerimento de injunção); c) – os juros de mora vencidos e vincendos sobre o capital em dívida, a partir de 30 de Abril de 2014 até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa juro comercial que vigorar em cada semestre até efectivo e integral pagamento.

E absolveu a Ré do pedido de litigância de má-fé.

*Não se conformando com o assim decidido veio a Ré interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte: 1. A decisão da matéria de facto quanto à data de vencimento das facturas, carece de qualquer apoio quer na prova documental junta aos autos quer na prova produzida em audiência de julgamento.

Pelo que; 2. Da decisão da matéria de facto quanto às als. a), b) e c) do ponto 1 dos factos provados deve ser alterada no sentido de ser retirada a expressão: "...e de vencimento".

  1. Por imposição do disposto no art° 52° do CIVA, o comerciante é deve conservar em boa ordem durante os 10 anos civis subsequentes todos os livros, registos e respectivos documentos de suporte.

  2. Decorrido esse prazo, por regra, os comerciantes, sobretudo os pequenos comerciantes como a ré, destroem os elementos da sua contabilidade.

  3. Tendo decorrido, à data da instauração da presente acção, o prazo de 13 e 12 anos sobre a data em que ocorreram as transacções comerciais, sem nunca ser interpelada pelo autor para proceder ao pagamento das facturas, a ré criou a legítima expectativa de que jamais seria demandada judicialmente interpelada para o pagamento.

  4. A conduta do autora ao instaurar a presente acção depois de decorridos 13/12 anos sobre a data das transacções comerciais, e sem nunca ter interpelado a ré para o pagamento, não se quadra nos bons usos comerciais nem se quadra nos princípios da boa fé.

  5. Tal conduta determinou que o direito de prova da ré ficasse definitivamente comprometido; 8. Tornando-se impossível ou muito difícil à ré provar o pagamento por conduta culposa do autor, deve ter-se por invertido o ónus da prova ao abrigo do disposto no art° 344° n° 2 do C.Civil.

  6. Invertido o ónus de prova, saldando-se por um non liquet a questão de saber se o pagamento foi ou não efectuado, a decisão terá de ser no sentido da improcedência da acção.

    Sem prescindir; 10. Não estando provada a mora da ré até à data da citação, não pode a ré ser condenada nos respectivos juros.

  7. Foi violado o disposto no art° 344° n° 2 e 805° n° 1 do C.Civil.

    *Devidamente notificado contra-alegou o Autor concluindo pelo não provimento do recurso.

    *Corridos os vistos legais cumpre decidir.

    *II- FUNDAMENTOS O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.

    *No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar: a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.

    b)- saber se se verifica, ou não, a inversão do ónus da prova; c)- saber se a Ré devia ser apenas condenada em juros a partir da citação.

    *A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal...

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