Acórdão nº 296/07.7TBMCN.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelSOUSA LAMEIRA
Data da Resolução30 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

RECURSO de APELAÇÃO Nº 296/07.7TBMCN.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO 1- No Tribunal da Comarca do Porto, Comarca do Porto Este, Penafiel - Inst. Central - Secção Cível - J4 a Autora B… intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum ordinário contra Dr. C…, e contra o Hospital da D… alegando que: Em meados de 2001, foi-lhe detectada lesão da cabeça femural direita, tendo sido encaminhada para os serviços de ortopedia do R. Hospital, onde foi consultada várias vezes pelo Dr. C…, contra o pagamento de honorários ao R. Hospital, quase sempre de Esc.6.500$00.

Foi-lhe detectada uma “Osteonecrose” numa fase precoce da cabeça femoral direita, tendo, em consequência por ordem e sugestão do Dr. C… sido sujeita a intervenção cirúrgica em 03.09.2001, num acto cirúrgico que é tido em meios médicos como muito simples e sem riscos.

Devido a um mau uso das técnicas cirúrgicas foi utilizada uma técnica denominada “mielectomia”, muito pouco usada já ao tempo por os resultados não serem muito eficazes.

Como consequência do acto cirúrgico, de forma de todo anómala a A. sofreu paralisia do ciático à direita.

Passou a ter dores intensas e sem aparente solução, muito embora o Dr. C… aconselhasse calma, tendo sido ao longo dos três anos subsequentes ao acto cirúrgico assistida pelo R. Dr. C… e pelos serviços clínicos do R. Hospital.

Ao fim de três anos de total sofrimento, foi a A. aconselhada a submeter-se a nova intervenção cirúrgica destinada a corrigir todas as consequências do acto cirúrgico anterior.

Em 22.3.2004 foi a A. de novo sujeita a nova intervenção cirúrgica, agora com prótese total da anca direita, tendo tido alta hospitalar em 27.03.2004.

Em consequência de tal acto a A. ficou totalmente incapacitada. Anda, agora, com extrema dificuldade. Para poder andar só de canadianas e ficou totalmente incapacitada para o trabalho – nada pode executar, não conseguindo fazer o que quer que seja na vida de casa, como cozinhar, brunir, lavar ou fazer as camas.

O limite da perna intervencionada ficou com mais 3,5 cm, apresentando um atrofiamento do membro inferior direito, à custa da prótese da anca, de 3,5 cm e o pé direito ficou sem movimentos, não conseguindo levantar a perna direita, não podendo dormir para o lado direito, não consegue sair de casa sozinha, não é capaz de se calçar sozinha, não pode nada ou quase nada fazer, passando a vida de casa a ser feita pelo marido e filho.

A A. nasceu em 04.03.56, tendo, em 2004, 48 anos de idade e executava todas as tarefas da casa: cozinhava, lavava, brunia e limpava e ainda prestava o seu trabalho como empregada doméstica, auferindo então € 2,49 á hora, trabalhando por mês 80 horas, auferindo por mês € 199,20.

Nunca mais trabalhou nem pode trabalhar, tendo deixado de fazer coisas simples como fazer as camas e arrumar a casa, não podendo mais ter animais em casa, como porcos e galinhas.

A sua incapacidade para o trabalho é total, peticionando a esse título uma indemnização de €150.000.

A A. sofreu e sofre todos os dias: sente-se uma inválida, a sua vida sexual desapareceu, não pode caminhar, nem deslocar-se sozinha, por saber que será uma inválida para o resto da vida e sofre por ver que o seu marido e seu filho têm que a substituir na vida de casa, quando a A. trabalhava de sol a sol todos os dias.

Era uma mulher cheia de vida e de força, com alegria de viver e “tudo perdeu” (sic), peticionando a indemnização pelo dano não patrimonial assim sofrido, a quantia de € 75.000.

Em consultas médicas a A. pagou ao R. Hospital € 545 e em fisioterapia despendeu € 250, peticionando a indemnização total de 225.795 €.

As lesões graves de que a A. padece resultaram do uso de técnicas cirúrgicas erradas, bem como de erro grave na condução e execução da cirurgia, não tendo sido usadas as melhores técnicas ou, pelo menos, foram usadas de forma totalmente errada: a prótese de uma anca desde que usadas as técnicas comuns, nunca gera as sequelas de que a A. hoje padece, muito menos sendo sequer admissível que gere a incapacidade total de uma pessoa.

A prótese de uma anca é hoje e já ao tempo o era um processo muito simples e quase sem risco, nunca será de aceitar ter ocorrido um alongamento da perna”, considerando que “o Senhor Dr. C… agiu com um mau uso das técnicas cirúrgicas”, tendo todos os actos médicos sido executados sob ordem e direcção daquele ortopedista, contra o pagamento de um preço ao Hospital R..

Não é admissível que os actos médicos executados pelo R. possam gerar como resultado as sequelas de que padece a A.”.

O “DR. C…, aqui R., não usou os conhecimentos científicos existentes; antes usou técnicas cirúrgicas erradas” e o Hospital aqui também R. é solidariamente responsável sempre por os serviços serem prestados nas suas instalações contra o pagamento de um preço; estava obrigado a prestar esses serviços sem erros dos seus agentes, tendo o R. Dr. C… prestado esses serviços nas instalações do R. Hospital com o conhecimento e consentimento deste.

Conclui pedindo a condenação solidária dos Réus a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de 225.795 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

2 – O Réu Dr. C… contestou, excepcionando a prescrição do direito á indemnização da autora nos termos do artº498º, nº1, do CC, a sua ilegitimidade por ter sido estranho “à relação jurídica estabelecida entre o estabelecimento hospitalar e a Autora, no âmbito da qual ocorreram ambas as operações”, tendo o Réu contestante operado a A. ao serviço da D…, a “incompatibilidade entre responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual” e impugnando a alegação factológica da autora e sustentando, factualmente, que observou «in casu» as «leges artis» a que estava obrigado e que explicou á A. os riscos associados á sua particular situação, antes de cada uma das operações tendo a A. dado o seu consentimento informado para ambas as operações, tendo assinado os correspondentes termos de responsabilidade, e que foi devido a factores pessoais atinentes á própria pessoa da Autora que “os resultados in casu não foram tão excelentes”, (sic), por se tratar de “uma pessoa marcadamente obesa, pesando – na altura- com os seus 45 anos, mais de 80 kgs, adentro do seu metro e meio de altura”, era hipertensa e com tendência para artroses.

Mais invocou litigar a A. de má-fé.

Pugnou pela improcedência da acção e pela sua absolvição da instância ou do pedido.

Em sede reconvencional, o Réu contestante invocou que a presente demanda “representa um ilícito atentado contra o bom nome profissional do Réu-Contestante”, já que nela “falsamente afirma a A., tal como tem propalado aos quatro ventos, que este não seguiu as melhores técnicas ou as boas “legis artis” nas suas operações e que ambas elas errou”, exigindo á A. ser ressarcido pelas perdas e danos causados ao seu bom nome ou boa fama de competente ortopedista; “já houve pacientes que, por causa da queixa da autora, optaram por outro ortopedista”; “se não fossem as cirurgias que lhe fez o Reconvinte, não tinha hoje o residual de qualidade de vida de que ainda goza nem as perspectivas de poder melhorar” (sic), concluindo estar a ser “difamado pela Autora, o que lhe acarreta, do mesmo passo, grandes danos patrimoniais”, peticionando a condenação da Autora em quantia a liquidar em execução da sentença.

3 – A ré D… contestou a presente acção, excepcionando a sua ilegitimidade, por considerar que a haver qualquer erro só ao Dr. C… podia ser imputado e nunca á contestante, excepcionando a prescrição dos eventuais direitos da Autora, e impugnando a alegação factológica da autora e sustentando, factualmente, que observaram «in casu» as «leges artis» a que estava obrigada e que quem agiu culposamente foi a demandante.

Pugnou igualmente pela improcedência da acção e pela sua absolvição da instância ou, se assim se não entender, do pedido.

Alegando que transferiu a responsabilidade civil decorrente da sua actividade de prestação de serviços médico-cirúrgicos para a Companhia de Seguros E…, SA, requereu a intervenção principal desta.

4 – Houve réplicas, separadamente para cada uma das contestações apresentadas, concluindo em ambas a Autora como na P.I. e pugnando, no que à contestação do 1º Réu diz respeito, pela improcedência do pedido reconvencional.

A fls. 102 e 103 foi então proferido Despacho a admitir o incidente de intervenção principal provocada deduzido pela Ré, no seguinte teor: «Na presente acção declarativa com processo ordinário, destinada a exigir a responsabilidade do Hospital da D… e do Dr. C… na prestação de cuidados médicos, veio a Ré D… deduzir a intervenção principal provocada de Companhia de - Seguros E…, S.A. para quem havia sido transferido a responsabilidade dos riscos de serviços médico-cirúrgicos.

Cumprido o disposto no art. 326°, n.º 2, do C. Proc. Civil, nenhuma oposição foi deduzida.

Cumpre decidir.

O art. 268° do C.P.C. consagra o princípio da estabilidade da instância.

Segundo este normativo, depois de citado o réu a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidade de modificação consignadas na lei.

As modificações subjectivas da instância são permitidas em virtude dos incidentes de intervenção de terceiros, art. 270, b) do C.P.C..

O incidente de intervenção principal provocada é aplicável quando qualquer das partes pretende chamar a juízo interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária, e quando o autor, nos casos do art. 31°-B do C.P.C., pretende chamar a intervir como réu o terceiro contra quem passará a dirigir o pedido (art. 325°, n°1 e 2 do C.P.C.).

Na primeira hipótese estão em causa as pessoas a que se refere o art. 320 do C.P.C., não sendo admissível, desde logo, o chamamento “se forem contrapostos os interesses, substantivos ou processuais, do chamado e da parte ao lado de quem se pretende que...

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