Acórdão nº 225/12.6JAAVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Maio de 2016
Magistrado Responsável | MOREIRA RAMOS |
Data da Resolução | 11 de Maio de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Proc. nº 225/12.6JAAVR.P1 Tribunal da Relação do Porto (2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial) Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO: No processo supra identificado, por acórdão datado de 03/11/2015, depositado em 04/11/2015, e no que ora importa salientar, decidiu-se condenar o arguido B…: • pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1, agravado pelo artigo 177º, nº 1, al. b), ambos do Código Penal, na pena de três anos de prisão; • pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171º, nº 2, agravado pelo artigo 177º, nº 1, al. b), ambos do Código Penal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão; • pela prática de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º nº 2, agravado artigo 177º, nº 1, alínea b), ambos do Código Penal, na pena de cinco anos de prisão; • e, em cúmulo jurídico, condená-lo na pena única de sete anos de prisão.
Inconformado com a sobredita decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma nos termos constantes de fls. 749 a 786 (via electrónica, com original a fls. 788 a 825), aqui tidos como especificados, extraindo-se das respectivas conclusões que entende que o acórdão é nulo por omissão de pronúncia, que existiu erro de julgamento e preterição do princípio “in dubio pro reo”, ao mesmo tempo que discute a qualificação jurídica fixada e, em qualquer caso, entende que as penas são exageradas e que se impunha a suspensão da execução da pena a aplicar.
O recurso foi regularmente admitido, embora sem fundamentação jurídica (cfr. fls. 826).
O Ministério Público veio responder nos termos constantes de fls. 830 a 840, aqui tidos como reproduzidos, tendo concluído no sentido da procedência parcial do recurso.
Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer junto a fls. 847 e 848, aqui tido como especificado, através do qual acompanhou a sobredita resposta (embora, por lapso, tenha preconizado a improcedência do recurso).
No cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi aduzido.
Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.
* II – FUNDAMENTAÇÃO: a) a decisão recorrida: No que ora importa destacar, o acórdão recorrido é do teor seguinte (transcrição): FACTOS PROVADOS: 1. O arguido viveu em união de facto com C… mãe de D…, nascida a 30/08/1997, desde o ano de 2002 até Junho de 2012, vivendo inicialmente só com a companheira e depois com o agregado familiar na Rua …, Estarreja, nesta comarca de Aveiro.
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Durante parte daquele período temporal em que viveu com a mãe da ofendida, esta trabalhou no restaurante da mãe do arguido, em número indeterminado de domingos, na parte da manhã.
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A partir de data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o ano de 2005, após o ingresso da menor D… no 3º ano de escolaridade, desde o início de Setembro e até ao verão de Junho de 2009 (data em que o arguido se ausentou para Angola), o arguido, num número de vezes não concretamente apurado, aos domingos, aproveitando o facto da sua companheira, mãe da menor, se ausentar para o trabalho, e dos irmãos da D… se encontrarem a dormir, cerca das 08h30m, dirigia-se ao quarto onde pernoitava a D….
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Ali chegado, o arguido acordava a menor D… e dizia-lhe para o acompanhar ao seu quarto, dizendo-lhe que “iam brincar aos papás e às mamãs”.
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Atendendo à relação de confiança, bem como ao facto do arguido assumir o papel parental de educação e vigilância, a menor D… acedia a acompanhá-lo até ao quarto.
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Ali, o arguido ordenava à menor que se deitasse na cama, após o que igualmente se deitava, geralmente colocando-se com a parte frontal do seu corpo em contacto com as costas da menor.
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De seguida, o arguido tirava o pijama e cuecas que a menor envergava, bem como os seus boxers e apalpando-a nas pernas e zona púbica, nomeadamente na vagina, encostava o pénis ereto no interior das pernas da D… aí o friccionando, num movimento de vai e vem, até ejacular.
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Num número de vezes não concretamente apuradas, em idênticas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido cobriu o pénis com uma geleia comestível (toping) com sabor a morango e disse à menor para o introduzir na boca, usando a expressão “chupa”, ao que menor acedeu.
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Numa ocasião, em idênticas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido beijou e lambeu a zona vaginal da menor D….
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Por causa da intimidação e do facto do arguido ser pessoa encarregue da sua educação, uma vez que era seu padrasto, a menor D… nunca se sentiu capaz de opor resistência.
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Por várias vezes, e ao longo do período temporal acima mencionado, o arguido disse à ofendida D… para não contar nada a ninguém o que ela acatava não só por medo de que não acreditassem nela, mas também de que a mãe perdesse o emprego.
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A ofendida, à data da prática dos factos aqui narrados, tinha oito, nove, dez e onze anos, idade que era do conhecimento do arguido, dado que este era seu padrasto.
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O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de satisfazer os seus instintos libidinosos, bem sabendo que a ofendida tinha menos de doze anos de idade e que ao atuar da forma descrita atentava contra a livre formação da sua personalidade sexual, os sentimentos de pudor e vergonha desta, além do sentimento de decência inato à generalidade das pessoas.
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Conhecia, o arguido, o carácter ilícito e proibido das suas condutas.
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O arguido cresceu numa família humilde, de condição sócio económica estável, sendo o mais novo de dois filhos de um casal, cuja vivência familiar foi pautada por conflitos.
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Ingressou na escola na idade própria sem dificuldades de adaptação inicialmente, mas com adoção de comportamentos desviantes e absentismo a partir dos onze anos.
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Aos dezasseis anos iniciou consumos de haxixe.
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Concluiu o 9º ano com dezanove anos e durante o cumprimento do serviço militar obrigatório passou a consumir heroína, o que fez até aos vinte e sete anos, altura em que substituiu a dependência passando a ser etílica, mas que entretanto ultrapassou.
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À data dos factos vivia com a companheira, uma filha comum e os filhos da companheira, de quem se separou recentemente.
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Tem problemas de saúde decorrentes da dependência etílica.
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É, atualmente, empregado fabril auferindo rendimentos de 880€ (oitocentos e oitenta euros) ilíquidos.
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Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
* FACTOS NÃO PROVADOS Não se provou que os factos tivessem tido início tendo a D… sete anos e durante o 2º ano de escolaridade da menor.
*FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
A convicção do Tribunal baseou-se na conjugação de toda a prova carreada para os autos e produzida em julgamento, nos termos que se passa a detalhar (mediante a análise de cada um dos depoimentos ouvidos e relacionando-os, sendo caso disso, com a prova documental relevante), começando pelas declarações do arguido que, só por si, são significativas.
O arguido negou os factos e atribuiu-os a uma “vingança” da D…. No entanto fê-lo de forma pouco convincente, porque apesar de ter dito que não os praticou disse também que “não se lembrava de os ter feito (!)” (aliás, em consonância com o que ficou a constar do relatório social, onde também é referido o alegado esquecimento do arguido), o que tira veracidade à negação… por não se perceber como pode alguém esquecer a prática de factos desta natureza.
Referiu a sua vivência em união de facto durante catorze anos com a mãe da D…, desde antes de 2002, data a partir da qual os filhos da companheira foram viver com a mãe, tendo nascido a filha comum do casal, em 2003.
Relatou a vivência com os menores como gratificante, “até porque os menores estavam mais tempo com ele do que com a mãe”, já que, por ela trabalhar à noite, era com o arguido que ficavam. Referiu ainda ter estado ausente da família quando esteve em Espanha e em Angola, poucos meses de cada vez, e que tudo correu bem até a D… levar para casa um namorado “maior de idade”, circunstância aceite pela mãe da menor e até pelo irmão, como este veio a admitir, mas que o arguido reprovou, pelo facto dela só ter treze anos.
Nesta sequência repreendeu-a, advertiu-a, sentiu que ela lhe faltou ao respeito e que foi só a partir do momento em que impôs regras que a D… se queixou.
Atribuiu, portanto, a queixa a uma vingança da D….
Depois do arguido e uma vez que a mãe da menor se recusou a depôr, foi ouvido o irmão da menor, a testemunha E….
Fez um depoimento sofrido. Por diversas vezes lhe vieram as lágrimas aos olhos, a voz embargou-se, demonstrou estar ainda chocado com a situação que acabou por ser despoletada por si, após uma conversa que a irmã teve consigo.
Recordou que eram crianças ainda (ele com sete, ela com cinco anos) quando foram viver com a mãe e o arguido; que inicialmente os irmãos ficavam juntos no quarto, mas depois ele passou a ter o seu próprio quarto; que nunca se apercebeu de nada (ou pelo menos não foi alertado por situações que agora associa e a que a seguir se fará referência) até que um dia a irmã lhe confidenciou o que aconteceu até há quatro anos atrás, desde que ela andava na Escola Primária até à ida do arguido para Angola.
Não foi capaz, por perturbação emocional, de reproduzir o que a irmã lhe disse, mas demonstrou genuíno sofrimento quando disse que o arguido tentou “fazer coisas” com ela e quando no final do depoimento referiu que essas tiveram caráter sexual e respeitavam a sexo oral.
Percebeu-se que o sofrimento não foi só pela natureza dos factos, mas por tudo o que isso significou também na sua vida, já que a relação com o padrasto era “muito boa”, era como um pai para ele e, por isso, não esperava nada disto. Referiu que, por vezes, em brincadeiras à frente de todos o padrasto apalpava e mandava “bocas sujas” à D…, mas nunca pensou que tal comportamento fosse indiciador de que outros factos poderiam acontecer, embora percebesse e “agora seja claro” e...
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