Acórdão nº 124/14.7T8VNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Fevereiro de 2016
Magistrado Responsável | RUI PENHA |
Data da Resolução | 01 de Fevereiro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo nº 124/14.7T8VNG.P1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório B…, residente na …, nº .., .º Dto., …, com patrocínio através de organização sindical, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra CTT – Correios de Portugal, S.A., com sede na Rua …, .., Lisboa.
Pede que a ré seja condenada a pagar-lhe as diferenças salariais apuradas, como média de uma retribuição variável auferida no período de 1998 a 2013, no valor de € 10.367,45.
Alega, em síntese, que foi admitido ao serviço da ré em 1992 e como efectivo em 1998, e esta não integrou nos subsídios de Férias e de Natal e retribuição de férias os valores médios da retribuição que auferiu mensalmente, ao longo dos sucessivos anos de execução do contrato.
Realizou-se diligência de audiência das partes, saindo frustrada a conciliação.
A ré veio contestar, invocando a prescrição do direito invocado pelo autor, a inexistência de mora e prescrição dos juros vencidos há mais de cinco anos, impugnando os factos alegados pelo autor e alegando não serem devidas as quantias em questão, tendo passado a integrar os valores pedidos nos subsídios e remuneração de férias a partir de 2003.
O autor respondeu pugnando pela improcedência da excepção de prescrição dos juros.
Foi proferido despacho saneador, no qual se relegou para sentença o conhecimento da matéria de excepção, e dispensada a condensação do processo.
Fixou-se à acção o valor de € 10.427,06.
Autores e ré fixaram a matéria de facto provada por acordo, nos termos constantes dos autos.
Foi proferida sentença, que decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a ré a pagar ao autor “a quantia global de 7.366,31€, relativa aos créditos salariais referentes aos anos de 1998 a 2013; acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, às sucessivas taxas legais aplicáveis, até integral pagamento.” Inconformada interpôs a ré o presente recurso de apelação, concluindo: I. É entendimento da recorrente que se impõe a modificação da decisão do Tribunal a quo por inegável erro de julgamento, nos termos do art. 669º nº 2, a) e b) do C.P.Civ., por a decisão recorrida ter sido tomada contra legem.
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No que respeita à primeira questão, ou seja, se o Autor litiga em abuso de direito, relembramos que nunca o Autor antes da propositura da presente acção deu a entender à sua empregadora, aqui Recorrente, que não concordava com a forma como a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal estavam a ser liquidados, pelo que a Ré continuou a proceder ao seu pagamento como vinha fazendo há anos.
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Os subsídios alegados pelo Autor até 2003 não integravam o conceito de retribuição, e este entendimento sempre foi aceite por aquele, e pelos restantes trabalhadores da Apelante, pelo que não pode ter criado qualquer expectativa ou convicção de recebimento das prestações ora peticionadas, uma vez que esta nunca até à presente data na vigência da LCT, as considerou como retribuição para efeitos de média a assegurar nos subsídios de férias e de Natal, pois só lhe eram pagos quando se verificassem os requisitos para a sua atribuição, nos termos do AE/CTT.
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E tal facto era do conhecimento do Autor, dado que nunca anteriormente reclamou o recebimento de tais quantias fora das situações que dão direito à sua percepção.
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Analisando os sucessivos AE/CTT, verificamos que as partes tiveram o cuidado de, divergindo da Lei, classificar a retribuição em férias como aquela que o trabalhador receberia se estivesse em “serviço normal”, cabendo ao trabalhador, em acréscimo, subsídio de igual montante, tudo conforme se preceituava e preceitua, hoje, na cláusula 162ª do AE publicado no BTE nº 30 de 15 de Agosto de 2000.
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Já a cláusula 143ª, que respeita ao subsídio de Natal estipula que: “Todos os trabalhadores abrangidos por este acordo terão direito a receber um subsídio correspondente à sua remuneração mensal, o qual lhes será pago com a remuneração respeitante ao mês de Novembro e corrigido no caso de aumento de vencimento no mês de Dezembro.” VII. Parece de facto que, tanto num como noutro caso, as partes pretendem fazer corresponder os referidos subsídios a um valor, comummente definido como retribuição mensal.
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Ora, tal conceito pode encontrar-se na vontade expressa pelas partes no âmbito da cláusula 133ª, onde, a respeito das remunerações mínimas mensais se refere que a remuneração horária normal é determinada pelo produto da multiplicação da remuneração mensal normal por 12 (meses) e consecutiva divisão pelo produto da multiplicação do período normal de trabalho semanal por 52.
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Ou seja, a retribuição “normal” corresponde à contrapartida paga pela Ré pela prestação de trabalho durante o período “normal” de trabalho.
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Tal intenção das partes pode ainda ser retirada da análise da cláusula 134ª do mesmo AE, onde, propositadamente e no seguimento das definições até aí realizadas, se distinguem claramente, até nos próprios documentos comprovativos, a remuneração “fixa”, ou se quisermos normal, e as restantes “prestações complementares”, sendo uma delas o próprio trabalho suplementar.
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Dificilmente se pode admitir que as partes outorgantes do presente acordo tenham estado tão desatentas que ao mencionarem a retribuição ”normal” deixaram “escapar” desse conceito prestações que, eles próprios consideram como complementares – caso da retribuição por trabalho suplementar, entre outras.
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Pelo que tais prestações não eram (nem devem agora ser consideradas) devidas aquando do pagamento ao Autor de férias, subsídios de férias e de Natal.
Acresce que, XIII. A postura do Autor – e dos demais trabalhadores da Ré – ao longo dos anos fez com que esta se convencesse que os mesmos aceitavam a forma como a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal estavam a ser liquidados.
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Pelo que no caso em apreço, ainda mais do que abuso de direito na forma de venire contra factum proprium, estaremos perante a figura da suppressio.
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A suppressio mais não é que uma forma de abuso de direito que se traduz no exercício tardio de uma posição jurídica de tal modo que o devedor, de todo, já não contasse com ela.
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Assim, esta figura baseia-se na tutela da confiança aliada à boa fé.
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Ou seja, a suppressio acaba por ser uma forma de tutela da confiança do beneficiário (ora Ré) perante a inacção do titular do direito (o Autor).
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Transpondo para a situação subjacente aos presentes autos, a Ré julgava proceder bem numa situação que foi sancionada, durante anos a fio, por milhares de trabalhadores.
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Efectivamente, a posição dos seus trabalhadores ao longo dos anos – designadamente, o não exercício de qualquer direito até recentemente – fez com que a Ré perpetuasse no tempo o mesmo método de cálculo na convicção de que o mesmo era satisfatório para todos.
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Como bem refere o Prof. Menezes Cordeiro no citado parecer, “esse retardamento conduziu a que, hoje, o volume envolvido seja descomunal, com grande dano para a empresa”, sendo certo que “o exercício, pelos interessados, dos direitos envolvidos é paralisado ex bona fide, por exigência do sistema”.
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Face a tudo quanto se cuidou expor, dúvidas não podem restar que não são devidos juros de mora desde o vencimento de cada uma das prestações, como é pretensão do Autor.
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No que à questão da mora concerne, salvo melhor opinião, não se pode considerar haver mora antes da citação da ré para contestar a presente acção; na verdade, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir e sendo o crédito ilíquido não há mora enquanto este não se tornar líquido (cfr. art. 805º do C.Civ.).
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É que, embora exista um prazo certo para pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, aquilo que está aqui em causa não é o seu não pagamento, mas antes a discussão sobre a natureza de complementos de modo a saber se integram ou não o conceito de retribuição.
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E sendo a questão controvertida, não se pode considerar a quantia liquidada no momento do pagamento dessas retribuições e subsídios, ou seja, que a ré sabendo o valor a pagar se atrasasse a pagar.
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Apenas pela procedência da presente acção, e nos seus precisos termos de condenação, é que se apurará o montante em dívida, ou seja, quais são as prestações que o Autor tem vindo a auferir ao longo do contrato com a Ré que se considerarem retribuição; mais, Não é razoável exigir do devedor que ele cumpra enquanto não souber qual o montante e o objecto exacto da prestação que lhe cumpre realizar – in illiquidis non fit mora.
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Razão pela qual se entende que não havendo culpa do devedor, não é possível imputar à Ré a mora geradora de condenação em juros, sendo estes devidos tão só a partir do momento do trânsito em julgado da decisão a proferir nestes Autos, ou seja, a contar do dia da constituição em mora, cfr. art. 806º do C.Civ..
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Ou, o que por mera cautela de patrocínio se concede, pela interpelação para pagamento, pelo que não existindo interpelação anterior será de considerar a data da citação, cfr. art. 805º do C.Civ.. Consequentemente, a serem devidos juros moratórios estes contar-se-ão apenas a partir daquela data.
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Porém, e caso assim não se entenda, ao contrário do que vem defendido pelo Tribunal a quo, entende a Recorrente que não se aplicam aos juros de mora o regime previsto no art. 38º da LCT nem, por maioria de razão, os arts. 381º do C.Trab.2003 e 337º do C.Trab.2009.
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Desde logo, porque o que aqui se discute tem subjacente uma relação entre a Recorrente e a Recorrida decorrente da celebração, entre elas, de um contrato pelo qual esta última se obrigou, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual à primeira, sob a autoridade e direcção desta.
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Ou seja, entre a Recorrente e a Recorrida foi celebrado um contrato concretamente definido e tipificado na Lei e regulado em legislação especial, nos termos do disposto nos arts. 1152º e 1153º do...
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