Acórdão nº 358/14.4PAGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec. n.º 358/14.4PAGDM.P1 Comarca do Porto.

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial da Comarca do Porto [Instância Local de Gondomar, Secção Criminal, J2] o arguido B…, foi condenado pela prática de um crime violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº1, al. a) e nº 2, do CP, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa pelo período de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses. Mais foi condenado na pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses.

Recorre o arguido rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões: I – O presente recurso vem interposto de decisão que condena o recorrente B…, como autor, da prática de um crime de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.°, n.°l, al. a) e n.° 2. do CP, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses, e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima C… pelo período de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses; II – O recorrente contesta a Douta Decisão por entender existir erro notório na apreciação da prova, nos termos do art.° 410.°, n.° 2, al. c), violação do princípio constitucional in dúbio pro reo, derivado do art.° 32.°, n.° 2 da CRP, má aplicação do princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art.° 127.° do CPP; III – Também contesta a Douta Sentença por considerar ter existido uma errada subsunção dos factos ao tipo legal do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.° do CP, por não se integrarem no conceito de maus tratos psíquicos; IV – Mais contesta a Douta Sentença por existir contradição entre a matéria de facto provada, e mesmo na fundamentação, e a decisão de aplicação da sanção acessória de proibição de contactos com a vítima, configurando o vício previsto na al. b), do n.° 2, do artigo 410.° do CPP; V – Contesta, ainda, a decisão de aplicar ao arguido a sanção acessória de proibição de contacto com a vítima, porque esta implicando o abandono do arguido da sua habitação, sem que mesmo possua meios económicos para procurar uma alternativa habitacional viola os princípios constitucionais do direito à habitação, e da proibição do excesso, previstos nos artigos 65. e 18.° n.° 2 da CRP; VI – O raciocínio do Tribunal "a quo", que levou à condenação do arguido pelo crime de violência doméstica, encontra-se inquinado e, em contradição com prova documental (a favor da tese do arguido) - exame de avaliação médico-legal de fls. 89/91 -.

VII – Tal documento, analisado ao arrepio das regras da experiência comum, foi valorado a favor da tese da ofendida, quando deveria ter sido a favor do arguido, uma vez que é elucidativo que, no episódio ocorrido em 30/09/2009, quem terá sofrido lesões, e foi submetido a avaliação forense, foi o arguido e não a ofendida.

VIII – No Douto Despacho de arquivamento (cfr. fls. 42 a 51 dos Autos) quanto aos factos ocorridos em 30/06/2009, é referido que as ofendidas não apresentavam ferimentos, e que o arguido, nessa altura também ofendido, apresentou queixa-crime contra a ofendida por ofensas à integridade física, mas veio a desistir da mesma.

IX – Nesse mesmo despacho também referido que a ofendida veio denunciar a prática, pelo arguido, de factos enquadráveis num crime de violência doméstica, e relatar a suspeição que o arguido poderia ter abusado sexualmente da sua filha D…, tendo o processo sido arquivado, quanto a esta última situação pelo facto da filha ter desmentido a mãe, e quanto ao alegado crime de violência doméstica, em razão das contradições existentes entre os vários depoimentos (das ofendidas C…, e D…, e do arguido), não tendo sido possível obter indícios suficientes de que o arguido havia cometido tal crime (cfr. f ls...49 e 50 dos Autos).

[Falta X] XI – Todavia, nestes Autos, foi decidido reabrir-se o inquérito, sem que tivessem sido ouvidas novas testemunhas em sede de inquérito.

XII – Como também não o foram posteriormente em sede de Julgamento, nem foi produzida qualquer outra prova em relação a tais f actos ocorridos em 30-06-2009.

XIII – Entende, por isso, o recorrente ter existido erro na apreciação da prova, por contradição entre os factos provados referentes ao episódio ocorrido em 30 – 06-2009, constantes dos pontos 8., 9. e 11. dos factos provados constantes da fundamentação da sentença, e os documentos juntos aos Autos, de fls. 89 a 91, e 42 a 51; XIV – Acresce que, de uma leitura atenta da Douta Sentença, ora recorrida, é evidente que o julgador não respeitou o princípio constitucional "in dúbio pró reo", como expressão da presunção de inocência, nem o princípio da livre apreciação da prova; XV – O arguido negou a pratica dos factos, atribuindo as sucessivas chamadas da autoridade policial, ao desequilíbrio emocional da sua mulher e à intenção desta de que mesmo saia de casa, para melhor poder utilizar o espaço na actividade de apoio e recolha de idosos no domicílio do casal, e sugeriu que a testemunha D… se encontra influenciada pela sua mãe, a aqui ofendida, (cfr. fI. 4 da Douta Sentença).

XVI – O julgador quanto ao depoimento da ofendida (cfr. págs. 4 e 5 da Douta Sentença), refere que esta depôs com alguma falta de objectividade, misturando os factos sobre que depunha com a sua própria idiossincrasia e visão particular dos assuntos com eles conexos, mas que, não obstante, o vício de raciocínio que perpassou todo o depoimento da ofendida, no qual confundia o seu conservadorismo de costumes com a prática de factos ilícitos, e às fragilidades apontadas ao depoimento da ofendida, o conjunto da prova produzida tendeu a amparar o que o disse em detrimento da versão apresentada pelo arguido; XVII – Quanto ao depoimento da testemunha D… (cfr, pág. 5 da Douta Sentença), refere-se “...o tribunal tendeu a conferir-lhe crédito e a reputar de verdadeiro o que disse.": XVIII – O Tribunal face à versão do arguido, à incoerência do depoimento da ofendida, e à suspeita levantada pelo arguido sobre a imparcialidade da filha do casal, assumiu ter dúvidas sobre a veracidade dos depoimentos da ofendida e da testemunha D…, ao utilizar a expressão "tender, deixando margem, ou abertura, para a dúvida quanto à credibilidade dos seu depoimentos, e quanto à prática dos factos imputados ao arguido; XIX – Admitindo, ainda, que, apenas, o depoimento da testemunha E…, agente da PSP, quanto a factos presenciados no dia 02/09/2014, e por não ter interesse pessoal no desfecho do caso, não levantava dúvidas (cfr. fI 5 da Douta Sentença), tendo este sido chamado ao local, viu o arguido notoriamente embriagado (apesar não ter efectuado teste de álcool) a insultar a sua mulher com os epítetos "és uma puta, voltaste a pôr-me os cornos" (cfr. 11. dos factos provados); XX – Refere-se na Douta Sentença, quanto ao depoimento desta testemunha - "...este depoimento não nos oferece dúvidas quanto à sua credibilidade..." , sendo com base neste depoimento que, o julgador confere "tendencialmente" credibilidade aos depoimentos prestados pela ofendida e pelas restantes testemunhas da acusação quanto a outros factos não presenciados pelo Sr. Agente (em 02/09/2014); XXI – As dúvidas do julgador não limitaram aos depoimentos da ofendida, e da filha do casal, também se manifestaram em relação à veracidade do depoimento da testemunha F…; XXII – Como se pode aferir do texto da decisão recorrida, porque o depoimento do Sr. Agente não ofereceu dúvidas ao Tribunal quanto à sua credibilidade, então foi considerado como bom o da testemunha F…, apesar de poder parecer tendencioso, por ser amiga da ofendida e notar-se alguma hostilidade da sua parte para com o arguido; XXIII – Foi por estas dúvidas que, o tribunal, depois de efectuadas as alegações finais, e encerramento da audiência de julgamento, reabriu a mesma para ouvir o Sr. Agente E…, que apenas depôs quanto ao facto dado como provado em 11. da matéria de facto dada como provada; XXIV – Socorrendo-nos das regras da experiência comum, poderia o julgador conferir credibilidade aos depoimentos que lhe suscitaram dúvidas, com base num depoimento que se cinge à prova de um único facto, ocorrido em momento diferente de todos os outros? Ou seja, porque o depoimento do Sr. Agente é credível, então os outros serão "tendencialmente" credíveis, apesar das dúvidas...! XXV – Com o devido respeito, e salvo diversa opinião, parece-nos que o Tribunal perante a dúvida optou por condenar o arguido, apreciando provas que eram favor do arguido, em desvalor deste.

XXVI – Pelo atrás exposto, consideramos que, pelo menos, quanto à prática dos factos referidos nos pontos. 4,5,6,7,8,9,10, e 12, o arguido deveria ter sido absolvido, em obediência ao princípio uin dúbio pró reo", considerando ter existir o vício previsto no art.° 410.°, n.° 2, al. c), o desrespeito pelo art.° 32.°, n.° 2 da CRP, e má aplicação do princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.° 127.° do CPP (vide Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 04-02-2015 (proc.° n.°42/13.66CMBR.Cl), disponível in www.dgsi.pt); XXVII – Quanto à não subsunção dos factos ao tipo legal previsto no artigo 152.°, por não integração dos factos ocorridos nos episódios de 2/09/2014, e 19/02/2015 no conceito de maus tratos, cremos que, mal andou o MP ao reabrir o inquérito n.° 35/09.0PAGDM, sem possuir novos elementos probatórios, que permitissem elidir o "in dúbio pró reo", só o tendo feito, de forma a poder enquadrar os novos factos (ocorridos em 2/09/2015, e 19/02/2015, consistentes em expressões e epítetos dirigidos ò pessoa da ofendida, no crime de violência doméstica; XXVIII – Cremos que, tais factos novos teriam que ser apreciados autonomamente (em relação aos factos ocorridos em 30-06-2009), e fora do enquadramento do tipo legal do crime de violência doméstica, previsto no art.° 152.° do CPP, por entendermos não serem factos que revelem uma gravidade tal, que permita enquadrarem-se no conceito de maus tratos...

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